Ressignificando a militância

Ressignificação é o método utilizado em neurolingüística para fazer com que pessoas possam atribuir novo significado a acontecimentos através da mudança de sua visão de mundo.” Wikipédia

Quero começar esse texto deixando explícito que não estou aqui para criticar a militância alheia, muito menos quebrar e diminuir toda uma estrutura de funcionamento que tem sido o movimento negro nas mídias e na rua. A intenção desse post era fazer uma retrospectiva de 2016, e não há nada que tenha valido tanto quanto essa palavra no meu ano: Ressignificância. Palavra longa, difícil de se pronunciar, e mais difícil ainda quando sentida na pele. Em 2016, confesso que passei boa parte do tempo fugindo dos textões de facebook e das notícias do maiores veículos de comunicação, me doeu saber do impeachment, das reformas políticas, das tragédias na aviação, das guerras civis internacionais, das notícias ruins das ocupações, do racismo, racismo, RACISMO de sempre, e pra escapar dessa dor que me golpeava a cada entrada no facebook/ligada de tv, preferi me afastar e me fechar – até porque não me encontrava emocionalmente bem na maior parte do ano. E engraçado, na corrida louca entre Fora Temer x Crivella/Freixo x Fica Querida x #forçachape, o que mais me conquistou a atenção e me fez respirar foi ter convivido e conhecido a periferia de Alegre – cidade que atualmente resido para cursar geologia. Num contexto que não vem ao caso, convivi 2 dias num ambiente familiar preto que, pasmem, não falam sobre racismo, machismo, vitimismo, esquerdomachos e muito menos tem ideia das teorias que fazem tanta questão de gritar e digitar aos quatro ventos. Eles não falam de nada disso, eles VIVEM isso 24h, e uma coisa que ouvi e eternamente vou guardar no coração é: “AQUI EU SEGURO MEUS FILHOS NA IGREJA, PORQUE SE NÃO O FIZER, A BANDIDAGEM LEVA.”

Foi ali que o famoso clique apareceu, que o pé voltou ao chão, que o vislumbre com a politica dualista (esquerda x direita) desapareceu de vez. Ali me fez entender que só quem entra no ambiente periférico e sabe (e consegue) dialogar é a igreja protestante e o tráfico de drogas, tirando isso é só teoria.

Depois disso, uma pá de paradigmas caiu por terra na minha vida e a famigerada pergunta bateu: Que militância é a sua? Por quem e para que você tem lutado? e dai que surgiu essa palavrinha mágica e complicada que deu nova cor e leveza pra mim: RESSIGNIFICAR. Passei um pente fino em que me era referência, abandonei de vez as teorias da esquerda – jamais critico quem ainda segue Marx e cia, inclusive bato palma pra quem escolhe esse caminho pra aturar tanto desaforo de quem não ta afim de somar, mas abandonei porque enxerguei que não há pautas políticas que se preocupem com uma mãe preta de periferia e seus 5 filhos que vivem num único cômodo, e mais, que meu textão de facebook não mudaria a vida dela, nem de seus filhos, e era pra ela, e pra toda minha quebrada da Ilha das Flores que quero escrever, falar, produzir, incentivar, quero vê-los crescer e acreditar em si – tarefa mais difícil que tem depois de tanto anos vivendo sempre à margem. Reitero o que disse no início, não quero e nem posso diminuir a militância alheia, inclusive foi por meio da militância que existe nas redes sociais que me reconheci mulher negra – Alô Meninas Black Power, e tenho total consciência que é por esse meio que tantas outras meninas negras que passaram e passam o mesmo que eu nas escolas, nas ruas, nos escritórios e etc. encontraram forças para enfrentar de cabeça erguida todos os esforços que o racismo faz para desistirmos de tudo, afinal, a representatividade negra tem de ser e estar em todo e qualquer lugar, nas academias e nas ruas. Mas faço um apelo aqui:

NÃO SE ESQUEÇAM DE ONDE VIERAM!

Não há nada mais militante que reconhecer o valor da sua vó que está chegando no fim da vida com uma família constituída e criada, apesar de todos os pesares; não há nada mais militante que abraçar e dizer palavras de incentivo ao seu pai, seu irmão, seu namorado preto que todos os dias sai para trabalhar e acreditam que um momento isso tudo vai melhorar. Não há nada mais militante que ser você, fazer suas escolhas e buscar sua felicidade, junto da sua comunidade, valorizando o trabalho que vem la de dentro, gerando renda pra quem precisa e expondo a qualidade que vem de dentro das periferias. É isso, recado dado! Até a próxima ;)

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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