O golpe à democracia e a população negra

Muito já foi dito sobre os últimos fatos políticos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores. De logo pontuo que faço parte daqueles que entendem ter sido desnecessária a conduta coercitiva sofrida pelo ex-presidente, sou a favor da nomeação do mesmo para Ministro e pela continuidade do governo da atual presidente.

Por Carlos Leonardo Queiroz Almeida via Guest Post para o Portal Geledés

Como advogado por formação e por vocação, não posso corroborar, em hipótese alguma, que direitos fundamentais sejam mitigados, independente das circunstâncias. Pensar de outra forma é fugir da verdade. Abrir mão de garantias fundamentais é criar um perigoso precedente e uma afronta à Democracia e à Constituição.

Não obstante, muito se argumentou tanto pró, quanto contra o atual governo. Dentre os que defendem a atual gestão federal, um argumento muito utilizado tem sido o de que foi esse governo que implementou as políticas de ações afirmativas, contribuindo, assim, para o aumento do número de afrodescendentes nas Universidades Públicas no Brasil, fato que verdadeiramente aconteceu. Argumentam, ainda, que os negros nunca tiveram tanta voz e vez neste país, isso como forma de conclamar nós negros a mais uma vez nos engajarmos na luta em defesa da atual gestão.

Não se pode negar que foram implementadas políticas públicas direcionadas à comunidade negra brasileira, porém, há de se analisar com parcimônia o atual cenário. O hodierno momento, embora delicado, também é imperativo para algumas importantes reflexões sobre o papel que a comunidade negra tem exercido nesta correlação de forças aí posta. Relações políticas são construídas com intencionalidade e reciprocidade, e não podemos fugir disso.

O mesmo governo que se vangloria de ser vanguardista na implementação de políticas de promoção da igualdade, na formação inicial da equipe Ministerial possuía, e ainda possui, apenas uma Ministra negra, e não por coincidência esta comandava a SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Secretaria com status de ministério que possuía um dos menores orçamentos dentre todos. Fato este justificado com o argumento de que esta seria uma Secretaria meio, e não finalística. No mês de outubro do ano passado a presidenta Dilma realizou uma reforma ministerial. Fundiu-se aí a Secretaria das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Assumiu o comando da nova pasta a ministra negra, fosse o contrário, geraria um grande mal-estar.

Ainda no quesito representatividade, observem que a região Nordeste concentra o maior percentual dos negros do Brasil. Nesta região 70% da população se declarou parda ou preta, segundo o último censo demográfico realizado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Na eleição para presidente da República, onde duelaram em segundo turno a atual presidenta e o candidato tucano, a Região Nordeste foi quem definiu a vitória de Dilma. Além de ser a região onde a presidente recebeu a maior quantidade de votos, em comparação com as demais (20.176.579). Foi também onde a diferença de votos para o segundo colocado foi maior (12.208.733). O Norte foi a outra Região onde a petista venceu, abocanhando 4.393.301 votos em disputa, porém, a diferença foi menos acachapante: 1.017.153 votos a mais. Aécio Neves saiu vencedor e com saldo maior do que o saldo de votos obtido pela esquerda na Região Norte. Vale ressaltar que, ainda consoante o censo de 2010, 74% dos habitantes da Região Norte se declaram pretos ou pardos.

Ao cruzarmos a distribuição por Cor/Regiões e Votos/Região do país fica evidente que Dilma se elegeu com maioria de votos negros e nordestinos. Mas o que isso significou, vem significando ou significará na composição do Governo Dilma? Me parece que pouca coisa ou quase nada! Como já dito apenas uma negra e três nordestinos dos trinta e nove que iniciaram o governo da presidente, após a reforma, continuam apenas uma Ministra negra e cresceu para quatro o número de nordestinos entre os 31 ministros.

Superada esta breve análise sobre a carência de representação negro/nordestina na cúpula ministerial do Governo Federal, cabe analisarmos alguns indicadores sociais

A Região Norte e, em segundo lugar, a Região Nordeste, são as que evidenciaram maior crescimento no número de homicídios entre os jovens negros: 125,5% e 96,7% respectivamente, entre os anos 2002 e 2010, dados do Mapa da Violência 2012 – A Cor dos Homicídios no Brasil, confeccionado pelo Governo Federal.

As regiões com maior taxa de analfabetismo também são a Norte e a Nordeste, sendo 11% e 25%. Dentre a população analfabeta nordestina 43% são negros, ao passo que na região norte os afrodescendentes representam 28,1%. Trabalhadores sem carteira assinada no Brasil, 48,1% declaram-se negros, ao passo que apenas 16,3% se declararam brancos, as demais exercem atividades autônomas ou encontram-se desempregadas – dados do IBGE.

Por fim, dos jovens que acessaram o ensino superior apenas 26,2% declararam-se negros. Devemos reconhecer que o cenário anterior ao governo Lula era de extrema, carência de oportunidades para a população nordestina e, em especial, para a população negra; no entanto, após treze anos de governo petista, pouco se avançou na promoção da igualdade racial. Preocupa-nos também, o fato de mudanças estruturais não terem sido implementadas, a exemplo de uma verdadeira reforma política e tributária.

Defender a democracia, o Estado republicano e a efetivação dos direitos fundamentais é dever de todos, mas está evidente que passou da hora de fazermos um acerto de contas. A população negra teve participação decisiva nas quatro vezes em que o PT logrou êxito nas eleições para presidente da República, porém a recompensa tem sido a desatenção e a eterna espera por um cenário político ideal para atender nossos pleitos. Continuamos nas ruas defendendo a manutenção do governo democraticamente eleito, mas é preciso que a atual gestão incorpore negras e negros ao projeto estratégico de gestão e de políticas públicas estruturais, que modifiquem de maneira mais sólida a vida do povo brasileiro.

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