Por que o machismo mata mais as negras

Enquanto as taxas de homicídios entre as brancas diminuem, as de mulheres e meninas negras tiveram uma alta de 19,5% em dez anos; Djamila Ribeiro explica por que

por Andrea Dip, do A Pública 

O “Mapa da Violência 2015 – Homicídios de mulheres no Brasil” mostra um assustador incremento nas taxas de homicídios de mulheres negras. Nas periferias, a desconfiança da rede de proteção e da polícia é grande e muitas vezes dificulta o atendimento das mulheres em situação de violência, como mostra a reportagem “A fogueira está armada pra nós”. Para refletir sobre isso, a Pública entrevistou a feminista Djamila Ribeiro, mestre em Filosofia Política.

O Mapa da Violência de 2015 mostra que entre 2003 e 2013 as taxas de homicídio de brancas caíram de 3,6 para 3,2 por 100 mil – queda de 11,9% –, enquanto as taxas entre as mulheres e meninas negras cresceram de 4,5 para 5,4 por 100 mil, aumento de 19,5%. Com isso, a porcentagem de vítimas negras, que era de 22,9% em 2003, cresce para 66,7% em 2013. O que esses dados estão nos dizendo?

Os dados evidenciam que as políticas públicas de combate à violência contra a mulher não estão atingindo as mulheres negras, ou seja, não se está pensando na realidade dessas mulheres, que são maioria no Brasil, na hora de criar [essas políticas]. Isso aponta para o que as feministas negras vem dizendo há décadas: não se pode universalizar a categoria mulher, mulheres são diversas, e as mulheres negras, por conta do machismo e racismo, acabam ficando num lugar de maior vulnerabilidade social. Um outro problema é que o próprio movimento feminista parece ainda não ter entendido que as questões das mulheres negras não podem mais ser tratadas como apêndices, precisam ser centrais. É preciso romper com essa tentação de universalidade que exclui.

A rede de proteção está falhando mais com as mulheres negras?

É necessário racializar as políticas de gênero. A mulher negra vem sendo violentada desde o período colonial, estupros foram cometidos sob a égide da miscigenação. Criaram-se os estereótipos da mulher negra como a “boa de cama”, “quente”. Essas violências, que também são confinadores sociais, desumanizam essa mulher.

Você acha que as mulheres moradoras de periferias confiam na polícia e no Estado para fazer essa proteção? Pergunto isso porque essa é uma fala recorrente das meninas e mulheres com quem conversamos nos bairros pobres de São Paulo: de que o Estado e a polícia estão na periferia não para proteger, mas para incriminar. Como você enxerga esse cenário?

Sim, muitas mulheres negras periféricas não confiam na polícia e no sistema judiciário, até porque esse braço do Estado vem exterminando seus filhos, companheiros. Dos jovens de 15 a 29 anos que são assassinados no Brasil, 77% são negros. Mulheres periféricas convivem diariamente com essa realidade violenta. E o sistema judiciário, do modo como está posto, não é uma questão de justiça, e sim de poder. Muitas sequer tem condições de acessá-lo. Isso não quer dizer que as leis criadas, como a Maria da Penha e a do feminicídio, não são importantes. Isso quer dizer que esse sistema tem limites, acaba atingindo as mulheres que possuem privilégios sociais, haja vista que diminuiu em 10% o número de assassinatos de mulheres brancas.

E sobre a prevenção da violência contra a mulher? Acredita que a gente tem hoje políticas públicas de prevenção ou elas são mais voltadas à punição?

É preciso pensar em políticas de prevenção, a gente continuar lutando por uma educação não sexista nas escolas, o que pode, a longo prazo, promover uma transformação de mentalidade. Em alguns estados, há programas voltados para homens agressores, o que considero positivo.

Por que as mulheres continuam morrendo no Brasil?

As mulheres continuam morrendo no Brasil porque as violências muitas vezes são naturalizadas; muitas realidades, como a das mulheres negras, por exemplo, sequer foram nomeadas ou foram tardiamente. E não se resolve um problema que sequer é nomeado. E eram nomeados pelas mulheres negras, mas essas mulheres demoraram a ser vistas como sujeitos políticos. O machismo e o racismo estruturam todas as relações sociais, e é preciso existir um debate maduro em relação a isso. Tanto machismo como racismo são institucionais, e por isso ainda encontramos muita dificuldade para combatê-los.

+ sobre o tema

Ato das trepadeiras contra mais um femicídio na MPB

Não é um problema do RAP, não é um...

Para Mulheres Negras, a quem o estupro diz respeito, raça precedeu questões de gênero – Por Maria Rita

Estupro é sempre CRIME Apesar das mudanças legislativas, da implementação...

Aluna é punida após denunciar estupro em universidade nos EUA

Antes que pudesse se mudar para um dormitório na...

Fé, menina. De homem pra homem.

30 homens estupraram uma menina. 30! e sabe o que mais? eles...

para lembrar

1,5 milhão de mulheres negras são vítimas de violência doméstica no Brasil

Elas representam 60% das 2,4 mi de agredidas. Reportagem...

A primeira juíza mulher da NBA e sua história de resistência

“Eu sabia que todo mundo estava esperando que eu...

É Tempo de Anastácia!

Quantas de nós, mulheres negras, ainda somos silenciadas nos...

Maria Júlia Coutinho será a primeira mulher negra a apresentar o Jornal Nacional

Jornalista entra para o rodízio de apresentadores do noticiários...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...
-+=