Presença, sim! Presente, não!

Estou preparada para dormir, não tão cedo como dormem os idosos. Tenho 90 anos e 7 meses, mas minha filha joga fora os 90. Ela é de Iyemanjá. Como sua essência é de mãe, ela me cobre. Agora sou um bebê de 7 meses. Para que o pacote fique completo, minha filha/mãe começa a contar uma “estorinha”:

por Maria Stella de Azevedo Santos, no A Tarde 

“Era uma vez uma senhora encantada e encantadora que se tornou conhecida como ‘A Grande Mãe’. Em seu colo, as crianças se aconchegavam e os adultos buscavam conforto para as dores do dia a dia. De sua boca saíam conselhos que ajudavam a secar as lágrimas de homens e mulheres aflitos. Se seus conselhos não bastavam, ela dançava e com suas mãos indicava os caminhos a serem seguidos.

“As desesperadas pessoas que buscavam ‘A Grande Mãe’ saíam de seu lar com a esperança renovada. Sua casa era uma extensão dela própria. E, por isso, todos queriam agradá-la e a presenteavam com flores para que sua casa ficasse ainda mais aconchegante. Isso agradava a generosa senhora, mas não era capaz de impedir que quando estivesse sozinha chorasse as dores do mundo.

“De seus olhos saíam tantas lágrimas, tanta água salgada, que sua adorável casa se transformou no mar. Iyemanjá era seu nome, que significa ‘mãe que é respeitada e agradada com entusiasmo’. Todos são filhos de Iyemanjá, e todos ansiavam por agradá-la com flores, perfumes, maquiagem, joias. Iyemanjá adorava receber presentes, mas sorria da ingenuidade de seus protegidos:

“- Como ela poderia ter tempo de ser vaidosa, quando precisava dedicar-se a esfriar as várias cabeças quentes que deitavam em seu colo?…

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“As pessoas não sabiam, mas quem gostava daqueles lindos e ricos presentes era a jovem e vaidosa filha de Iyemanjá: Oxum. Quanto mais Iyemanjá ajudava as pessoas, mais presentes eram depositados em sua casa. Seu lar foi ficando sujo. Iyemanjá pediu, então, que as pessoas não lhe dessem presentes de plásticos nem de metal, pois estes, com o tempo, transformavam-se em lixos difíceis de serem degradados. Os mais obedientes passaram a oferendar apenas o líquido dos perfumes e flores, mas os produtos químicos dos quais eram feitos os perfumes poluíam as águas e as pétalas das flores adoeciam os peixes.

“A população tinha crescido muito e no mar não cabiam mais tantos presentes. Iyemanjá retirou-se para meditar e encontrar a forma ideal de permitir que as pessoas continuassem a praticar seus ritos de agradecimento, sem que ela, sua casa (o mar) e seus filhotes peixes sofressem.

“Muito tempo já tinha se passado até que uma bela e harmoniosa melodia pôde ser ouvida pelo povo da Bahia. Iyemanjá cantava: ‘Reúnam-se, cantem e me encantem; este é o presente que quero e posso receber a partir de agora. Não quero mais presentes, quero presença’.”

Acordei na manhã seguinte. Já não sabia se tinha ouvido a estória ou sonhado com ela. Era uma vez; há sempre uma vez; há sempre a primeira vez; há de ter sempre pessoas que encarem a primeira vez. “O candomblé é uma religião ecológica” – dizem. Então vivamos o que pregamos!

Encaro o desafio e digo que a partir de 2016 o “Presente de Iyemanjá” do Ilê Axé Opô Afonjá não mais poluirá o mar com presentes. Meus filhos serão orientados a oferendar Iyemanjá com harmoniosos cânticos.

Quem for consciente e corajoso entenderá que os ritos podem e devem ser adaptados às transformações do planeta e da sociedade. Os ritos se fundamentam nos mitos e nestes estão guardados ensinamentos valorosos. O rito pode ser modificado, a essência dos mitos, jamais!

Sei que Iyemanjá ficará feliz, afinal qual é a mulher, principalmente sendo mãe, que não gosta de ouvir belas melodias que confortam e dão alento a um coração permanentemente preocupado com os filhos?

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