Quando achamos que somos revolucionários sendo apenas privilegiados

Descriminalização e legalização das drogas é sobre coisas muito além do que sobre VOCÊ jovem branco barbudo que usa sandália da humildade e camisa de botão de brechó e quer fumar um sem ser “incomodado”, mesmo que o seu “incomodado” não seja nem um pouco perto de ser preso, como jovens negros são afinal não existe uma luta contra as “drogas” existe extermínio e encarceramento do povo negro. Está batendo uma onda bem grande chamada “meu umbigo, minha vida”… sobre algumas pessoas pró legalização.”

Texto: Stephanie Ribeiro / Ilustração: Vinicius Araújo, do Alma Preta

Esses dias vi uma foto do Gregório Duvivier com um cigarro de maconha na boca em protesto pedindo a descriminalização das drogas. Depois disso as hastags que ele propôs foram um dos assuntos mais comentados no twitter. Tudo isso foi paralelo e causado pela movimentação que vinha acontecendo no Supremo Tribunal Federal sobre o artigo 28 da Lei Antidrogas (Lei 11.343).

Enfim, quando eu vi isso fiquei pensando numa conversa que tive com um amigo da universidade, jovem e branco de classe média, onde ele dizia que já havia sido pego com drogas por policiais, mas nada tinha sido feito a ele e inclusive os policiais foram até cordiais e o mandaram para casa. Eu fiquei pensando que o Gregório está nessa mesma posição. Sendo assim, mesmo que ele assuma um discurso que vá contra a corrente dos semelhantes dele no quesito privilégio, porque ele é considerado revolucionário e aplaudido por muito, por que não consegue ver os próprios privilégios de poder postar uma foto com um baseado em redes sociais?

Não seria a real transgressão do privilegiado assumir que ele não é o centro daquela discussão, e dar voz a quem realmente é impactada por ela? No caso de Gregório, usar o espaço onde ele posta foto com becks para falar que “Jovens negros estão vivendo uma situação de genocídio e encarceramento devido a não descriminalização das drogas, afinal a guerra às drogas nada mais é que uma guerra com endereço certo e com indivíduos definidos pela sua cor”.

Se os homens como ele optarem por sair nas ruas com uma bituca de maconha no bolso e forem pegos, as chances de sofrerem algo realmente grave é mínima. Se homens negros fizerem o mesmo, podem ter sua vida mudada para sempre. Perceber isso é assumir, que se o enquadro não chega até você, é porque a branquitude te garante a liberdade e o gozo inclusive de viver numa micro realidade onde a descriminalização é palpável já.

Esse texto não é sobre o Gregório, mas peguei ele como exemplo, pois há muitas pessoas como ele que querem assumir um papel de apoiador, seja com seus textos para liberdade sexual feminina ao estilo “entenda os homens” ou com suas falas e palestras sobre feminismo mas que são no fundo “papo de homem”, esses indivíduos estão sendo aplaudidos inclusive pelos oprimidos. Estamos em 2015, a maioria dos grandes veículos de mídia do país ainda não conseguiram vencer o próprio racismo institucional e contratar negros para falarem sobre questões que envolvem e influenciam negros, o próprio machismo para contratar mulheres para falarem sobre questões que envolvem e influenciam mulheres, e a própria LGBTfobia para contratar LGBTS para falarem sobre questões que envolvem e influenciam a vida de LGBTS. Parece muito surreal isso, mas já temos esses temas sendo tratados e inclusive ganhando visibilidade, o que não temos são os oprimidos tendo espaço para isso, já que podemos colocar um genérico como Duvivier que é legal, é branco, é cis, é hétero, e “se importa”.

Não temos minorias falando sobre si mesmas, nesses espaços, ganhando credibilidade e inclusive os benefícios financeiros disso. Afinal o discurso de mulheres, por exemplo, vem sendo usurpados desde que o mundo é mundo, por homens que na sociedade machista, quando dizem o que já dissemos, tem o privilégio de serem julgados sensatos, em contrapartida as nossas falas sobre nós mesmas quando ditas por nós são exageros de radicais que não merecem crédito.

Enfim, não entendam isso como uma perseguição ao Gregório, mas ele mesmo foi alvo das atenções quando estampou a capa da revista TPM sobre aborto. Algumas feministas se posicionaram até em defesa dele naquele espaço, afinal foi considerado significativo o moço se posicionando a favor do aborto. Entretanto as mulheres que mais morrem por abortos mal sucedidos são as negras, e em nenhum momento a revista trouxe uma negra na capa, mas trouxe o homem cis branco de classe média que é apoiador.

Isso foi sim silenciamento, e pior feito por mulheres no caso brancas para com mulheres negras, e só piora porque Gregório aceitou esse convite.

Queria entender o que se passa na cabeça de um homem branco cis hétero que ele se acha tão imune a tudo e ao mesmo tempo o centro das atenções de tudo, que ele cogita até querer liderar as movimentações das minorias, que ele mesmo não querendo, oprime. E ai isso não é sobre o moço já citado, estou falando dos inúmeros homens que seguem esse padrão, que ganham visibilidade, que lideram movimentos estudantis, que tem bons discursos e ganham “prêmios”, que acham que são revolucionários, em tempos onde as minorias acabam acendendo cada vez mais com seus discursos feitos em mídias alternativas, roubando da forma que podem esse protagonismo.

Não, eu não quero um mundo onde homens brancos cis hétero não sejam humanos, eu quero um mundo onde eles não sejam aplaudidos por serem. E que entendam que apoiar é dar espaço e não fazer ctrl c e depois ctrl v. Quero um mundo onde as mulheres negras existam para todos, que a ausência de um pensamento não misógino sobre saúde pública que impacta diretamente em nosso grupo, seja questionado sem nos excluir. Onde negros, aqueles mais atingidos pela perseguição às drogas, sejam lembrados por militantes prol descriminalização.

Afinal, um mundo onde não sejamos incoerentes, já que quando Gregório foi apontado sobre transfobia num dos vídeos do Porta dos Fundos, disse que lamentava, porém não poderia descarta-lo.

Muito fácil ser apoiador de minorias, não precisa se esforçar muito, não precisa ter contato direto com as minorias que quer “apoiar”, afinal se o Porta dos Fundos contrata-se uma mulher trans para criar roteiros não ficaria sendo transfobico sempre que pode, e também quando se erra e prejudica um grupo todo marginalizado socialmente se pode dar o luxo de lamentar, porém não o de concertar o erro.

Como dizem por ai: Sejam menos.

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