O que faremos com nossas crianças com microcefalia?

A minha experiência como médica em relação à doença neurológica microcefalia é nula. Quando estudei medicina na Universidade Federal do Maranhão, (1973 a 1978) não vi nenhum caso. A microcefalia é doença neurológica rara, incurável, que incide em um em cada 40 mil recém-nascidos, e o comprometimento vai de brando a severo, dependendo de como e quanto o cérebro foi lesado – o que é visto por tomografia!

Por  Fátima Oliveira, do O Tempo 

O “tamanho” normal da cabeça de recém-nascido a termo é o Perímetro Cefálico (PC) entre 34 cm e 37 cm. A microcefalia é uma cabeça pequena com cérebro reduzido em bebê nascido a termo (“de tempo”), com PC igual ou menor que 33 cm – quanto menor o PC, mais lesões!

A microcefalia resulta de “insuficiência no desenvolvimento do crânio e do encéfalo”, gerando dois tipos de doença: microcefalia primária (anomalia genética) e a secundária – decorrente de várias causas: defeito no desenvolvimento embrionário causado por infecções maternas durante a gravidez (rubéola, toxoplasmose); exposição a radiações ionizantes nos primeiros meses de gestação; e “por uma fusão prematura dos ossos do crânio (craniossinostose), de causa desconhecida, relacionada com outros defeitos congênitos ou doenças ósseas como o raquitismo”.

Vi a primeira criança com microcefalia no pronto-socorro do Hospital das Clínicas da UFMG, onde trabalhei de 1996 a junho de 2014. Depois de ver várias crianças com microcefalia, a gente vai “endurecendo o couro”: não fica mais impactada, apenas compartilha o calvário da mãe que entrega sua vida aos cuidados específicos e especiais que a criança exige, depois de perder emprego e marido – que, em geral, não aguenta o tranco e some! O maior tributo da microcefalia é pago pelas mães.

Estou assustada, incomodada e preocupada com os números de bebês com microcefalia divulgados pelo Ministério da Saúde (MS), a maioria nascida em lugares onde o habitual é morrer à míngua, pois tenho quase certeza de que não receberão atenção digna, tanto médica quanto social, a não ser que o governo federal assuma a total responsabilidade deles, pois as famílias não darão conta, e as prefeituras lavarão as mãos!

Casos de microcefalia notificados no Brasil em 2010: 153; em 2011: 139; em 2012: 175; em 2013: 167; em 2014: 147; e, em 2015, até 21 de novembro, 739 casos “suspeitos” em 160 municípios de oito Estados do Nordeste e um do Centro-Oeste (Goiás)! Ocorreu um óbito no Rio Grande do Norte. Pernambuco tem o maior número: 487 casos, conforme notificou ao MS, em 27 de outubro, a infectologista pediátrica Maria Angela Rocha, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, de Recife.

O Maranhão não aparece nas duas notas do MS (17 e 24 de novembro). Em 16.11, o secretário de Estado da Saúde, o médico sanitarista Marcos Pacheco, descartou um surto da doença, porém, dez dias depois, comunicounotificação de dez casos (27.11.2015).

O MS acionou o Grupo Estratégico Interministerial de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional e está investigando os casos. Suspeita-se que a causa seja o zika vírus, transmitido pelo Aedes aegypti, que também causa dengue e chikungunya. A confirmar.

Há uma epidemia de zika em curso no Brasil desde o início de 2015, que havia atingido só a Polinésia Francesa e a Micronésia (Oceania). No dia 26 passado, a Polinésia Francesa declarou que, após a epidemia, ocorreram “casos de malformação cerebral e lesões cerebrais em fetos; e cinco crianças tiveram outros problemas, como dificuldade de engolir”.

O Brasil deve assumir integralmente as crianças com microcefalia e suas mães.

+ sobre o tema

Estudo indica que DSTs atingem mais os homens negros no Brasil

Fonte: Diário de Pernambuco - O total de homens negros...

Dennis de Oliveira: O plebiscito, os médicos e a contradição entre Casa Grande e Senzala

A presidenta Dilma Rousseff buscou retomar a iniciativa política...

Promotoras Legais Populares do Geledés recebem netos de Nelson Mandela em atividade de prevenção a AIDS

   Por: Nilza Iraci Fotos: Renato Oliveira As Promotoras Legais Populares do...

Irmãos albinos relembram momentos ao lado de fotógrafo Alexandre Severo

Amanda Miranda Kauan, hoje aos 10 anos, não se esquece...

para lembrar

Decotes e curvas também podem ser imagens de poder

Conheça as ideias de feministas negras que estão derrubando...

Conversas com o Espelho (Bruna de Paula)

Tenho a estranha mania de pensar o mundo a...

Érika Hilton: ‘Ameaças assustam, trato em terapia, mas não penso em recuar’

Há quase um ano, Érika Hilton (PSOL) exerce seu mandato na...

A mulher que livrou a si mesma e a centenas de pessoas do corredor da morte

Condenada à morte pelo assassinato de seu parceiro, a...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

Seminário promove debate sobre questões estruturais da população de rua em São Paulo, como moradia, trabalho e saúde

A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...
-+=