O problema de Adriano mascara o racismo ao jogador negro

 

Por: Ricardo Riso

 
Adriano, o ótimo atacante do Flamengo, volta a ser o centro das atenções do noticiário sensacionalista que domina o país. Infelizmente, o que ele melhor sabe fazer, que é jogar futebol, fica em segundo plano em razão das atitudes tomadas pelo conturbado jogador. Entretanto, o massacre midiático, o julgamento e as rápidas definições para o problema de Adriano revelam os diversos preconceitos ocultos em nossa sociedade.
 
Adriano incomoda por ser um negro que contraria as estatísticas. Oriundo da favela Vila Cruzeiro, conseguiu vencer na vida e se tornou um jogador bem sucedido na sua profissão, com um salário estratosférico para os padrões nacionais, mas compatível com o mercado mundial da bola. Adriano, incomoda ainda, ou o melhor seria dizer que Adriano agride a sociedade ao não renegar as suas raízes, o seu passado, ao sempre lembrar que veio da favela e que jamais a abandonará. Ele procura preservar a sua identidade e se refugia nela quando o andamento dessa sua vida de jovem rico cria obstáculos.
 
Esse vínculo com o passado é discriminado pela sociedade que se quer branca, limpa e bem sucedida. Chega a ser tratado com hostilidade, pois não se pode aceitar que aquele negro condenado ao fracasso histórico e natural que todos nós, negros, sofremos, tenha atingido um patamar de vida invejado por muitos, possa continuar frequentando favelas e permanecer entre negros e pobres.
 
Com isso, a hipocrisia e o racismo à brasileira emergem com todas as suas garras das profundezas de uma sociedade que se idealiza branca. Logo, os julgamentos são postos e repetidos à exaustão. Adriano já foi chamado de alcoólatra, dependente de cocaína, envolvimento com o tráfico etc. Adriano já afirmou que tem problema com bebida, mas daí a ser chamado de alcoólatra há uma distância imensa, prova de total desrespeito com o indivíduo. O pior é que são acusações sem que nada tenha sido comprovado e citadas a todo instante, pois é exatamente isso que se espera de um negro. Para nós, negros, principalmente entre os poucos que conseguem aparecer com destaque na sociedade brasileira, exige-se uma conduta exemplar, puritana, sem desvios nem erros.
 
A imprensa, ávida por escândalos, fica impaciente e espera a primeira escorregada (muitas vezes sem checar se o caso realmente aconteceu, prática que tem se tornado comum em nossa digníssima imprensa) de um atleta negro para iniciar o apedrejamento que será acompanhado com voracidade pela sociedade. Aqui, temos um grave problema do mundo contemporâneo: a obsessão pela vida privada dos seus ídolos. Contudo, outro aspecto vem à tona: o mórbido prazer em acompanhar a destruição de um ídolo, com maior interesse se for um negro vindo da miséria. Trata-se de um interesse universal, apenas para citar alguns casos notórios, podemos recordar o artista plástico negro Jean-Michel Basquiat (o maior nome da arte americana nos anos 1980), o pugilista Mike Tyson, e aquele que vinha sendo apontado até o ano passado como o próximo fracassado, o nosso Ronaldinho Gaúcho. Mas este parece que irá contrariar as estatísticas novamente. Rapaz insistente.
 
Penso que cabe uma reflexão profunda a respeito da (de)formação de jogadores realizada nas categorias de base dos clubes brasileiros. Nossos jogadores chegam ao time profissional com um comportamento cada vez mais fútil, individualista, deslumbrado e imaturo. Cercados por empresários e dirigentes inescrupulosos que os vêm como mercadorias e perpetuam o tráfico negreiro em nosso país, pelas marias-chuteiras (negras são raras) que eles jamais poderiam possuir na condição de negros miseráveis e invisíveis, vemos jovens negros sendo entregues à própria sorte, desorientados e sem estrutura emocional para a mudança brusca de vida que, graças ao talento com a bola, os proporcionou tudo o que a Casa Grande os rejeitou. Os exemplos são vários, em diferentes níveis, são os Ronaldos, Robinhos, Joões, Silvas… o do momento chama-se Adriano. E todos pedem socorro.
 
 

 

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