Quero que minha filha reconheça e ame seu cabelo como ele é

Minha filha de quatro anos, Maya, tem aula de natação toda semana. Certa vez, depois da aula, soltei o rabo-de-cavalo para secar melhor o cabelo dela. Decidi deixá-lo solto, e ela me perguntou, nervosa: “Mamãe, o que você está fazendo? Está prendendo meu cabelo de novo?” Respondi: “Não, vamos deixar o cabelo solto e mostrar esses cachos lindos”.

Por Christine Michel Carter, do HuffPost Brasil

Ela fez bico imediatamente. Ficou de cara amarrada o tempo todo, como se estivesse com vergonha. Fiquei de coração partido. Mais tarde, sem que pedissem, ela se desculpou por visitar a avó “sem arrumar o cabelo”. Quando penso na vergonha que Maya sentiu naquele dia, penso na jornalista Stephanie Hinds e sua conexão com o cabelo liso – de cabelo liso, ambas se sentem bonitas e seguras.

Não me entenda mal, Maya acha que princesas da Disney de cabelos encaracolados, como Merida, são corajosas. Mas ela ama o cabelo louro e liso. Recentemente ela descobriu personagens mais antigas da Disney, como Cinderela e Alice. À primeira vista, ela está encantada com os vestidos, mas depois diz toda empolgada, com um suspiro: “Oooh mamãe ela é linda e eu quero ser como ela e quero que meu cabelo seja igual ao dela”.

Como eu, mais de 22 milhões de millennials estão criando as gerações mais culturalmente diversas de todos os tempos: as gerações Z e Alpha.

E com tantas representações semelhantes e imprecisas das mulheres negras na mídia, pode ser difícil ensinar orgulho para as Mayas dessas novas gerações. Quero dizer, vamos admitir: não importa o fardo imposto a Olivia Pope, ela supera tudo com um alisamento e um permanente.

Só usei cabelo natural nos últimos quatro anos, mas não se deixe enganar — no meu baile de formatura eu usei trança raiz. Nunca me senti pressionada a me conformar à imagem de beleza dos outros, nunca fui fã de ser chamada de bonita em comparação com outras mulheres e eu nunca fui fã de quem dizia que meus traços eram parecidos com os de outras raças. Elogio minhas amigas brancas de cabelo liso, mas não porque QUEIRA ter um cabelo igual. Aprecio pelo que ele é — o cabelo DELAS — na esperança de que elas façam o mesmo em relação a mim: reconhecer o meu cabelo como uma característica, não uma definição do meu caráter.

Posso servir de exemplo para Maya, mas acredito que só uma mulher de outra geração negra vai fazê-la sentir-se naturalmente bonita. E explico porquê:

Anos antes de Maya nascer, três primas e eu assistimos a uma exibição privada de A Princesa e o Sapo, um filme com Tiana, a primeira princesa negra da Disney. Após a exibição, participamos de um focus group com outras negras da geração do milênio, para darmos nossas opiniões sobre beleza e comentários gerais sobre o filme.

Me fizeram inúmeras perguntas, incluindo:

“A mídia reforça sua idéia de beleza?” e “Você se sentia pouco à vontade quando estava crescendo por causa da mídia?”.

Respondi cada pergunta com confiança:

“Eu realmente não me preocupo a mídia e, como ela não me representa, acho que ela também não se preocupa comigo… nos damos bem. Minha avó definiu beleza para mim, me incentivando a ser apenas a melhor versão de MIM MESMA”.

Claramente não era o que a moderadora esperava, uma resposta cheia de vergonha e dificuldades.

Como millennial e negra, não sou a única pessoa a ter a importância do autoamor reforçada pela avó. Em 2000 (quando nasceram os últimos millennials), 6 milhões de avós moravam com um neto. Até hoje, negros das gerações Z e Alpha têm maior probabilidade de serem criados pelo avô ou avó, em comparação com outras raças. Para as crianças negras, ascendência e valores herdados são influências muito importantes. Avós — mais especificamente as avós – fazem as crianças negras se sentirem dignas de respeito.

Não me interprete mal, a minha avó lutou com suas próprias ideias de beleza, às vezes por sua proximidade dos brancos. Mas também foi assim com as negras da “Geração Silenciosa”. No entanto, ela nunca me confrontou com essas questões privadas. Em vez disso, ela usou suas experiências pessoais para me dar o “manifesto beleza de Edna”, quando eu tinha cinco anos:

“Tentar se parecer com qualquer outra pessoa que não você é chato não só é para você, mas para todos os outros também… Então nem se preocupe com isso. Concentre-se em tornar sua personalidade tão impetuosa que ela literalmente irradie de seu rosto. Que o mundo não tenha alternativa a não ser perceber isso antes de todo o resto.”

 

Admito: os millennials têm a fama de criar os filhos de maneira diferente da que foram criados. Mas, com relação a isso, aprendi minha lição: não posso reinventar a roda.

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Reprodução HuffPost

As gerações Z e Alpha são netas de avós mais ativos (da geração X e dos baby boomers). Ainda é importante que eles tenham laços estreitos com os avós. Infelizmente, algumas avós de hoje lutam contra o pensamento arcaico de “alise o cabelo!” Elas deveriam fugir disso e apreciar técnicas de beleza que não eram tipicamente aceitas pelas negras nos anos 1980 e 1990. Em outras palavras, cabelo permanentemente alisado não é tudo isso.

Preciso que minha mãe ensine a Maya o que a minha avó me ensinou porque, no mundo de hoje, os ruídos não só vêm só dos meios de comunicação tradicionais, mas também das redes sociais. A definição de beleza pode variar, mas Maya deveria se confortar ao saber que, para sua avó, a verdadeira definição de beleza nunca muda.

Quero que minha mãe ensine o contrário do que diz a mídia: que todos os estilos e comprimentos de cabelo são perfeitamente aceitáveis. Ensinar que tudo bem alisar o cabelo na segunda e usar um penteado afro no sábado, porque o que conta é a personalidade.

Então, dá para fazer uma menina negra se sentir bonita?

Não. Eu posso até tentar, mas só a minha mãe vai conseguir.

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