Precisava isso? – Por Hamilton Borges Walê

Por Hamilton Borges Walê*
data: 05/08/2009
fonte: lista discriminacaoracial

Semanas passam e nós da Campanha Reaja, para além dos currículos forjados em nossa tragédia, articulamos  e preparamos um Encontro Nacional sobre Segurança Pública, aqui no chão da fábrica. 

Na verdade, esse será um encontro de vitimas e familiares de vitimas da violência estatal. Moradores de comunidades racialmente apartadas, estigmatizadas, controladas violentamente pelo Estado, com a gerência de capachos articulados em governos corruptos que têm no controle penal fonte inesgotável de recurso, e recurso primoroso de silenciamento e eliminação. Esse Iº Encontro Pela Vida e por Outra Segurança Pública (ENPOSP) é um encontro para articular a resistência negra, indígena e popular.

Uma afronta para os governos tiranos que convocaram seus asseclas para uma conferência legitimadora do genocídio em curso.

Afronta maior é que nós apresentamos uma pauta ao país, sem o consentimento dos donos dos Direitos Humanos baseados na USP,Unicamp,UERJ,UFMG,UFBA ou Ford Foundations com seus recursos para pesquisas que não alteram nada,  os que   nos percebem  apenas como números, nós que somos carne e sangue derramados em território nacional. “Olha, fulano disse que vocês podem, gostou de vocês”, querem nos autorizar a autodefesa, os intelectuais de gabinete.

Semanas difíceis de mobilização e organização de um outro debate “fora da Zona de controle” e num ambiente geral  despregado da tela do computador, ali flutua essa nova militância que  tem opinião pra tudo,  na confortável teia de relacionamentos virtuais, na glamorosa web.

Mas nós não precisamos de autorização para falarmos com nossa própria vóz, já dissemos, mas os “aliados” duvidam, pois o eurocentrismo de sua interpretação da realidade brasileira não comporta nossa contribuição.Nossa presença é um nó no racismo que se revela cada vez que gritamos “por nós, é nós , viva nós”.  

Mobilizamos  pescadores e marisqueiras, a juventude das Pastorais do Brasil, as parceiras e parceiros dos Juízes para a  Democracia, as guerreiras e guerreiros Sem Teto, familiares de presos, institutos sérios de pesquisa que resulte em algo, os moradores/moradoras de favelas, o povo do Espírito Santo, Paraná, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Goiânia e Rio Grande do Sul. O Enposp se espalhou pelo Brasil. A pauta é nossa!

Uma semana de tumulto como todas


Ainda na Semana passada me deparei com MV Bill, no Faustão, como um sacerdote da Cultura, apontando as benfeitorias das tropas de ocupação do Haiti – uma dor profunda, uma angústia e uma  grande frustração. Bill não é bobo, faz o quê benzendo os canhões que levam desgraça a um povo irmão? É a integração racial regurgitando.

Ainda na Semana passada um policial civil foi morto por uma guarnição da policia militar no centro histórico de Salvador.

Em sua costumeira abordagem, a guarnição truculenta da PM se recusou a ouvir a apresentação do seu colega que dizia “eu sou da casa”.  Quando foi apresentar sua identificação foi surpreendido por três disparos de metralhadora e morreu dizendo  “precisava isso?”.

Rapidamente policiais civis pararam o trânsito, na Praça da Piedade, onde funciona o prédio da SSP em que despacha o Delegado Chefe, colocaram barricadas com viaturas, giroflex ligado, e impediram por pelo menos 3 horas o trânsito no local.

Quando fizemos isso, pelos mesmos motivos, fomos ameaçados, criminalizados e quase banidos da política se não fosse o editorial do Jornal Irohin.  Quando gritamos a todo país que os métodos da polícia são fascista e têm levado o povo preto e pobre às covas da cidade.

Somos tidos como arruaceiros, mas o policial civil, em seu martírio inesperado, nos deixou a conclusão inquestionável de que os autos de resistência são forjados, que os assassinos colhem as cápsulas, jogam os corpos nas malas depois dos crimes  e que a Corregedoria é cúmplice dessas ações. Assim como o comandante em chefe. 

Por tudo isso, está clara a responsabilidade do Estado nas mortes dos garotos de Canabrava. Há um mês da matança só conversa, promessas e descaso.  Famílias sem amparo seguem com as seqüelas de um modelo racista de segurança que mantém a tortura como método de investigação e a vingança como saneamento racial. Lembram da Operação Saneamento I e II comandada por Cezar Nunes?

O Sindipoc – Sindicato da Policia Civil da Bahia, tem em seu presidente um porta-voz digno de Salazar, ele freqüenta com assiduidade um programa policial retirado do ar pelo Ministério Publico, em razão de ação da Presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra/CDCN, Vilma Reis. O programa continua apresentando corpos abatidos, apologia à brutalidade da polícia, julgamento sumário pelas telas da TV, numa demonstração de desgoverno do Estado, de fraqueza do Ministério Público quando a vítima somos nós. Mesmo proibido, ele se exibe e exibe o presidente do Sindipoc dizendo que a cada policial morto dez bandidos vão morrer, tudo ao vivo, na cara dos direitos humanos e das instituições que deveriam zelar por esses direitos.

No faroeste em que vivemos tem gente que acha que pode fazer parceria com o Sindipoc.  Então fica longe de nós! Porque nós somos Reaja e estamos rumo ao I Encontro Popular pela Vida e outra Segurança (14 a 16 de agosto, em Salvador).

*Associação de Familiares e Amigos de Presos e Presas do Estado da Bahia
Campanha Reaja ou Será Mort@

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