Por uma comunicação negra e feminista

A comunicação é a condição através da qual a humanidade se desenvolveu culturalmente ao longo do tempo, sendo assim, todas e todos têm e exercem a capacidade de se comunicar e produzir cultura, sobretudo em seus locais de vivência. Entretanto, desde que este fenômeno social se estruturou em uma indústria, ou seja “nos veículos de comunicação”, o que menos se têm feito é potencializar esta capacidade inata do ser humano.

Por Bruna Rocha e Beatriz Vieira

Por muito tempo, muitas organizações progressistas negligenciaram o papel dos meios de comunicação nos processos sociais, enquanto isso, este modelo capitalista, patriarcal, classista e racista produziu e continua produzindo efeitos devastadores, sobretudo em  países onde, historicamente, a população não teve acesso à educação de qualidade e vive em situação de desigualdade, como é o caso do Brasil, onde exerce uma influência desmedida.

Nossa questão aqui é: qual o lugar das mulheres negras neste cenário comunicacional? Pois, este lugar, ou este “não-lugar”, nos coloca defronte uma série interminável de problemas.

Podemos começar pelo que chamamos de “não-lugar”: a subrepresentação das mulheres negras na produção de informação nos meios de comunicação tradicionais. Quantas repórteres, editoras, cineastas, roteiristas ou fotógrafas negras você já viu na mídia tradicional? Aqui, o racismo patriarcal opera na segregação destas mulheres às oportunidades profissionais e criativas dos meios hegemônicos de comunicação, ou seja, nos meios massivos.

Isto sem falar de que a maioria das mulheres negras, por se encontrarem em situação de profunda vulnerabilidade social, não têm sequer a oportunidade de produzir qualquer coisa que seja. Precisam trabalhar para sustentar suas famílias e para sobreviver no cruel mercado de trabalho capitalista, sempre nas atribuições mais precarizadas.

A ausência destas mulheres na produção de conteúdo e as dificuldades daquelas que conseguem produzir, mas não conseguem distribuir suas produções, talvez nos ajude a refletir sobre o lugar que outras mulheres negras ocupam nestes meios: o corpo erotizado e esvaziado de toda e qualquer autonomia que as coloque enquanto sujeito ativo de sua própria identidade no espaço midiático.

Sendo mulher, a objetificação histórica colocada para nós pelo patriarcado já nos subjuga em nossa capacidade política e social de intervir na sociedade. O racismo intensifica ainda mais esta opressão, uma vez que em países escravocratas como o Brasil, o consumo do corpo das mulheres negras pelos senhores foi transportado para o consumo de nossos corpos através dos meios de comunicação.

A violência midiática não é muito diferente da violência escravagista, ao contrário, ela opera ideologicamente a sustentabilidade e manutenção desta violência na vida material. A representação das mulheres negras enquanto corpos erotizados para o consumo sexual, seja através da música, das novelas, do cinema ou da publicidade têm, absolutamente tudo a ver com as agressões, estupros e assassinatos aos quais estamos expostas, todos os dias de nossas vidas.
Isto sem falar nos padrões de beleza e comportamento impostos como referências para as mulheres, os quais deterioram, minuciosamente, a nossa identidade racial e nossa auto-estima.

O imaginário produzido pelos meios hegemônicos de comunicação, reafirma, cotidianamente, o lugar que a sociedade machista e patriarcal nos relegou durante séculos: o serviço precarizado, a exploração sexual, o isolamento político.

Por entendermos exatamente a capacidade destes meios, é que não podemos abrir mão de disputá-los, não nos moldes em que estão colocados, mas na construção de outras alternativas comunicacionais.

O empoderamento das mulheres negras a partir das ferramentas de comunicação (e o cenário contemporâneo é muito mais apropriado para isso a partir da internet e das mídias digitais) é uma estratégia importante que deve ser priorizada pelos movimentos feministas e está cada vez mais no centro da ação da Marcha Mundial das Mulheres.

Nós precisamos nos comunicar, produzir e consumir o que nós mesmas produzimos, para que nos reconheçamos, para que outras companheiras se estimulem e para que cada vez mais conheçamos as nossas potencialidades. Pensar uma comunicação negra e feminista por si só, já é conceber uma perspectiva revolucionária: uma comunicação horizontal, plural e contra-hegemônica.

*Bruna Rocha e Beatriz Vieira são militantes da Marcha Mundial das Mulheres na Bahia e integram o coletivo de comunicadoras

Fonte:Marcha Mulheres

+ sobre o tema

Eventos promovem feminismo negro com rodas de samba e de conversa

"Empoderadas do Samba" ocupa espaço ainda prioritariamente masculino e...

Dandara: ficção ou realidade?

Vira e mexe, reacende a polêmica sobre a existência...

Michelle Obama está farta de ser chamada “mulher revoltada de raça negra”

“Uma mulher revoltada de raça negra”. Michelle Obama está...

A banalização da vida diante da cultura do abandono e da morte

O ano de 2017 expondo as vísceras da cultura...

para lembrar

Com protagonismo de mulheres negras, Festival Latinidades chega pela primeira vez a São Paulo

Programação do evento tem como objetivo dar visibilidade para...

O Limite do Ser

O limite de cada um é relativo. Por Isabel Fillardis Do...

Toni Morrison. A literatura negra americana ficou órfã de mãe

A primeira mulher negra a conquistar o Nobel da...

Negras Empoderadas: mulheres bem-sucedidas criam grupo para combater discriminação

Iniciativa da empresária dos Racionais MCs e da consulesa...
spot_imgspot_img

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...

Uma mulher negra pode desistir?

Quando recebi o convite para escrever esta coluna em alusão ao Dia Internacional da Mulher, me veio à mente a série de reportagens "Eu Desisto",...

Da’Vine Joy Randolph vence o Oscar de Melhor atriz coadjuvante

Uma das favoritas da noite do 96º Oscar, Da'Vine Joy Randolph se sagrou a Melhor atriz coadjuvante da principal premiação norte-americana do cinema. Destaque...
-+=