Quando a regra é eliminar

As cenas se repetem sem pudores nas redes sociais. Imagens horrendas do massacre em Manaus, homens espancando mendigos em Porto Alegre, outros homens matando um camelô em São Paulo, mais 30 presos mortos em Roraima. E tudo está normal. Normalíssimo. Basta uma olhadela nos comentários. No geral o mantra se repete: “bandidos e pobres – sinônimos – é tudo lixo e precisa mesmo ser eliminado”.

Por Elaine Tavares, para Palavras Insurgentes

Isso não se configura uma novidade quando vivemos num mundo no qual o outro é sempre visto como inimigo. Nossa sociedade é gerida pela pedagogia do medo. Esse é o caminho “educativo” que os grandes meios de comunicação oferecem. E não vamos esquecer de que os grandes meios televisivos chegam à casa de 97% dos brasileiros.  A pedagogia do medo se reforça todos os dias em programas policialescos, que mostram à exaustão as tragédias humanas. Mas, não quaisquer tragédias. Elas têm classe. No geral são os pobres e os negros matando ou roubando “gente de bem”. Como se só esses crimes fossem dignos de nota. Os crimes dos ricos não saem nos jornais. Por isso mesmo, a sociedade vai criando medo daqueles que se lhes aparece como os “do mal”.

No geral, quando os meios dão destaque a algum crime de rico, impossível de deixar passar, como foi o caso da Richtoffen, que matou os pais, sempre é mostrado como uma patologia. Algo que aconteceu por conta de uma falha na matrix. E a vilã ainda acaba passando por vítima. Já os pobres, não. Eles são condenados mesmo sem provas. Bastou ser pobre e negro e pronto. Já está dada a sentença.  Por isso, torna-se “natural” que as pessoas em geral não se sensibilizem com a morte de pessoas assim, mesmo em condições de selvageria como foi a do presídio em Manaus. Na cabeça da maioria, aqueles eram homens “do mal”, portanto, receberam o que mereceram. Nenhuma reflexão sobre o que pode tê-los levado ao crime, ou se de fato, todos eles era mesmo criminosos. Não. Pobres. Já julgados: “culpados”!

Outro elemento típico da sociedade ocidental é o que incita a eliminar aqueles que causam estranhamento ao senso comum. Não é sem razão que há mais de 15 anos, em todos os países do mundo, fazem estrondoso sucesso programas chamados de “reality shows”, estilo Big Brother, com todas as suas imitações, no qual essa pedagogia do medo pode ser exercitada. É um jogo cruel, no qual o público tem a vida dos participantes nas mãos. Qualquer coisa que o jogador faça pode ser motivo para a eliminação, e as pessoas ainda pagam uma ligação telefônica, engordando o lucro das empresas, para ter o gosto de “eliminar” os que consideram chatos, bobos, metidos ou qualquer outra coisa que venha a atiçar esse lado selvagem.

Não se trata de uma questão moral. Pessoas boas e pessoas más. É uma sociedade inteira sendo alfabetizada no medo, no ódio ao pobre, ao negro, ao homossexual, ao diferente, que, ao fim e ao cabo, nem é tão diferente assim. O jogo real é justamente esse que está fora do jogo da TV, a vida, programada e palmilhada por toda essa ideologia vomitada dia após dia no rádio, na TV, no jornal, na escola, na família. E assim, na vida, diariamente, vamos “eliminando” todos aqueles que nos incomodam. Sem qualquer pudor. Eliminar está legitimado.

Colada a essa ideologia está o próprio sistema capitalista que é, em sua natureza, um jogo de competição e destruição do outro. São os jogos vorazes em ação.  É fundamental que os trabalhadores compitam entre si, se matem até, para que o 1% que domina o mundo siga com sua vidinha de paz e riqueza. Por isso não vê falar nada ruim do mundo dos ricos. Só coisas boas, festas, celebrações, champanhe, viagens, o mundo perfeito. Uma espécie de espelho onde todos querem ver sua face refletida. Só que não é possível. É uma ilusão. Pelo menos não no sistema capitalista que exige o pobre para que o rico exista. Além do mais, esse mundo perfeito é só um quadro do tipo de Dorian Gray. Bonito na aparência, mas na essência cheio de podridão, porque, afinal, se sustenta a partir da vida e do sangue dos outros.

Assim é que entre os que estão na parte abaixo do 1% sempre ouviremos falar que “bandido bom é bandido morto”, que quem morre na favela é porque mereceu, que as chacinas nas comunidades e nas prisões são momentos de “limpeza”. Essa é uma mentira que se faz verdade pelo processo da repetição exaustiva. Poucos se importam em saber por que existe a pobreza, por que pessoas vivem em condições sub-humanas, por que o crime vira uma opção.

Poucas coisas podem mudar esse cenário horripilante, mas cotidiano. Uma tragédia pessoal talvez possa furar a bolha criada pela ideologia dominante. Isso comumente acontece, mas não muda a vida da maioria. Muda apenas a da pessoa afetada. É bom, mas é pouco. Haveria de se arranjar uma forma coletiva de mudar essa forma de pensar. Uma revolução.

Enquanto não construímos essa opção, resta a perplexidade.

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