Racismo e machismo

Por Verbena Córdula Almeida

Na quarta-feira (10/9), a jornalista/apresentadora da revista eletrônica da Band Café com Jornal, Aline Midlej, fez um comentário que, a meu ver, soou racista e machista. Tratou-se do momento no qual o colunista Mauro Soares se referiu à negação, por parte da atriz Deborah Secco, de uma suposta reconciliação entre ela e Marcelo Falcão, integrante do grupo O Rappa. A apresentadora questionou o que teria Falcão para só “pegar mulheres lindas”.

Diante do questionamento de Midlej, apresento os primeiros questionamentos: por que a jornalista indagaria algo assim? Não seria pelo fato de o cantor e músico ser negro? Por que o espanto em relação ao fato de Marcelo Falcão namorar mulheres lindas, tais como a própria Deborah Secco e a modelo Isabelli Fontana, esta também citada pela jornalista para enfatizar a sua perplexidade? Sinceramente, não encontro outra resposta que não a que remete ao fato de a jornalista, uma mulher negra (talvez ela não ela tenha essa consciência sobre si), ser racista e não enxergar com normalidade os relacionamentos interraciais.

Além de racista, o comentário da jornalista/apresentadora teve conotação machista, já que o verbo “pegar”, por ela utilizado, referindo-se aos relacionamentos do músico, reflete uma ratificação da característica do “macho”, aquele que “pega”, o “garanhão”, o qual tem a permissão de sair por aí, sem qualquer restrição, “pegando mulheres”, como se elas fossem simples objetos.

Por um sistema público de mídia

A atitude de Aline Midlej nos remete a outros questionamentos: como se dão os processos seletivos dessas empresas de comunicação? O que é levado em conta na hora da contratar? A nosso ver, não basta competência técnico-profissional para credenciar um profissional do jornalismo a ocupar espaço como formador de opiniões. É preciso que a empresa considere outros fatores, como as concepções de mundo, a fim de que episódios como esse protagonizado pela apresentadora do Café com Jornal não se façam rotineiros na mídia brasileira; e, sobretudo, não corroborem direta e indiretamente para a manutenção de certas mazelas sociais, como o racismo e o machismo, tão presentes na nossa sociedade. Caso contrário, se confirma que a mídia tende mesmo a priorizar as opiniões dominantes, consolidando-as, ajudando a calar as minorias [leia-se maiorias], conforme ressalta Pena (2004).

Em um momento quando a questão do racismo tem estado na pauta dos meios de comunicação do país por conta da atitude da torcedora do Grêmio em relação ao goleiro Aranha, do Santos, assistir a um programa televisivo no qual sua apresentadora expresse perplexidade com o fato de um homem negro se relacionar com mulheres brancas e “lindas” só revela o que muita gente no Brasil não quer admitir: somos um país repleto de racistas! Aliás, na semana anterior, ao comentar a entrevista da torcedora que disse haver chamado o goleiro de “macaco” sem intenções racistas, o também apresentador da Band José Luiz Datena foi taxativo ao afirmar que o Brasil é, sim, um país racista.

Nesse contexto, e considerando o importante papel dos meios de comunicação na formação das subjetividades contemporâneas, há outras indagações imprescindíveis: como combater esse tipo de atitude na [e da] mídia? O que faz uma emissora de televisão como a Band admitir que uma jornalista possa expressar, em pleno ar, esse tipo de opinião? Há pouco tempo, um polêmico comentário envolvendo a também jornalista e apresentadora Rachel Sheherazade (SBT) causou polêmica e evidenciou o questionamento acerca da responsabilidade que profissionais da comunicação devem ter com as opiniões expressas através dos meios.

É muito desalentador encontrar esse tipo de situação na mídia brasileira, já que, concordando com Thompson (2012, p. 292), há que se considerar a crescente “suplementação de experiências mediadas, que assumem o papel cada vez maior no processo de formação do self.” Sendo assim, é preciso insistir na necessidade de prover a mídia da diversidade. Nesse sentido, é preciso insistir na pauta das discussões societárias sobre a urgência de se lutar para instituir no país um sistema público de mídia para fazer frente aos meios hegemônicos.

Bibliografia

PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005.

THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade. Uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 2012.

***

Verbena Córdula Almeida é doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madrid e professora adjunta do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz/Ilhéus – Bahia, Brasil

 

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