O luto das coisas

Li discreta nota no jornal noticiando que uma grande, pioneira, qualificada, paulistana locadora de DVDs fechará as portas. Senti uma estocadinha no peito. Não pelo fato de mais uma empresa fechar. Isso é comum em épocas de vacas magras. A dorzinha veio pela emoção. Parece que o DVD já era. Seu antecessor, o VHS, já foi faz tempo.

Por  Fernanda Pompeu, do Yahoo

Os que são muito jovens talvez não se importem com a morte das coisas. Talvez experimentem lufadas de nostalgia com seus brinquedos de infância. E só. A garotada tem futuro – terra prometida das novidades. Eu pela lógica da idade tenho bem mais passado. Minha mochila vem carregada de objetos findos.

hoje entendo a saudade dos meus pais em relação aos bondes. Cheguei a andar neles na infância. Quando desapareceram achei natural. A rua ficava mais transitável para ônibus e carros. Agora compreendo que minha indiferença à morte dos bondes teve a ver com a falta da memória afetiva.

Foi diferente com o passamento do vinil. Nunca esquecerei meu primeiro compacto simples (pequeno disco com uma música no lado A, outra no B). No caso eram A Banda e Pedro Pedreiro, do Chico Buarque. Também lembro das infinitas fitas cassetes nos gravadores, portáteis ontem, gigantes hoje. Na época de estudante de jornalismo, eu carregava o gravador que pesava quilos, como a moçada leva o pendrive que pesa gramas.

As coisas ficaram menores, práticas, leves, móveis, acessíveis. Mas também elas envelhecerão. Nada mais datado do que uma novidade. Quando o DVD chegou destronando a fita de vídeo parecia que seria eterno. Quando a gravação digital derrubou as minifitas comprei um gravadorzinho digital. Agora ele está na gaveta dos objetos sem uso. Fotografo, gravo, vejo e ouço pelo celular. Depois dos smartphones, virão chips implantados na palma da mão?

Invenções não param! Saudades das coisas também não! É uma forma de condenação: alegria com objetos que chegam, tristeza com os que se vão. A locadora que fechará as portas transformará em afeto a memória de muita gente. Coisas são como datas. Insignificantes até que a emoção contamine. A data do meu nascimento, a da morte do meu pai. A do dia da tragédia em Mariana. A do dia que ganharemos na Mega-Sena.

Imagem: Régine Ferrandis

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