Saias educadas

Por séculos predominou no mundo a concepção de que as mulheres eram intelectualmente inferiores aos homens. Portanto, de nada adiantaria oferecer-lhes educação. Não foi diferente no Brasil colonial.

Por Fernanda Pompeu em seu blog 

Embora haja registros de algumas iniciativas dos jesuítas em prol da educação rudimentar das meninas índias, a verdade é que foram os colégios para meninos que proliferaram. Neles eram ministradas noções de latim, retórica e aritmética.

Nas raras escolas para meninas – geralmente ligadas a conventos – os ensinamentos consistiam nos trabalhos de agulha, ou seja, costura e bordado. Também eram ensinadas boas maneiras, como sentar-se com as pernas fechadas, não olhar o interlocutor diretamente nos olhos, manter-se a maior parte do tempo de bico calado e aprender muita reza.

A ideia de manter as meninas na ignorância das letras e números é irmã gêmea da orientação de não alfabetizar as crianças escravas, pois mulher que sabe latim, não tem marido, nem bom fim, e escravos que sabem ler acabam bisbilhotando os diários das senhoras e as cartas dos senhores.

1808: Com o desembarque da família real no Rio de Janeiro, houve um profundo impacto nos padrões de comportamento da classe dominante luso-brasileira. Ela apressou-se em adotar novidades em matéria de etiqueta.

No ano seguinte à transferência da Corte, surgiram os primeiros colégios privados para meninas, embora com ensino restrito às desenvolturas nos salões. Essa elevação cultural das moças brancas  tinha dois objetivos. Primeiro: prepará-las para o convívio social. Segundo: formatá-las para o exercício adequado da maternidade.

Em 1827, no dia 15 de outubro (hoje comemorado como o Dia do Professor), foi transformada em lei a reforma da instrução pública que estabeleceu a criação de escolas elementares, inclusive para meninas, em locais populosos. Para as escolas das meninas brancas, os professores seriam escolhidas por reconhecida honestidade, submetidos a exame público.

O ensino para meninas deveria englobar as quatro operações e as prendas domésticas. O que segundo os padrões patriarcais estava muito bom, uma vez que os conhecimentos de geometria e de latim de nada serviriam para esses seres de saias. A superficialidade e a frouxidão curricular foram a tônica da educação oferecida às meninas, nas pouquíssimas escolas públicas e mesmo nas escolas privadas.

É nesse momento que entra em cena a educadora e feminista Nísia Floresta (1810-1885), sendo uma das vozes que mais se indignaram com a baixa qualidade da instrução feminina. Quando todas as escolas da Corte preconizavam um ensino pífio para meninas e moças, Nísia  funda em 1838, o Colégio Augusto.

Nos 17 anos de existência, o Augusto ofereceu um ensino para meninas que combinava a aprendizagem dos trabalhos manuais com sólidos conhecimentos das línguas e das ciências. Era uma ousadia frente aos currículos das demais escolas femininas da Corte.

No tocante à plena capacidade intelectual das mulheres, Nísia jamais fez qualquer concessão. Para ela, uma mulher educar-se não era luxo, nem extravagância . Era puro direito! Nísia Floresta morreu na França, aos 75 anos. Sua cidade natal, Papari, no Rio Grande do Norte, hoje leva o seu nome.

Algo no ar além do bordado e do salão
Mesmo limitada, a educação feminina criou raízes na elite brasileira em meados do século 19, embora circunscrevendo a mulher aos espaços de socialização consentidos, ou seja, o lar e o salão.

Já a difusão da educação feminina para o conjunto mais amplo da sociedade, deu-se simultaneamente aos surgimento dos setores médios emergentes na esteira das transformações da economia e da administração pública. O crescimento da renda nacional deu ensejo ao surgimento de uma população urbana ocupada nas burocracias pública e privada, bem como na prestação de serviços.

Ora, essa classe média elaborou um modo de viver próprio e, simultaneamente, passou a emanar discursos simbólicos peculiares. Contudo, no que tange à educação e desenvolvimento das mulheres, não coube ao setor médio brasileiro adotar práticas culturais inovadoras. Já as famílias mais ricas buscaram educar suas filhas para que elas pudessem demonstrar, no espaço apropriado do salão, o domínio da etiqueta do convívio social.

A primeira carreira feminina
Fundada em 1835, a Escola Normal de Niterói, a primeira criada no país, não previa em seus estatutos a admissão de alunas. O ingresso de moças nos cursos normais, surgiu apenas nas décadas de 1870 e 1880, quando a sociedade brasileira dava sinais de ter amadurecido a questão da instrução e da importância das mulheres no magistério.

Com o franqueamento das escolas Normais às moças, surge a primeira carreira profissional feminina, considerada pelos homens adequada aos atributos ‘naturais’ das mulheres, como a capacidade inata para lidar com crianças.

Para a criação do consenso social em torno do papel das mulheres no ensino primário contribuíram, em grande medida, as ativistas pelos direitos da mulher que, notadamente na imprensa feminina, fizeram uma verdadeira cruzada.

Mas a relativa facilidade de acesso das mulheres de classe média à educação, na virada do século 19 para o 20, não significou a supressão total das barreiras de acesso a todos os níveis de ensino. São numerosos os casos de mulheres que se encontravam aptas a frequentar um curso superior no Brasil e deram com as portas fechadas fechados às suas pretensões.

Coube ao movimento feminista e ao idealismo das precursoras lutar muito pelo acesso feminino ao terceiro grau. Graças a esses esforços, o governo brasileiro, em 1887, se rende e abre as portas do ensino superior às mulheres.

Mas, mesmo com os cursos superiores abertos às mulheres, somente uma minoria conseguia alcançá-los. Em parte, o problema se dava porque os melhores colégios públicos só aceitavam pessoas do sexo masculino.

* Texto elaborado a partir de pesquisas de Teresa Novaes Marques, Hildete Pereira de Melo e Carnen Alveal.

Publicado originalmente na revista Abrealas, da REDEH, sob edição de Schuma Schumaher

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