Os negros que a geração tombamento esqueceu

A geração tombamento, com suas tranças coloridas, black powers estonteantes e bailes de bater o koo, veio como uma marca dos negros empoderados e de fato teve esse papel da construção da identidade negra contemporânea, que inclusive, está ganhando cada vez mais espaço na grande mídia. No entanto, essa identidade que foi construída não abarca as diversas pluralidades culturais do negro. Foi criado um esteriótipo de negritude dentro da militância negra e como todo esteriótipo, isso não abrange todas as pessoas, muito pelo contrário, segrega.

Por Julia Masan Do Medium

Como trans e negra, eu tenho total consciência da importância do movimento negro na construção da minha autoestima e dos meus semelhantes. A falha da geração tombamento foi não incluir todos os negros nas suas mais diversas identidades e colocá-los como algo homogêneo e puramente estético. Essa acomodação num discurso simples, raso e objetivo, acomoda cada vez mais os indivíduos no senso comum, dando uma falsa sensação de liberdade e impressão que os mesmos, de alguma maneira, estão fazendo mudanças estruturais quando na verdade estão criando novos padrões comportamentais pautados em tênis de marca e batom azul.

Ser negro é constantemente ocupar espaços que dizem que não são nossos. A padronização comportamental pautada no tombamento nos afasta de ocuparmos outros espaços que são do nosso direito. O cinema é nosso, a sociologia, a arte e tantas outras áreas são nossas. Nós não somos só estética. Se os próprios negros não conseguem se identificar com isso é sinal de que tem algo muito errado.

A a criação de espaços seguros para negros é algo tão importante que nem deve ser questionado. O meu questionamento é para a criação do estereótipo do ser negro que foi criado. O problema está numa geração que acredita que ações isoladas, atreladas ao capital e não inclusivas a todos os negros e suas subjetividades são formas de política que, de alguma maneira, irão fazer alguma mudança estrutural. Política é feita com base na inclusão dos plurais dos indivíduos e isso também se aplica no caso da militância negra. Política é feita com estudo, não só com acomodação por ter “vivência” e muito menos só com a estética. A população negra é heterogênea, com diversos gêneros, orientações sexuais e bagagens culturais. Vivemos na era da hibridização cultural e somos diversos. Quando será que os negros do punk rock, do axé, da filosofia, das artes e de tantos outros nichos culturais beberão da água do empoderamento? Um empoderamento pautado em padronização não é empoderamento. É criação de senso comum que parte da premissa que devemos ocupar apenas aquele espaço e nada mais além disso. Nós já vivemos sob esse estigma por tempo demais. O que estamos vivenciando aqui, é a criação de outra corrente de aprisionamento de pensamento e de comportamento. Se existe um padrão comportamental, não existe uma política efetiva de mudança.

 

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