Racismo à brasileira e os Black Faces do Século XXI

Na semana do 13 de maio também acompanhamos um importante debate sobre o uso de máscaras “blackface” na peça A Mulher do Trem, que seria encenada no Instituto Itaú Cultural, São Paulo. Por pressões dos movimentos negros, a apresentação foi substituída por uma mesa de discussão Arte e Sociedade: a Representação do Negro, na noite do dia 12.  No debate, o diretor da companhia que encenava a peça, Fernando Neves, pediu desculpas por usar uma técnica que remete ao blackface, pois pinta de preto o rosto de um ator que interpreta um personagem negro. Neves teria sido muito aplaudido pela plateia, que lotava teatro do Itaú Cultural em sua declaração, “A peça não tem nada a ver com blackface. O circo não foi feito para ridicularizar, mas para divertir

Por  Hebe Mattos, do Conversa de Historiadoras

A discussão, que contou com importantes representantes da classe teatral paulista e de lideranças dos movimentos negros, transformou-se numa discussão mais ampla sobre o racismo no Brasil e as formas de representação do negro no teatro brasileiro.

Se o recurso utilizado podia ser considerado blackface, ou não, tornou-se o centro da polêmica,  que se estendeu pelas redes sociais e  mereceu longa discussão. Para os defensores, a máscara vinha da arte circence e era utilizada para criar tipos e parábolas em personagens negros ou brancos, mocinhas, vilões e galãs. Aliás, muitos defenderam que a função dos teatros e dos palcos é exatamente permitir, através do riso, uma ampla discussão da sociedade. A retirada do palco e a mudança de encenação de A Mulher do Trem, nessa perspectiva, parecia mais perto da censura contra a liberdade de expressão no teatro. Será?

Leia Também: Mulher negra não é fantasia de carnaval

Os blackfaces foram formas teatrais de pintura facial e corporal, usadas em geral por artistas brancos, para representar pessoas negras, ao longo do século XIX e início do XX. Nessas representações exageravam-se e ridicularizam-se os estereótipos da população negra através de personagens alegres, infantis e risonhos, como Jim Crow, Sambo e Dandie, em espetáculos muito populares nos Estados Unidos, conhecidos como ‘minstrel shows’. Se no Brasil esses espetáculos não eram tão recorrentes, algumas pesquisas têm demonstrado que sua presença não era nada incomum. A presença de artistas negros nos palcos brasileiros sempre foi muito pequena e uma barreira difícil de ultrapassar. Para isso, vale lembrar os esforços de João Cândido Ferreira, mais conhecido como Chocolat, para a fundação de uma companhia negra de revistas nos anos 1920, e o de Abdias do Nascimento para o funcionamento do TEN (Teatro Experimental do Negro), na década de 1950.

Uma das mais profundas críticas da encenação de A Mulher do Trem com seus tipos blackface foi de Ana Maria Gonçalves, autora do premiado livro Defeito de Cor. Assinamos em baixo de seus argumentos. Ana Maria chega no âmago da polêmica quando demonstra a origem racista desses espetáculos circences: enquanto artistas brancos são representados por tipos (a ingênua, o galã, a megera), o negro é o único que representa a si mesmo! “Ou seja, exagera-se e ri-se do galã, da ingênua, da megera, e…. do Negro?”.   Vale a pena a leitura da íntegra do texto.

Não imaginar que os circos e os teatros podem ser locais de expressão do racismo é não conhecer a história do teatro no Brasil e dos blackfaces nos EUA. Blackface no Brasil em 2015 é de dar arrepio na alma.

captura-de-tela-2015-05-25-c3a0s-13-11-44

+ sobre o tema

Pedagogia de afirmação indígena: percorrendo o território Mura

O território Mura que percorro com a pedagogia da...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas,...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde...

Apenas 22% do público-alvo se vacinou contra a gripe

Dados do Ministério da Saúde mostram que apenas 22%...

para lembrar

O problema é que o que Michel Teló fez é chamado de Blackface

Sertanejo publicou uma foto com metade do rosto pintado,...

Prática de blackfishing deixa mulheres negras à margem da sociedade

Nos últimos meses, as redes sociais serviram de palco...

O desabafo da jovem negra que se fantasiou de “paneleira” no Carnaval

“A graça que vemos na Lolo não está apenas...
spot_imgspot_img

Grupos antirracistas criticam ‘blackface’ em desfiles de Reis na Espanha

Ativistas espanhóis contra o racismo pediram o fim do uso da pintura "blackface" vista em muitas das tradicionais comemorações do Dia de Reis no...

Universidade que investiga ‘blackface’ em gincana já teve alunos com fantasias ligadas a grupo extremista

Estudantes do campus da Unesp de Botucatu (SP) estão assustados após a instituição se envolver novamente em uma polêmica relacionada a atitudes racistas em trotes universitários. Na...

O que são Blackfaces e por que eles são racistas?

No ano de 2020, ao navegar pela internet, me deparei com dois casos que pouco barulho fizeram na imprensa, mas que movimentaram as redes...
-+=