Número de denúcias de revenge porn quadruplicou em dois anos; Vítimas nas escolas têm entre 13 e 15 anos

O número de vítimas de vazamento de “nude selfies”, ou vídeos íntimos divulgados sem consentimento, quadruplicou no Brasil em dois anos. No ano passado, 224 internautas procuraram o serviço de ajuda da SaferNet, organização de defesa de direitos humanos na web, para denunciar o crime cibernético conhecido como “revenge porn” – pornografia de vingança, em tradução livre. Em 2012, 48 casos haviam sido registrados pela entidade.

no Brasil Post

iStockphoto

O vazamento de imagens íntimas atinge principalmente mulheres, que representam 81% dos casos denunciados. A cada quatro vítimas, uma delas é menor de idade.

Perfil

A advogada especialista em Direito Digital Alessandra Borelli costuma circular em mais de uma escola por semana para conversar com pais, professores e alunos sobre o vazamento de fotos íntimas. “Não tem uma escola que não tenha tido pelo menos um caso”, relatou.

A constatação da advogada é de que a “febre” conquistou espaço entre os adolescentes porque tanto os que se filmam ou permitem a gravação, no caso das vítimas, quanto os opressores, que compartilham material íntimo de terceiros entre os amigos, têm o “desejo de ser aceitos”. Alessandra explica que essa vontade de fazer parte se manifesta com mais força nos grupos populares do colégio, ou entre namorados e paqueras.

Segundo a advogada, o perfil das vítimas com maior o número de casos de vazamento está na faixa dos 13 aos 15 anos. Os exemplos mais comuns são de meninas que tiram fotos ou vídeos íntimos, enviam para o namorado, terminam o relacionamento e, em seguida, o ex compartilha o material com amigos.

“A partir dos 12 anos, os jovens começam a invadir as redes sociais. Começa então a interação virtual e a necessidade por curtidas. Os likes são importantes e, para ter as curtidas, os jovens começam a se expor demais. Entram nessa jogada de quem viajou mais, quem tirou a foto mais bonita. Começam a se expor da pior e da melhor forma possível”, disse a advogada.

Papel das escolas

A educadora Neide Noffs, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), disse que as escolas precisam “perder o medo” de discutir as situações sociais nas quais estão envolvidos os alunos. Abordar a sexualidade em sala de aula, segundo Neide, é uma forma de fazer com que os jovens se sintam mais à vontade de perguntar e procurar ajuda quando necessário.

“As escolas não podem ter medo de fazer esse debate. No passado, os educadores achavam que discutir alguns temas significava estimular ou antecipar. E, por isso, não falavam nem sobre drogas. Hoje, nós acreditamos no inverso, de que a discussão ajuda a prevenir.”

Para Neide, os professores devem abordar a sexualidade dentro do contexto em que os alunos vivem, que hoje está muito ligado às redes sociais e à internet. “Por isso, além de falar sobre as relações sexuais e interesses, é preciso abordar também a questão da intimidade, o respeito com as mulheres. É preciso resgatar alguns valores, já que nossa sociedade preza pelo excesso de exposição.”

Casos

A estudante Mônica Pimentel, de 18 anos, de Sorocaba, interior de São Paulo, encaixa-se nos dois perfis: é mulher e era menor de idade quando sofreu com o vazamento de material íntimo. Cinco fotos e um vídeo em que aparece tomando banho foram feitos quando tinha 14 anos e começaram a ser compartilhados pela primeira vez após dois anos, em sites, grupos de bate-papo e redes sociais.

“Eu pensava: o que vou fazer? Vou sentar e chorar? Não. Eu sou a vítima disso. Posso ter agido com irresponsabilidade, mas a culpa não foi minha, porque o opressor foi quem divulgou”, conta a estudante, hoje mãe de um bebê de dois meses. 

No ano passado, aos 17, surgiu um novo capítulo do pesadelo para Mônica, quando estava grávida. As fotos e o vídeo voltaram a ganhar espaço na web. O assunto reverberou tanto que, na época, a jovem ouviu comentários de uma garçonete, em um bar e da veterinária onde costumava levar seus cachorros. Até a mãe, que mora em Minas, acabou ouvindo histórias sobre a própria filha. “Minha mãe ficou bem triste (quando soube do vazamento). Meu pai ficou bravo de início, mas depois ignorou”, afirma a jovem.

“Foi pesado. E eu só me preocupava com o meu bebê”, conta. Com uma repercussão bem maior do que antes, a estudante resolveu procurar a Justiça para processar o garoto com quem havia ficado três anos antes, a única pessoa com a qual compartilhou o material. “Recorri à Delegacia da Mulher de Sorocaba. Só que o processo é tão enrolado, tão demorado e burocrático, que você acaba até desistindo. Parece que quanto mais contato você faz em relação a isso, mais próxima (do caso fica) e mais constrangimento sente.”

Morosidade

Para Juliana Cunha, coordenadora psicossocial da SaferNet, a lentidão e a dificuldade para punir o responsável pelo vazamento das imagens são fatores que contribuem para que os casos continuem crescendo – apesar de o número da ONG ser expressivo, ela destaca que há ainda muita subnotificação. Quando as imagens envolvem menores de idade, o crime é classificado como pornografia infantil. Já quando as imagens são de maiores de idade, o crime previsto pode ser o de injúria ou difamação ou então ser levado para a vara cível.

Por não confiar que haveria uma punição, Ana Beatriz Unello, de 21 anos, não quis denunciar um ex-namorado que divulgou suas imagens quando ela tinha 17 anos. “Eu não queria continuar essa história, ter de ir atrás dele e continuar pensando nesse assunto”, afirma.

As fotos de Ana Beatriz foram divulgadas pelo ex-namorado após o fim do relacionamento. “Ele usava as imagens (capturas de telas de conversas pela webcam) para me chantagear a voltar para ele”, conta. Após quatro meses de ameaças, o rapaz, que na época tinha 18 anos, criou um perfil falso em uma rede social para publicar as imagens da ex-namorada.

A jovem procurou ajuda na SaferNet quando o ex-namorado ainda fazia apenas ameaças e, por isso, foi orientada a pedir apoio para a família. “Ter meus pais ao meu lado foi fundamental. Porque foi essa a primeira coisa que eu pensei: que eu iria perder o amor, o apoio, o carinho deles. Só depois é que pensei na minha reputação, no que os outros iriam pensar, no meu emprego.” Mesmo três anos após o vazamento das imagens, Ana Beatriz diz que ainda tem medo de que as fotos possam ser divulgadas novamente.

Juliana diz que o medo da volta das imagens persegue as vítimas por muitos anos, uma vez que não é possível saber se todas as cópias foram de fato apagadas. Na semana passada, o Google anunciou que vai retirar as fotos e vídeos de “pornografia de vingança” de seus resultados de busca se houver solicitação das vítimas. “Temos visto alguns avanços para proteger as vítimas, mas, ainda assim, elas não conseguem ter total segurança de que as imagens não voltarão à tona”, diz Juliana.

Para ela, é preciso que seja feita uma mudança no comportamento machista da sociedade, que ainda trata as mulheres como culpadas por terem feito as imagens. “As imagens foram produzidas por elas, mas sua publicação não foi consentida. O erro não está em fazer as imagens, mas na divulgação.”

Mônica concorda com a psicóloga e diz que o próprio pai de seu bebê, com quem hoje não namora mais, chegou a ofendê-la quando a repercussão mais grave do caso aconteceu durante a gravidez. “Ele falou para mim: ‘Qual vai ser a visão do seu filho em relação a isso (fotos e vídeos íntimos na Internet)? Você não se preocupa?’ Eu falei: ‘Não fui eu que mandei minhas fotos para todos os sites, não fui eu quem publiquei. E mesmo se tivesse publicado, qual é o problema? É o meu corpo. De qualquer forma, não fui eu. Isso vai mudar minha índole como mãe?'”

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