OCUPAÇÃO: Acadêmicos debatem racismo e referencial negro da sociedade brasileira

Com o objetivo de rever os conceitos estabelecidos pela sociedade em torno da população negra brasileira, estudantes da graduação e da pós-graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB) organizaram a I Ocupação Negra – Direito, Epistemologia e Raça da história das universidades federais do país. A proposta do encontro que acontece até 21 de maio, no Auditório Joaquim Nabuco, é questionar quem e como representa a população negra nos mais diversos meios. “Queremos construir nossa própria historia, o próprio referencial, valorizar nossa identidade”, disseram.

Por Daiane Souza, do Palmares 

A secretária de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Givânia Maria da Silva, elogiou a iniciativa enfatizando que o termo “ocupação”, está além do ato definido pelo verbo. “Somos 53% da população do país e ainda assim, somos invisíveis na sociedade. Aqui, ‘ocupar’ tem um papel de estabelecer pertencimento e de marcar a luta no enfrentamento ao racismo e na busca por possibilidades de desenvolvimento”, disse.

Estudantes do curso de Direito acompanham aos debates durante Ocupação
Estudantes do curso de Direito acompanham aos debates durante Ocupação

Sobre o evento, a presidente da Fundação Cultural Palmares, Cida Abreu, afirmou ser de extrema importância que debates como esses partam dos jovens em um ambiente acadêmico. “Em outros tempos, se nossas condições sociais fossem melhores, de repente tivéssemos educado melhor nossos filhos. Que bom que agora esses filhos trabalham nossas verdadeiras referências. É preciso sim interferir nos espaços da educação para que os nossos saibam exatamente quem fomos e quem somos”, enfatizou.

Questões de gênero – Atenta aos recortes comuns em outras instituições e espaços de debates, a estudante do sétimo semestre de Direito da UnB, Juliana Lopes, chamou a atenção ao fato de a mesa ser composta, em sua maioria por mulheres negras. “São um espelho, onde quero me ver refletida num futuro próximo”, disse, recordando as dificuldades enfrentadas pelas mulheres, especialmente as negras, em alcançar status e posições estratégicas no mercado de trabalho e nos setores do governo.

Ela ressaltou a necessidade de mais debates sobre as temáticas raciais e de gênero nos diversos meios sociais, porém, questionou a ausência do público não-negro ao evento. “É um espaço aberto ao diálogo, seria importante a participação de todos”, disse. De acordo com a estudante, todas pessoas deveriam se sentir tocadas para a importância da temática e contribuir para a reconstrução de uma história que é de toda a sociedade.

Injúria racial X racismo – O sociólogo e especialista em direitos humanos Ivair Augusto Alves dos Santos, falou que o maior problema do Brasil está na prática do racismo institucional de maneira velada. ” Para tudo agora é usado o termo ‘injúria racial’, aquele que é prescritível e afiançável. O país tem 92% dos casos de racismo enquadrados como sendo injúria”, afirmou.

Segundo ele, esta é uma forma de atenuar ou excluir a responsabilidade do autor sobre suas atitudes racistas. Santos alerta que é importante que a área de Direito esteja atenta às novas maneiras encontradas pelo percentual racista da sociedade abordar a questão. “Existem leis de combate ao racismo mas, o Estado trata como se injúria e racismo fossem a mesma coisa. As pessoas não cumprem suas penas devidas e o país continua racista”, completou.

Recordando as lutas de antepassados e contemporâneos, Santos ressaltou que a ocupação do meio acadêmico por estudantes negros marca um momento histórico. “Deve ser registrado como uma nova luta contra o racismo e ter continuidade. Este foi só o primeiro passo e vai depender de vocês que a população negra evolua na sua luta por direitos”, concluiu.


Racismo velado –
Ao final do primeiro dia do encontro da I Ocupação Negra da Faculdade de Direito da UnB, o professor negro Manoel Neres, da área de História da Universidade Católica de Brasília (UCB), passou por um constrangimento no estacionamento do prédio onde aconteceu o debate. Abordado por três policiais do campus, em uma viatura de polícia, foi intimado a explicar o que fazia sozinho tão perto dos carros.Na ausência de resposta imediata, foi mais uma vez indagado por um dos policiais se ele tinha um carro que justificasse sua presença no local. Uma amiga e funcionária da Fundação Palmares, a quem o professor aguardava respondeu de imediato: “Se para estar no estacionamento é requisito ter um carro, estamos no mesmo veículo, estacionado aqui”.Frustrado com a circunstância, Neres perguntou educadamente: “Caso eu estivesse sozinho, haveria algum problema?”. Sem respostas, os policiais fecharam os vidros da viatura e se retiraram. “Isso mostra como nossa sociedade ainda é despreparada para lidar com a questão racial. Nunca imaginei passar por esse tipo de situação dentro de uma universidade”, completou.

No mesmo estacionamento, haviam pelo menos cinco pessoas na mesma condição de Manoel Neres, aguardando ou conversando com alguém. Nenhuma, além dele e de sua amiga, era de pele negra. Nenhuma foi abordada!

Os debates do encontro seguem até o dia 21 de maio, no Auditório Joaquim Nabuco da Faculdade de Direito/UnB. Para participar, não é necessário inscrição.

Confira a programação:

20/05

19h – Painel 2 – Experiências Negras e Universidade

– Juliana Lopes
Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília. É membra do Programa de Educação Tutorial (PET) em Direito. É integrante dos coletivos negros Yalodês e Grupo de Estudos Afrocentrados (GEAC-UnB). Participou da Gestão do Centro Acadêmico de Direito da UnB (2013-2014).

– Ana Claudia Farranha
Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestrado em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. É professora adjunta da Faculdade de Direito – Universidade de Brasilia – FD/UnB, desenvolvendo atividades na área de Direito e Gestão Pública.

– Jaqueline Gomes de Jesus
Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília – UnB. Pós-doutora pela Escola Superior de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. Pesquisadora do Laboratório de Trabalho, Diversidade e Identidade – LTDI da UnB. Conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (gestão 2013-2016). Foi assessora técnica da Presidência da República (2011), atuou no Departamento de Saúde, Previdência e Benefícios do Ministério do Planejamento (2008-2010), ocupou o cargo de assessora de diversidade e apoio aos cotistas e coordenadora do Centro de Convivência Negra da UnB (2006-2008).

– Natália Maria Alves Machado
Antropóloga formada pela Universidade de Brasília. Articuladora Político-Social. Comunicadora Autônoma. Assessora de Projetos e Pesquisadora.

21/05

9h – Mesa-redonda sobre Ações Afirmativas para Negras e Negros na Pós-Graduação

– Bruna Cristina Jaquetto Pereira
Doutoranda em Sociologia pela UnB. Mestre em Sociologia pela UnB (2013). Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005). Experiência nas áreas de Ciência Política (ênfase em Política Internacional) e de Sociologia, com interesse pelos seguintes temas: relações raciais, relações de gênero, violência contra as mulheres, cuidado, trabalho não remunerado, políticas públicas, política externa brasileira, cooperação internacional, exploração sexual e pobreza. Coordena atualmente o Grupo de Estudos Mulheres Negras, vinculado ao NEPeM/UnB.

– Ronaldo Crispim Sena Barros
Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia – UFBA e mestrado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Atualmente é doutorando em Filosofia pela UNICAMP, professor assistente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Foi Pró-Reitor de Política Afirmativa e Assuntos Estudantis (PROPAAE – UFRB). É Editor da Griot – Revista de Filosofia. É Secretário de Política de Ações Afirmativas da Seppir.

– Gabriel Nascimento dos Santos
Graduado em Letras Inglês Português pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), na Bahia. Mestrando em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB). Foi Coordenador-geral do Centro Acadêmico de Letras Prof. Ruy Póvoas, da UESC durante duas gestões, e fundador do Grapiúba – o jornal dos alunos de Letras da UESC, além do Círculo de Estudos Linguísticos e Literários, ambos vinculados ao corpo docente e discente da UESC. Poeta, cronista, músico clarinetista e compositor de algumas peças musicais. Atualmente atua como Editor chefe da Revista Desempenho, a Revista dos discentes da Pós-graduação em Linguística Aplicada da UnB. É vice-presidente regional do Centro-Oeste da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).

21/05

19h – Enegrecer o Direito

– Josefina Serra
Advogada. Foi a primeira Secretária de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial do Distrito Federal. Conselheira da OAB/DF e Secretária da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão de Direitos Sociais da OAB/DF, além de participar da RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares. Iniciou sua militância na década de 80, no Movimento Negro Unificado – MNU.

– Felipe Freitas
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana – BA (GPCrim / UEFS), desenvolvendo pesquisa sobre segurança pública e política criminal. Foi presidente do Conselho de Juventude do estado da Bahia entre 2010 e 2011 e coordenou, entre 2013 e 2014, o Plano Juventude Viva – Plano Nacional de Prevenção a Violência contra Juventude Negra. Atualmente é assessor da Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR / PR) atuando como Secretário Executivo do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR / PR).

– Augusto Sérgio de São Bernardo
Doutorando do Programa de Doutorado Multidisciplinar e Multi institucional em Difusão do Conhecimento-UFBA, mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília/UNB, bacharel em Direito e advogado pela Universidade Católica do Salvador/UCSal, licenciado em Filosofia pela Universidade Católica do Salvador/UCSal, e especializado em Direitos Humanos pela Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS. Atualmente é Professor Assistente da Universidade do Estado da Bahia – UNEB / Departamento de Ciências Humanas Campus I, lecionando as disciplinas de Filosofia do Direito, Hermenêutica Jurídica e Direito do Consumidor, Coordenador executivo do Instituto Pedra de Raio – Justiça Cidadã. Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia, Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-Bahia e Conselheiro do Fundo Gestor de Proteção do Consumidor-Procon-Bahia. Atualmente exerce o cargo de Coordenador Executivo de Políticas de Igualdade Racial da SEPROMI-Bahia.

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