“Nosso objetivo é a extinção da Justiça Militar”, diz ex-sargento homossexual discriminado

Fernando Alcântara e Laci Araújo, sargentos assumidamente gays, denunciaram o Estado Brasileiro na OEA, acusando o Exército de ter praticado tortura psicológica e física contra eles

Por Marcelo Hailer

O governo brasileiro e o Ministério das Relações Exteriores foram notificados pela Organização dos Estados Americanos (OEA) a se manifestar sobre supostas violações de direitos humanos no caso dos sargentos homossexuais Laci Araújo e Fernando Alcântara, que acusam o Exército brasileiro de tortura psicológica e física. De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos, a notificação está sendo analisada pela Advocacia Geral da União (AGU).

A história de Araújo e Alcântara veio a público em 2008, quando eles foram à imprensa denunciar o Exército por perseguição. De acordo com Fernando Alcântara, tudo começou em 2006, quando ele descobriu um esquema de corrupção no setor de Saúde. Posteriormente à denúncia, o ex-sargento revela que se tornou alvo de perseguição e que a sua relação homoafetiva com Araújo foi descoberta e utilizada como fator de desqualificação.

Depois que levaram a história aos meios de comunicação, Laci Araújo e Fernando Alcântara foram presos e acusados de comportamento antiético. À época da prisão, eles afirmam que foram torturados, perseguidos e que sofreram discriminação por orientação sexual. Araújo afirma que, em uma de suas prisões, foi espancado e sufocado com saco plástico. A denúncia por corrupção nunca foi investigada pelo Exército, tanto Araci quanto Alcântara foram reformados e, hoje, o companheiro de Fernando, que tem problemas de saúde, recebe um valor simbólico das Forças Armadas, não tendo seu tratamento médico custeado. Nos processos internos, os dois foram considerado culpados pelo crime de difamação contra o Exército.

Na conversa que você confere a seguir, Fernando Alcântara relata que o objetivo deles, hoje, mais do que conseguir uma retratação do Estado, é acabar com a Justiça Militar, pois, de acordo com Alcântara ela serve apenas para “perseguir e constranger”. Outra meta da luta deles é que a ação internacional sirva de exemplo para que tal fato nunca mais se repita.
A respeito de uma declaração das Forças Armadas, em 2012, de que aceita soldados LGBTs em seus quadros, Alcântara disse não acreditar e que, para desconstruir esse argumento basta pesquisar para descobrir quantos soldados são declaradamente homossexuais e quantos pediram a inclusão de seus parceiros no plano de saúde. Segundo o ex-sargento, não existe nenhum pedido desse tipo e que, portanto, a declaração das Forças Armadas não procede, já que, segundo Fernando, não é possível que em todo o Exército exista apenas um casal homossexual.

Fórum – Vocês acreditam que o governo vai se posicionar diante da denúncia da OEA?

Fernando Alcântara – O governo tem três meses para se pronunciar e isso já vem sendo contado desde janeiro e pela data do documento, eles teriam até o final de abril pra se pronunciar, temos a expectativa de que tenham se pronunciado no prazo, mas só teremos acesso a essa resposta depois que o CNDH [Conselho Nacional de Direitos Humanos] receber o documento. Esperamos que, com esse processo, além de uma retratação do Estado, isso não ocorra mais e que se tomem medidas para proteger pessoas. Esse processo no âmbito internacional serve para o país modificar a conjuntura nas Forças Armadas

Fórum – Em 2012, as Forças Armadas declararam que aceita LGBTs fora do armário em seus quadros. Você acredita nisso?

Alcântara – Eles usam esse tipo de argumentação com base num relatório que foi feito dentro do próprio Tribunal Militar. Fui conversar com uma ministra que hoje é do tribunal e ela informou que houve de fato um relatório que tratava dos casais homoafetivos, dizendo que poderiam estar nos planos de saúde. Eu a questionei quanto militares haviam requerido e ela disse que nenhum. É praticamente impossível você acreditar que exista apenas um casal. Nós não somos um caso isolado.

Fórum – Desde que o caso de vocês veio à tona, quatros anos se passaram. A vida de vocês sofreu muita transformação?

Alcântara – As marcas ficam pra sempre, mas o problema maior não é esse. O principal problema é você sofrer uma perseguição velada. O Laci teve a sua reforma declarada e no meu caso não, sendo que já tinha entrado com processo em 2008. Agora, o Laci foi declarado reformado e considerado incapaz de continuar no Exército e ele recebe simbolicamente o que vem a ser uma aposentadoria proporcional, que representa um terço do que ele recebia na ativa. Só que eles insistem em não facilitar e não franquear o tratamento, pois com um terço do salário você não consegue pagar a medicação da qual ele faz uso, ainda mais quando se trata de uma doença crônica que necessita de cuidados. Nós estamos brigando na justiça comum, mas, infelizmente as Forças Armadas tem um lobby muito forte. E na verdade, o Exército se comporta como um Estado à parte, ainda vive na ditadura.

Fórum – Em 2010 você tentou uma vaga no Congresso Nacional. Você pretende seguir na carreira política legislativa?

Alcântara – Eu não estou mais no PSB e tinha desistido, o processo eleitoral é muito desgastante e principalmente para quem propõe ideias novas, mas isso é parte do processo. Então, acabei migrando para o PCdoB, pois, o PSB, apesar de se colocar como um partido socialista, foi se juntar com uma fundamentalista, que é a Marina Silva. Então, pra mim, é mais viável estar próximo de um partido que tem um forte de poder articulação, inclusive pra interferir no processo eleitoral.

Fórum – Então você vai sair candidato pelo PCdoB? 

Alcântara – Sou filiado ao PCdoB e me convidaram como pré-candidato a deputado distrital por Brasília.

Fórum – Vocês anseiam por uma reparação do Estado?

Alcântara – O processo internacional é diferente do processo interno judicial.  O internacional busca conciliação para que o Estado cumpra algumas determinações, por que o Brasil é signatário da Carta Internacional de Direitos Humanos e aí eles vão determinar quais são as instâncias que devem proteger as pessoas vulneráveis nas Forças Armadas. Mas a nossa luta maior é a extinção da Justiça Militar. O tribunal da Justiça Militar funciona como um tribunal de exceção, onde as pessoas são constrangidas, por isso a nossa bandeira é a extinção dessa Justiça Militar. A Argentina está na vanguarda em vários assuntos e um deles é a extinção da Justiça Militar, a própria reparação com os familiares de desaparecidos, por que lá a Comissão é da verdade e da justiça. Portanto, as Forças Armadas do Brasil só vão atenuar a cultura da tortura, que faz parte da cultura militar, com essa mudanças.

Fonte: Revista Fórum

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