Pela primeira vez, alunas negras concorrem à gestão do Centro Acadêmico de Direito da UFF.

Em meio aos conflitos em relação à instabilidade do governo interino, que intenciona desmantelar mais ainda o Direito Público, pela primeira vez na história, alunas da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense se reúnem e criam uma chapa para concorrer à gestão do Centro Acadêmico Evaristo da Veiga – CAEV, da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Texto: Chapa Caifazes / Edição de Imagem: Pedro Borges, no Alma Preta 

Formada por 11 estudantes, a Chapa 1 Caifazes – Pelo Direito de Resistir, homenageia um dos maiores movimentos abolicionistas que já existiu no Brasil, que surgiu sob a liderança do jurista negro: Luiz Gama. É também a primeira vez que uma chapa é formada apenas por mulheres e com a maioria (8) de negras.

A demanda por autonomia impulsionou a iniciativa do grupo, pois todas não estavam satisfeitas com as últimas eleições, quando houve candidatura de chapa única.  Apesar dos esforços da gestão atual do Centro Acadêmico, que é progressista dentro das suas propostas e atuação, e apesar de respeitarmos muito toda sua história de luta neste espaço, acreditamos que há um esgotamento que exige uma nova composição.

Preocupamo-nos muito, pois a gestão de oposição propõe, entre outras coisas, a instalação de catracas na entrada da universidade. Somos contra isso. A gestão atual brigou para que isso não acontecesse e conseguiu vencer. O prédio da faculdade é rodeada por uma favela e os moradores já não entram ali. Um dos nossos focos, então, é criar uma comunicação com a comunidade em volta, e não alijá-la ainda mais.

Entendendo o quanto o patriarcado e o racismo incidem na sociedade brasileira e consequentemente nas instituições de ensino, resolvemos disputar as eleições do Centro Acadêmico com o anseio de transformar as narrativas que se constroem dentro da Faculdade de Direito. O Racismo, sempre dinâmico e se apresentando em variadas facetas, como o racismo epistêmico, ideológico, estrutural e institucional, compõe a nossa instituição, bem como o patriarcado, que se apresenta principalmente na sexualização e na infantilização da intelectualidade das mulheres.

Chegou a hora de por um basta. É tempo de praticar a igualdade de Direitos e de propor à Faculdade de Direito um diálogo transformador a partir da estruturação de práticas discriminatórias. E isso só pode ser feito junto a um Centro Acadêmico e a alunos representativos. Sem amarras partidárias, sem vícios de um movimento estudantil superficial e ultrapassado. Que se experimente uma gestão feita por pessoas que não são da parcela privilegiada da sociedade e que assim se “saia do lugar comum”. Para isso, é preciso mentes que pensem a partir desses outros lugares e que essas pessoas ocupem o CAEV.

O público feminino é majoritário no curso de Direito, mas nosso currículo e professores continuam sendo basicamente masculinos e brancos, claro. Enquanto mulheres, que em maioria somos negras, temos a nitidez de que o epistemicídio negro, LGBT e feminino é presente, assim como nossa história e nossas produções acadêmicas são apagadas e descredibilizadas. Além da falta de representatividade, não há pesquisas na área e nem há disciplinas obrigatórias que proponham reflexões que são urgentes. O curso de Direito da UFF tem parte dos melhores professores e pesquisadores da área no Brasil, mas isso não se reflete nos nossos currículos. Por que será?

O ordenamento jurídico afeta as relações sociais e influencia a vida das populações politicamente minoritárias, no entanto, o recorte racial e de gênero não é feito em sala de aula e assuntos como a redução da maioridade penal, a PEC das domésticas e a terceirização não são pautas durante o curso, mesmo que sejam temas que nos atinjam diretamente. Sendo assim, queremos um CA mais representativo e participativo, que pense a faculdade com o novo perfil de estudantes.

A maioria de nós atua em movimentos sociais e verificamos que, para além das universidades, o movimento estudantil mantém hábitos tradicionais, pois estava acostumado a lidar com outro público. Ou seja, não está preparado para o ingresso desses e dessas estudantes. Estamos prontas e contamos com suporte de pessoas experientes para nos ajudar a entender e melhorar a Faculdade de Direito da UFF.

Temos a responsabilidade de buscar intervir no espaço que aqueles que nos antecederam abriram caminho. Desejamos tornar a Faculdade de Direito um ambiente mais acolhedor e confortável, que abrace todos os alunos na sua diversidade.

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