Nem a entrada de uma canditada Negra,quebra o silêncio em torno do racismo nas eleições 2014

O que está em jogo nessas eleições é a real perspectiva de avançarmos na emancipação da população negra cujos passos decisivos foram dados de 2003 para cá. E tudo o que conquistamos até aqui em termos de políticas públicas é fruto de muita luta histórica dos movimentos negros organizados

Por Flávio Passos*

No final deste texto, reapresento uma breve postagem do Facebook quanto ao silêncio em torno do racismo e as eleições 2014. A candidata Marina Silva, por ser negra e pelo seu passado de luta na esquerda, falha ao não pautar a questão racial. Mas, falham também as demais candidaturas com possibilidades.

Mesmo em um ano tão difícil, com Cláudias da Silva Ferreira e Geovanes Santana sendo vítimas cotidianas do racismo institucionalizado armado, o silêncio permanece.

Mesmo com Aranhas e Tingas agredidos por torcedores racistas, nenhuma palavra de solidariedade por parte das candidaturas majoritárias. Nem com relação a passar a ser considerado crime de racismo situações que tratadas apenas como “injúria racial”.

Mesmo com as manifestações racistas contra o programa “Mais Médicos”, mesmo com tudo que o racismo é no cotidiano de nossa sociedade, é como se vivêssemos em outro país. A pauta racial é tabu eleitoral.

Mesmo com os alarmantes indicadores sociais de institutos de pesquisa mostrando a condição desigual da população negra na participação de nosso desenvolvimento, é como se fôssemos apenas frias estatísticas.

Mesmo com milhares de jovens negros sendo mortos anualmente num genocídio nada silencioso, nenhum candidato ou candidata se posiciona, nem com a mínima indignação.

Mesmo com três conferências nacionais de igualdade racial realizadas nos últimos dez anos, suas propostas não são priorizadas de forma explícita nos programas.

Mesmo com os onze anos da SEPPIR, os oito anos de SEPROMI na Bahia, a criação do Sistema Nacional de Políticas de Igualdade Racial (SINAPIR) e os organismos de igualdade racial em todas as esferas de governo, inclusive em centenas de municípios, como Vitória da Conquista, não dizer de sua importância e da necessidade de se transformar a SEPPIR em ministério é ratificar a sua condição de política adjunta.

Mesmo com doze anos de não aplicação adequada da 10.639/03 (lei que obriga a inclusão da história e da cultura africanas e afro-brasileiras nos currículos escolares), o silêncio só faz aumentar esse descaso.

Mesmo com o Estatuto da Igualdade Racial aprovado há quatro anos, ninguém se lembra da necessidade de sua efetivação. Estar nos programas de governo exige também o debate durante a campanha.

Mesmo com as cotas tendo promovido uma revolução no perfil do alunado do ensino superior, falar sobre negritude ainda é “perigoso” para os pragmáticos elaboradores de campanha eleitoral.

Mesmo com toda intolerância religiosa contra milhares de comunidades de fé que são os terreiros das religiões de matrizes africanas, o que temos visto é uma ameaça ao estado laico, com o silêncio frente ao projeto, nada silencioso, de se instaurar no país uma ditadura cristã de perseguição à diversidade religiosa.

Nenhum candidato à majoritária citou a Marcha Contra o Genocídio da População Negra. Ela aconteceu no Brasil, há duas semanas.

Ninguém fala dos indígenas. Nem dos quilombolas. Falar de indígenas e quilombolas é falar de terra. E terra é o que mais mata neste país.

O cúmulo desse silêncio é que a campanha alcançou trinta dias e nem, ao menos, a palavra racismo aparece em algum discurso. Nem igualdade racial. Alguns falam timidamente em “igualdade social”. A própria imprensa, a oficial, a burguesa ou mesmo a alternativa não tem pautado a questão racial.

O que acontece? Nosso racismo continua sendo esse reflexo dessa esquizofrenia social, pois mesmo reconhecendo a sua existência, ele é negado enquanto prática cotidiana. Um crime perfeito o qual, além de criminalizar a própria vítima, ainda se silencia sobre o destino de milhares de corpos negros.

Ou o silêncio seria porque, como alguns costumam alegar que “falar de negro (entenda-se racismo) tira voto?” Mas tira voto de qual eleitor, do racista? Falar sobre tira voto ou promove a consciência negra?

Quem é a maioria dos beneficiários de programas sociais do governo federal, como PROUNI, PRONATEC, SISUTEC, MINHA CASA, MINHA VIDA, MINHA CASA MELHOR, BOLSA FAMÍLIA, PAA, PRONAF e COTAS NAS UNIVERSIDADES? Tais programas tão intragáveis pela burguesia racista.

A mesma burguesia que nunca reclamou do programa “CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS”, um programa tão assistencial quanto os demais, mas cujo público, pelos critérios de seleção, é formado por 95% de brancos.

Qual seria a reação dessa mesma “elite branca” se os próximos governos enviassem centenas de jovens negros e pobres para cursarem medicina em Cuba (melhor educação e medicina do mundo, segundo a ONU) ou abrissem aqui turmas especiais para milhares de estudantes da periferia e da zona rural cursarem medicina no Brasil para termos, daqui a quinze anos, as comunidades pobres e negras tendo atendimento com médicos vindos das suas próprias comunidades e famílias?

A ditadura da meritocracia não permite nem mesmo cogitar uma possibilidade dessas. Seria mexer de vez no maior símbolo da supremacia branca brasileira. Nos governos de Lula e Dilma temos dado passos significativos na democratização e num projeto de desenvolvimento sem racismo, inclusive no acesso de pobres e negros ao curso de medicina.

O que está em jogo nessas eleições é a real perspectiva de avançarmos na emancipação da população negra cujos passos decisivos foram dados de 2003 para cá. E tudo o que conquistamos até aqui em termos de políticas públicas é fruto de muita luta histórica dos movimentos negros organizados.

Então, pior que a questão racial ser tratada como um tabu ou uma ameaça definitiva aos privilégios brancos deste país desigual é ela não ser compreendida pelo eleitorado, negro ou não negro, como a questão principal a ser resolvida por todos nós na construção de nossa frágil democracia.

E, se estamos a menos de um mês do primeiro turno e continuo a insistir: ainda está em tempo de enegrecermos o processo, o debate, as pautas, as prioridades, os programas, as plataformas, a propaganda de TV, etc. E isso só acontecerá a partir da pressão da sociedade civil organizada. Nunca foi diferente.

Afinal, nós, pretos e pardos, somos 53% da população brasileira, e o Brasil ainda está muito longe de garantir a cidadania plena para negros e negras. Independente da cor do candidato, essa pauta não é problema de movimento negro. É desafio de cada pessoa comprometida com a justiça social neste país.

Sendo candidatura de esquerda, não cabe o silêncio quanto à questão racial. E, sendo da direita, no caso de Aécio, ou, no caso de Marina que, mesmo sendo negra, caminha a passos largos para um “endireitamento” de suas propostas, não se espera nenhum discurso em favor da população negra. Seria incoerência, do começo ao fim.

O Brasil precisa avançar em democracia e também no combate ao racismo e às suas consequências!

*Flávio Passos, militante negro da Rede EDUCAFRO, mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, assessor técnico de Igualdade Racial na Prefeitura de Conquista, professor de Sociologia e Filosofia no Colégio Carlos Santana, em Belo Campo, concursado.

Fonte: Mama Press

 

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