“Nunca alisei meu cabelo”, conta estilista de moda afro

Conheça a história de Ana Paula Xongani, cuja marca de roupas focada na beleza negra já conquistou famosas como Taís Araújo e Sheron Menezzes

Da MdeMulher 

Ana Paula Xongani e sua mãe (Rodrigo Fuzar/Divulgação)

“Xongani!”. A palavra vem do changana, língua africana do sul de Moçambique, e significa algo como “arrumem-se”, “enfeitem-se” ou “fiquem bonitas”. Essa é a inspiração que levou Ana Paula Xongani, de 29 anos, a criar uma marca de moda e acessórios focada na beleza negra.

Formada em design pela faculdade de Belas Artes de São Paulo, Ana Paula é sócia-fundadora e estilista da Xongani, em parceria com sua mãe, Cristina Mendonça. Foi a matriarca, artesã e costureira das boas, quem sempre estimulou a única filha menina a valorizar os cabelos crespos com faixas e acessórios coloridos.

Crescer ouvindo elogios como “que cabelo lindo!” fez toda a diferença na autoestima de Ana Paula, que também tem um canal no YouTube no qual fala sobre moda e estilo afro-brasileiros, beleza negra, feminismo negro, autoestima e empoderamento da mulher negra. “Não adianta só eu me sentir empoderada. O empoderamento só faz sentido se for coletivo. Essa é minha missão”, afirma.

Hoje, mantendo seu ateliê no bairro de Artur Alvim, em São Paulo, ela veste famosas como Taís Araújo e Sheron Menezzes, além de preparar-se para exportar não apenas moda, mas cultura e autoestima para o resto do mundo. Fomos conhecer o espaço e conversamos com ela. A seguir, confira!

A estilista aprendeu desde cedo a gostar do seu cabelo do jeitinho que ele é (Rodrigo Fuzar/Divulgação)

“Eu nunca alisei o cabelo. Sou uma exceção gigantesca no universo da negritude. Isso porque minha mãe, militante das causas negras, sempre me estimulou a gostar do meu cabelo do jeito que ele era, criando penteados e acessórios bonitos. O que não tinha no mercado ela inventava. Minha tiara do balé era colorida e bordada com miçangas. Assim, eu era muito elogiada. ‘Que cabelo lindo’, as pessoas diziam. Hoje, sei que talvez exaltassem mais o cuidado, a maneira como eu me arrumava, mas isso contou para que eu cultivasse uma autoestima que me protegeu ao longo da vida. Em casa, éramos só meu irmão mais velho e eu. Minha mãe teve a sabedoria de perceber que o mundo reagia diferente a uma menina negra e fez com que eu me sentisse especial.  

Nos meus aniversários, se eu ganhasse seis bonecas brancas, ela me pedia para escolher apenas três. As outras que sobravam ela substituía por bonecas negras. Fui uma das primeiras garotas a ter uma Barbie negra na década de 1990. Ela deu um jeito de pedir para alguém trazer dos Estados Unidos, imagine só. Hoje, tenho uma coleção de Barbies negras e contei essa história em um dos meus vídeos no YouTube. Com uma filha de 3 anos, colecionamos juntas as bonecas. Procuro educá-la da mesma maneira, pois vejo que, embora muitas questões sobre o racismo tenham evoluído, o preconceito se reinventa e se reveste de outras formas. Por exemplo, no meu canal do YouTube, não recebo ataques diretos, mas há pessoas que fazem comentários tentando me desqualificar, dizendo que sou ‘burra’ ou ‘feia’, apenas porque sou negra.

Na faculdade, sofri a ‘invisibilidade’. Era a única negra da sala e sentia ser preterida nos grupos de trabalho. Fui seguindo a minha vida, trabalhando desde cedo com design, até que, aos 21 anos, em uma viagem a Moçambique, descobri as ‘capulanas’, tecidos africanos estampados, cheios de charme. Foi um despertar. Pensei: ‘Existe algo além’. Algo que inspirava novas cores, novos usos, novas maneiras de valorizar a beleza negra. Na hora, liguei para minha mãe. Ela me disse para deixar minhas roupas lá e trazer a mala cheia de tecidos. Assim, nasceu a Xongani. Com muita paixão e dedicação, abrimos um ateliê e fomos criando brincos, tiaras, túnicas, turbantes. O estoque vivia acabando. De repente, não dávamos conta de tantos pedidos. Abrimos uma loja virtual.

Hoje, produzimos cerca de mil peças por mês e estamos nos estruturando para exportar. Fazemos até vestido de noiva, sempre usando referências da cultura africana: em vez de pérolas, miçangas e bordados. Quando se fala em empoderamento, penso em autoconhecimento e autoestima. Não adianta eu me sentir empoderada se não inspirar e empoderar as mulheres ao meu redor. Essa é uma transformação pessoal e do meio em que vivo. Utilizando-me da moda e do meu canal no YouTube, procuro contribuir para o resgate e a valorização da cultura africana no Brasil. Quero que cada vez mais mulheres negras se sintam bonitas por serem exatamente como são.”

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