O paraíso são os outros – Por: Fernanda Pompeu

O imenso filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) é autor da frase: O inferno são os outros. Por motivos óbvios, o aforismo caiu no gosto popular. Primeiro, por que tudo que diz respeito aos outros nos dá alívio, pois tiramos das nossas costas responsabilidades. Segundo, pela razão de que se as coisas não vão bem, podemos pôr a culpa no vizinho, no governo, na colega.

Quando o sinal amarelo acende para mim, interpreto que devo acelerar. Quando amarela para o outro motorista, quero que ele pare. De modo geral, minhas necessidades soam mais necessárias do que as dos outros. Não sei por que isso acontece, mas sinto que é assim. Numa espécie de a vida como ela é.

Daí, fácil concluir que o inferno são os outros. Aqueles que atravancam meu livre trânsito. Questionam meu livre-arbítrio. Oram para um deus diferente do meu. Votam num candidato que eu detesto. Pessoas que parecem que nasceram para embaralhar meu jogo de cartas com o destino.

No entanto, essa percepção é tão somente uma meia verdade, ou uma meia mentira. Uma vez que nem eu, nem você, nem o outro seríamos capazes de viver sozinhos. Não carece ser versado em psicologia para saber que nós nos vemos pelo olhar do outro. Apenas compreendemos o que somos na relação com o outro. Seja ela amorosa, neutra, odiosa.

Somos seres relacionados e relacionantes. Basta voltar à literatura, lembrando de Robinson Crusoe, incendiado de solidão. Ou ao filme O Náufrago, no qual a personagem – sem nenhum semelhante à vista – se afeiçoa a uma bola de vôlei. Ou à adolescência de todos nós, quando nos desesperávamos na certeza de que ninguém dava a mínima para nossos dramas.

Fato é que precisamos do outro. Mesmo que ele seja chato, burro, ignorante às vezes. Precisamos do outro principalmente quando ele nos mostra – gentil ou duramente – nossos erros e descaminhos. Sem a avaliação dos outros, como saber se ando acertando? Uma postagem no Facebook sem nenhumacurtição é silêncio de sepulcro.

Por um segundo, tente imaginar o mundo sem outros. Seria algo parecido com o inferno. Torturante não ter com quem conversar, discordar. Alguém para aceitar ou afastar. Até os inimigos cumprem certo papel no nosso teatro. Sou o que sou pelo outro ser o que é. Vice-versa. Numa conflituosa, dinâmica, inevitável relação.

Fonte: Yahoo

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