O futebol feminino finalmente tem o que sempre quis. Mas, e depois da Olimpíada?

Todo mundo já está cansado de falar e ouvir por que o futebol feminino não caminha para frente no Brasil. “O futebol é chato”, “não tem o mesmo nível técnico”, “é lento”, entre outros clichês que se consolidaram nestes 120 anos de história da modalidade, impactam diretamente no interesse de patrocinadores, influenciando o não interesse de transmissões de televisão e, por fim, o de clubes em formar equipes com mulheres.

Por Jaiane Valentim, do HuffPost Brasil

De todos os argumentos usados pela massa para justificar a não ascensão do futebol feminino, o único que se sustenta por si só é: o futebol feminino não rende financeiramente – e isso engloba todos os clichês acima citados.

É triste admitir, mas, sim: futebol hoje é negócio. Se não é rentável, não há como pagar seus profissionais e é por isso que muitas meninas que sonham em se tornar jogadoras têm que conciliar os treinos com outros empregos.

O futebol apresentado pela seleção masculina de futebol até então na Olimpíada fez evidenciar o ótimo trabalho de Vadão à frente da seleção feminina. Mas será que os elogios da mídia como um todo às meninas e a empolgação da torcida têm prazo de validade, como aconteceu em edições anteriores?

Ou será que a euforia da torcida será o start, o empurrão que faltava para que medidas sejam tomadas para revolucionar a categoria?

O primeiro passo (que não é o ideal, mas já é um começo) foi dado no início do ano passado

Seleção permanente não é o ideal, mas é um começo

Após o Brasil sediar a Copa do Mundo em 2014, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) recebeu da FIFA R$ 260 milhões para serem investidos no futebol brasileiro. A entidade máxima do futebol exigiu que parte desse dinheiro fosse aplicado no futebol feminino.

Foi aí que a CBF criou a “Seleção Brasileira Feminina Permanente”, com o intuito de montar um time forte para disputar a Copa do Mundo (em 2015) e as Olimpíadas.

O projeto, criado no início de 2015, contrata jogadoras para que essas se dediquem apenas a treinos na Granja Comary (RJ).

As atletas abriram mão de contratos com clubes para serem “contratadas da CBF”, podendo receber salários de até R$9 mil. Das 22 convocadas por Vadão (contando suplentes), sete fazem parte da seleção permanente, entre elas a veterana Formiga que, aos 38 anos, joga sua sexta Olimpíada.

Tirando esse grupo, quatro atuam na China, três nos Estados Unidos, duas na França, uma na Espanha, outra na Dinamarca, uma na Coréia do Sul e mais uma na Suécia. Sim. Nenhuma no Brasil.

O investimento até que existe. Anualmente, no futebol feminino, é destinado cerca de R$ 5 milhões.

Parte desse dinheiro vai para a seleção permanente; o restante é investido em dois campeonatos nacionais: Brasileiro e Copa do Brasil – competições que parecem acontecer em um mundo paralelo, onde não existe imprensa e, nas arquibancadas, há apenas família e amigos.

É neste momento que precisamos refletir: como será o futuro da Seleção se não conseguirmos manter um padrão – tanto da CBF quanto dos clubes, que montam e desmontam equipes femininas quando convém – para revelar e descobrir novos talentos? O que vai acontecer quando Marta se aposentar, por exemplo?

É importante o torcedor saber que essa mudança começa com ele, indo aos estádios e acompanhando os jogos. E é por isso que o cenário visto nos Jogos Olímpicos é animador.

Mas é esse mesmo torcedor que só enxerga uma chance de medalha e que, ao ver as jogadoras em campo, não imagina as penúrias que elas tiveram que enfrentar não só para estarem em uma Olimpíada, mas para virarem profissionais.

E, em um mau momento da seleção masculina, ecoa nos estádios o grito “Marta é melhor que Neymar”, algo inédito, talvez. Mas trata-se de um elogio à craque da seleção feminina ou uma crítica ao craque da seleção masculina?

Vale lembrar: o coro se fez em uma partida da seleção masculina.

E agora o futebol feminino não parece tão chato nem tão lento etc, etc, etc. É preciso entender que não se trata de ser melhor ou pior, mas sim de um “jogo jogado” de uma forma (geneticamente) diferente.

Comparação entre gêneros no futebol é injusta

O mestre e doutor em fisiologia do exercício pela Escola Paulista de Medicina, Turibio Barros, explica em artigo:

“O homem possui um número maior de glóbulos vermelhos no sangue, o que proporciona uma maior capacidade de transporte de oxigênio e consequentemente um desempenho aeróbico sempre superior ao da mulher. Além disso, o desempenho cardíaco do homem é também superior, atingindo débitos cardíacos máximos (maior volume de sangue que o coração consegue bombear por minuto) maiores que da mulher. Estas diferenças proporcionam ao homem uma vantagem fisiológica em qualquer solicitação de esportes de resistência.

Além disso, a musculatura esquelética do homem tem o fator hormonal como uma diferença importante. A testosterona ou hormônio masculino é um esteroide anabolizante natural, e proporciona ao homem um desenvolvimento muscular sempre superior. Este efeito assegura ao homem uma vantagem de força, potência e velocidade, que se projeta em qualquer modalidade esportiva que dependa destas variáveis. Em outras palavras o homem é sempre mais forte e consequentemente mais veloz”.

Por natureza humana as disputas esportivas – não só futebol, como em qualquer esporte – masculinas têm mais “dinâmica”, por assim dizer. Mas isso não faz do futebol feminino – de novo: não só o futebol -, ruim por ser lento, mas diferente.

Essa disparidade acontece no basquete, no vôlei, no handebol e em competições individuais também. Sempre vai ser assim. Portanto, por que não questionam outras modalidades?

Infelizmente isso acontece porque abraçamos culturalmente e estamos acostumados a ver homens e mulheres disputando os demais esportes – o que parece não acontecer com o futebol por ser, culturalmente, um “esporte masculino”.

Mas e depois das Olimpíadas?

Para o futebol feminino engrenar, é necessário que o interesse do torcedor permaneça após o término dos Jogos Olímpicos, independentemente de ouro.

Só assim, tendo público nos estádios, desencadeará os outros fatores.

Para início, poderiam colocar partidas femininas antes das masculinas para o público ir, aos poucos, se acostumando e vendo que existe futebol jogado por mulheres em clubes todos os anos e não somente a cada quatro.

Com tantos jogadores tão bem pagos, talvez seja justamente os baixos salários que impulsionam as atletas para se entregarem tanto em campo. Elas não jogam apenas pelo ouro, jogam pela possibilidade de condições melhores para tantas e tantas meninas Brasil afora. Elas jogam pelo presente, sim, mas, principalmente, pelo futuro.

As jogadoras brasileiras finalmente têm o que sempre quiseram: o reconhecimento do torcedor. E para essas mulheres, que há anos lutam para sobreviver nesse cenário ainda muito masculino por aqui, nenhum dinheiro importa neste momento.

E para quem sempre torceu para o futebol feminino dar certo no País, agora é torcer para que esse reconhecimento não seja novamente passageiro, nem tenha nova data de validade.

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