Plano de aula – Respeitar diferenças

Enviado por / FonteNova Escola

Para afastar o fantasma do preconceito e formar jovens mais tolerantes devemos respeitar diferenças

Muitos professores que trabalham em escolas públicas de periferia comentam que as turmas, com o passar dos anos, vão “clareando”. Grosseira, a expressão indica que há menos alunos negros na 7ª e 8ª séries do que na 1ª. A cruel constatação, no entanto, não significa o reconhecimento de que existe preconceito na escola. Pesquisa realizada pela professora Irene Sales de Souza, da Universidade Estadual Paulista, em Franca, mostrou que 83% dos 200 entrevistados negaram já ter presenciado situações de discriminação no ambiente escolar, apesar de todos serem unânimes em afirmar que existe racismo no Brasil! Por isso, está mais do que na hora de abordar essa difícil questão em sala de aula e evitar que mais crianças (sobretudo da raça negra) desistam de estudar. “A discriminação afeta a auto-estima do estudante. Isso se reflete no aprendizado e é uma das causas da evasão”, confirma a pesquisadora Ana Maria de Niemeyer, professora do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas.

Lutar contra o preconceito é uma decisão que precisa ser encampada pela coletividade, não é uma responsabilidade só de quem é discriminado. “Se a construção da auto-imagem do jovem em nosso país prevê que o negro se sinta submisso e o branco, superior, sempre haverá problemas para a sociedade como um todo”, analisa a consultora educacional Isabel Santos, do Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdades, o Ceert. Para combater essa triste realidade, a instituição está promovendo o prêmio Educar para a Igualdade Racial, que valoriza iniciativas criativas, desenvolvidas dentro da escola, com o objetivo de promover a pluralidade cultural e acabar com o racismo (confira o regulamento no site www.ceert.org.br).

Pluralidade Cultural

Tema: Aceitação da diversidade

Objetivo: Conhecer as várias etnias e culturas, valorizá-las e respeitá-las. Repudiar a discriminação baseada em diferenças de raça, religião,classe social, nacionalidade e sexo. Reconhecer as qualidades da própria cultura, exigir respeito para si e para os outros

Como chegar lá: Procure em sua disciplina elementos que propiciem o desenvolvimento de atividades ligadas ao tema. Fique atento ao que acontece na sala de aula, na escola e na comunidade e que se caracterize como estereótipo, discriminação ou preconceito. Identifique outros elementos na mídia. Os dois caminhos facilitam a discussão em classe

Dica: Todos nós temos uma históriade vida, com características pessoais e crenças arraigadas. Analise-se e verifique se suas posições têm por base a justiça e a ética. Não tenha medo de trocar idéias com os colegas, pois o tema é delicado mesmo

Ações que valorizem as diferentes etnias e culturas devem, sim, fazer parte do dia-a-dia de todos os colégios. Mas isso não é tudo. É preciso que os alunos aprendam a repudiar todo e qualquer tipo de discriminação, seja ela baseada em diferenças de cultura, raça, classe social, nacionalidade, idade ou preferência sexual, entre outras tantas. “A Pluralidade Cultural é uma área do conhecimento”, lembra Conceição Aparecida de Jesus, uma das autoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 5ª a 8ª série, que têm um capítulo inteiro dedicado ao tema. Pedagoga e consultora, ela ensina a incluir o tema no planejamento. “Cultive o hábito de ouvir as pessoas e desenvolva projetos pedagógicos com propostas que tenham por base questões presentes no cotidiano das relações sociais.” Quem adota essa prática com estudantes que sofrem com o preconceito garante: a agitação da turma diminui, todos se aproximam do professor e os mecanismos de ensino e aprendizagem são facilitados.

Nesta reportagem, você vai conhecer o que quatro escolas vêm fazendo para valorizar a Pluralidade Cultural: na periferia de São Paulo, jovens de 5ª a 8ª série de dois colégios localizados bem perto um do outro estão aprendendo a se conhecer melhor e descobrindo que o preconceito faz parte da vida de todos; numa escola comunitária de Salvador, cujos alunos são em sua maioria negros, a questão racial perpassa todo o currículo, da pré-escola à 4ª série; em Campo Grande, uma instituição particular leva as crianças de Educação Infantil e da 1ª série a conhecer a realidade de índios e estrangeiros, como os muitos paraguaios que moram na cidade.

Conhecer a si mesmo

Para estudar as facetas da discriminação racial na escola, a antropóloga Ana Maria de Niemeyer tocou, de novembro 1997 a dezembro de 2001, um projeto de pesquisa que envolveu dez educadores de duas escolas paulistanas, separadas por poucos quarteirões, em que negros e mestiços são a maioria da clientela. Orientados por Ana, os professores aplicaram diversas técnicas em sala de aula. Uma delas, oferecida como atividade extra-curricular, era a oficina de vídeo. “Os jovens escreviam o roteiro e trabalhavam como atores, produtores e câmeras”, conta Maria José Santos Silva, coordenadora do trabalho. Um dos vídeos produzidos mostra a história de um menino branco que não deixa o colega negro participar de uma partida de futebol. Exibida para toda a comunidade, a fita serviu de mote para discussões.

No decorrer do projeto foram surgindo pistas sobre como o problema da discriminação era visto. “É consenso, na comunidade, que o negro só é aceito por seu esforço individual, nunca por ação do grupo”, enfatiza Ana. Redações escritas por estudantes de 6ª série indicaram problemas com a auto-imagem. “Um deles terminou uma história dizendo que o personagem, negro como o próprio aluno, fez uma plástica para ficar branco.”

Márcia Lucas leciona Língua Portuguesa na Escola Estadual Doutor Francisco Brasiliense Fusco, que fica no pedaço mais pobre da rua, bem perto de uma favela. Disposta a provocar uma reflexão sobre a condição de vida da garotada e melhorar a auto-estima ela propôs a produção de auto-retratos. “No começo, eu só recebia desenhos com tons bens claros”, recorda a professora. Questionados, os meninos e meninas diziam que não gostavam da própria cor. “Eu os elogiava e destacava a ação de personalidades negras no cenário mundial.”

No ano passado, além do auto-retrato, ela pediu que os estudantes de 8a série escrevessem uma auto-descrição, com características físicas e psicológicas. Os textos foram embaralhados e redistribuídos. “Na dinâmica, cada jovem tinha de ler a redação em voz alta e descobrir a quem ela se referia”, explica Márcia. Nem sempre a aparência descrita era fiel à realidade. “Alguns negros se definiam como morenos, o que rendia uma repreensão dos colegas.” Márcia, que se definiu como negra para a turma, mediava os debates. “Dias depois, ao refazer a tarefa, vários alunos assumiram sua cor”, comemora.

Na vizinha Escola Municipal de Ensino Fundamental Ministro Synésio Rocha, que fica mais longe da favela e, por isso, é considerada melhor que a Francisco Brasiliense Fusco, o professor de Geografia André Semensato ampliou o espectro original do projeto. “Depois de estudar com a turma de 6ª série a formação do povo brasileiro, resolvi discutir outros tipos de segregação, além da racial”, relata. No ano seguinte, o livro 12 Faces do Preconceito, de Jaime Pinsky, serviu de inspiração para o trabalho com a garotada, já na 7ª série. “Após observar a charge que abria cada capítulo da publicação, eles pesquisaram, na biblioteca e na internet, os temas que mais lhes interessavam”, afirma Semensato, que fez tudo em dupla com a responsável pela sala de informática, Ana Pens. “No final, a garotada transformou a pesquisa em um arquivo de PowerPoint, para apresentar ao resto da escola”, relata a professora. A discriminação contra judeus, mulheres, idosos, jovens e homossexuais foi discutida em classe. “Todos passaram a se policiar e a toda hora questionavam se determinada atitude era preconceituosa ou não”, festeja Semensato. “Foi importante eles perceberem que, apesar de ser vítimas de racismo, muitos discriminavam os homossexuais”, completa a coordenadora Maria José.

Os povos da cidade

A Pluralidade Cultural é conteúdo importante do currículo da Escola Gappe, em Campo Grande. “Ao entrar em contato com a diversidade, os estudantes aprendem a respeitá-la”, justifica Stael Gutierrez, coordenadora de Educação Infantil e 1a série. Por isso, um dos objetivos é fazer com que os alunos conheçam índios e imigrantes que habitam a cidade. Dentro desse espírito, a professora Élida Souza desenvolveu com a classe de 4 anos o projeto Crianças de Todo o Mundo. “Trouxemos vários estrangeiros para mostrar um pouco da cultura de seus países.”

Gente que nasceu na Escócia, na França, no Japão e no Paraguai foi até a sala de aula. Elina Souza, assessora de Língua Portuguesa da Gappe, integra a grande colônia paraguaia na capital sul-matogrossense. “Esse povo exerce enorme influência na nossa cultura”, enfatiza Stael. Como todos os outros visitantes, ela levou roupas e objetos típicos para mostrar às crianças, fotos de locais turísticos e a receita de um prato, que foi preparado e saboreado e ensinou uma música e uma dança.

Na 1ª série, a professora Adriana Godoy estabeleceu um paralelo entre a vida das crianças de antigamente e de hoje e entre as que residem em Campo Grande e em outras localidades. “Perguntei aos pequenos se os índios que moram aqui na cidade têm os mesmos costumes que eles.” A resposta devia vir na forma de desenhos que mostrassem as hipóteses da turma sobre como é a casa, a alimentação, os brinquedos. A maioria acreditava que os índios viviam de tanga, tomavam banho no rio e se alimentavam de peixes. O próximo passo foi ir até uma aldeia terena. “Quando viram que eles vão à escola, onde têm acesso a computador, e gostam dos mesmos desenhos animados e dos mesmos doces, meus aluninhos ficaram muito surpresos”, lembra Adriana.

Ela teve o cuidado de explicar que nem todos os índios são como esses terena, que deixaram a zona rural em busca de trabalho na cidade. Os mais velhos permanecem no campo. Foi fácil compreender a lição já que todos estão acostumadas a vê-los no mercado e na feira vendendo produtos agrícolas e artesanato. De volta à sala de aula, hora de revisar as hipóteses iniciais e chegar a novas conclusões. “Eles compreenderam as condições de vida daquele povo e, como resultado, passaram a respeitar as diferenças”, afirma Adriana. Para a consultora Conceição, a experiência é positiva, pois “ajuda a diminuir o preconceito contra os índios, muitas vezes vistos como preguiçosos.”

Comunidade envolvida

O objetivo da Escola Comunitária Luiza Mahin, que oferece classes da pré-escola até a 4ª série em Salvador, é levar as crianças a construir uma boa imagem de si mesmas e a resgatar a influência da cultura africana na construção da identidade brasileira uma proposta pedagógica condizente com a realidade da clientela, majoritariamente negra. “Alguns chegam aqui se dizendo brancos, mas logo percebem que, na verdade, não o são”, afirma a coordenadora pedagógica Jamira Munir. Essa descoberta se dá, por exemplo, durante a produção da árvore genealógica de cada aluno. “No início dessa tarefa, pergunto quem é negro e poucos alunos levantam a mão”, afirma Diva de Souza, professora da 4ª série.

Durante o trabalho, ela mostra que é preciso levar em consideração outras características além da cor da pele. “Falo do cabelo crespo, dos lábios grossos e do nariz achatado e eles começam a se enxergar como negros.” Paralelamente à conscientização, Diva eleva a auto-estima da turma, citando artistas, políticos e líderes comunitários afro-descendentes. “No final, quando pergunto quem é negro quase todos erguem o braço.”

Os conteúdos das diversas disciplinas estão sempre relacionados à questão da negritude. Em Matemática, Sônia Dias, da 1a série, e Aucélia da Cruz, da 2ª, criaram uma pesquisa de campo. Os estudantes perguntam a cinqüenta moradores vizinhos da escola se eles se consideram negros. Em classe, a garotada monta gráficos com as respostas separadas homens, mulheres, adolescentes. Segundo Aucélia, a pesquisa mostra que a maioria das pessoas do bairro assume sua cor. As professoras incluem também aspectos socioeconômicos no trabalho. “Chamamos a atenção para o fato de que, mesmo durante o dia, havia muitos adultos em casa. Isso significa que eles não têm emprego”, conclui Sônia.

A consultora Conceição garante que atividades como essas, cada vez mais comuns em escolas de todo o país, logo estarão fazendo toda a diferença. “Os alunos vão passar a cobrar de todos os professores uma posição firme contra os preconceitos e a favor do respeito às diferenças. Isso ainda vai se transformar numa boa epidemia.”

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