Rubem Valentim: Marco Sincrético da Cultura Afro-brasileira

Por sugestão da pesquisadora do Idart Maria Olimpia Vassão (atualmente da Curadoria de Artes Visuais do CCSP), recuperamos do Arquivo Multimeios uma entrevista que ela realizou em 1979 com o escultor Rubem Valentim (1922-1991), autor de uma das peças instaladas na Praça da Sé.

No CCSP

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A gravação, feita em fita cassete, apresenta algumas imperfeições e alterações de rotação que interferem no timbre de voz do artista; mas as características de sua personalidade, seu pensamento e forma de expressão permanecem intactos.

TATU no ar! – Rubem Valentim by Ccsp Sp on Mixcloud

Este podcast conta com comentários de Maria Olimpia Vassão e Alexandre Bispo, diretor da DACE (Divisão de Ação Cultural e Educativa) do CCSP. Citamos abaixo algumas passagens do Manifesto que Rubem Valentim divulgou em 1976 e que é citado na entrevista.

Manifesto ainda que tardio: depoimentos redundantes, oportunos e necessários

Minha linguagem plástico-visual signográfica está ligada aos valores míticos profundos de uma cultura afro-brasileira (mestiça-animista-fetichista).

Com o peso da Bahia sobre mim – a cultura vivenciada; com o sangue negro nas veias – o atavismo; com os olhos abertos para o que se faz no mundo – a contemporaneidade; criando os meus signos-símbolos procuro transformar em linguagem visual o mundo encantado, mágico, provavelmente místico que flui continuamente dentro de mim.

O substrato vem da terra, sendo eu tão ligado ao complexo cultural da Bahia: cidade produto de uma grande síntese coletiva que se traduz na fusão de elementos étnicos e culturais de origem européia, africana e ameríndia.

Partindo desses dados pessoais e regionais, busco uma linguagem poética, contemporânea e universal, para expressar-me plasticamente. Um caminho voltado para a realidade cultural profunda do Brasil – para suas raízes – mas sem desconhecer ou ignorar tudo o que se faz no mundo, sendo isso por certo impossível com os meios de comunicação de que já dispomos, é o caminho, a difícil via para a criação de uma autêntica linguagem brasileira de arte. Linguagem pluri-sensorial: O sentir brasileiro.

Uma linguagem universal, mas de caráter brasileiro com elementos de diferenciação das várias, complexas e criadoras tendências artísticas estrangeiras.

Favorável ao intercâmbio cultural intensivo entre todos os povos e nações do mundo; consciente de que as influências são inevitáveis, necessárias, benéficas quando elas são vivas, criadoras, sou entretanto contra o colonialismo cultural sistemático e o servilismo ou subserviência incondicional aos padrões ou moldes vindos de fora.

A iconologia afro-ameríndia-nordestina-brasileira está viva. É uma imensa fonte – tão grande quanto o Brasil – e devemos nela beber, com lucidez e grande amor. Porque perigos existem: como o modismo; as atitudes inconseqüentes, inautênticas, os diluidores com mais ou menos talento, mais ou menos honestidade, pouca ou muita habilidade, sendo que os mais habilidosos e vazios são os mais danosos, porque geradores de equívocos; as violentações caricatas do folclore do genuíno; as famigeradas “estilizações” provincianas e o fácil pitoresco que levam a um subkitsch tropicalizado e ao efeitismo subdesenvolvido.

Intuindo o meu caminho entre o popular e o erudito, a fonte e o refinamento – e depois de haver feito algumas composições, já bastante disciplinadas, com ex-votos, passei a ver nos instrumentos simbólicos, nas ferramentas do candomblé, nos abebês, nos paxorôs, nos ocês, um tipo de fala, uma poética visual brasileira capaz de configurar e sintetizar adequadamente todo o núcleo de meu interesse como artista.

O que eu queria e continuo querendo é estabelecer um design (Riscadura Brasileira), uma estrutura apta a revelar a nossa realidade – a minha, pelo menos -, em termos de ordem sensível. Isso se tornou claro por volta de 1955-56 quando pintei os primeiros trabalhos da seqüência que até hoje, com todos os novos segmentos, continua se desdobrando.

Minha arte tem um sentido monumental intrínseco. Vem do rito, da festa. Busca as raízes e poderia reencontrá-las no espaço, como uma espécie de ressocialização da arte, pertencendo ao povo.

É a mesma monumentalidade dos totens, ponto de referência de toda a tribo. Meus relevos e objetos pedem fundamentalmente o espaço. Gostaria de integrá-los em espaços urbanísticos, arquitetônicos, paisagísticos.

Meu pensamento sempre foi resultado de uma consciência de terra, de povo. Eu venho pregando há muitos anos contra o colonialismo cultural, contra a aceitação passiva, sem nenhuma análise crítica, das fórmulas que nos vêm do exterior – em revistas, bienais, etc. E a favor de um caminho voltado para as profundezas do ser brasileiro, suas raízes, seu sentir. A arte não é apanágio de nenhum povo, é um produto biológico vital.

Fotos: Silvestre Silva

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