Salil Shetty: “Me sinto em um lugar onde direitos humanos não existem”

Em sua segunda vinda ao país, secretário-geral da Anistia Internacional foi conhecer de perto a realidade dos acampamentos e aldeias Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul

Por: Ruy Sposati

Uma comitiva da Anistia Internacional visitou nessa quarta-feira (7) comunidades indígenas Guarani Kaiowá da região de Dourados (MS). Durante o encontro, lideranças Kaiowá, Guarani, Terena, Kinikinau e Ofayé se encontraram com o secretário geral da entidade, o indiano Salil Shetty, para denunciar a demora na demarcação de terras e as violências sofridas por estarem fora de seus territórios tradicionais ou confinados em pequenas reservas.

Pela manhã, Salil visitou um dos tekoha mais vulneráveis do estado, o acampamento Apika’y. Às margens da rodovia BR-163, no trecho que liga os municípios de Dourados e Ponta Porã, dezesseis famílias Kaiowá permanecem em barracos, há mais de dez anos, ladeados pelo tráfego de caminhões e pelas plantações de soja e cana. Cinco indígenas foram mortos em casos de atropelamento, e uma foi envenenada pelos agrotóxicos usados na plantação.

visita sally anistia ruy sposati

“Em pleno 2013, não se pode simplesmente fazer o que se quer nas terras indígenas, como se não houvessem direitos a serem respeitados”, afirmou Salil aos indígenas. “Aqui, conheci mães que perderam seus filhos pequenos, velhos que perderam seus filhos. Essas coisas acontecem aqui à luz do dia, e não há investigação. As pessoas que cometem esses crimes simplesmente continuam livres. isso é uma verdadeira vergonha para o Brasil”, disse.

Na sequência, Shetty foi à casa de reza de Getúlio Juca, na aldeia Jaguapiru, onde acontecerá uma assembleia indígena extraordinária para avaliar os resultados da reunião em Brasília com o governo federal. Lá, ele se reuniu com uma centena de lideranças de todo o Mato Grosso do Sul, onde colheu depoimentos sobre a vida dos indígenas que estão na luta pela terra. “Visitando essa região, me sinto em um lugar onde direitos humanos não existem”, enfatizou Salil. “O Brasil tem se tornado cada vez mais poderoso, mas não consegue garantir o direito de seus cidadãos mais antigos”.

“Milhares de indígenas ainda não tiveram suas terras demarcadas. Isso gera violência e intimidação. Eles estão sendo expulsos da terra, e também estão perdendo suas vidas”. A questão chave para entender o emaranhado de conflitos da região, para Salil, é a demora na demarcação dos territórios indígenas. “Uma justiça que demora é uma justiça que é negada”, afirmou às lideranças.

“Vocês colocam suas vidas em risco para garantir os seus direitos, a sua terra”, pontuou Salil. “Mas essa é uma luta desigual. Um lado tem armas e governo por trás. O outro não tem nada. Mas vocês tem a verdade. Vocês tem história”. Para o indiano, os relatos correspondem a uma realidade comum às demais populações indígenas brasileiras. “É muito doloroso ouvir sobre tantas dificuldades que as comunidades locais estão passando, sabendo que essa não é só a história daqui, mas das comunidades indígenas de todo o país”.

A comitiva se reunirá em Brasília (DF) nesta quinta-feira (8) com o Ministério da Justiça, Secretaria Especial de Direitos Humanos e Secretaria Geral da Presidência da República. “A presidente do Brasil se recusou a nos receber. Talvez ela não queira ouvir sobre a realidade que encontramos aqui hoje”, concluiu.

visita sally anistia ruy sposati1

Brasília

Na manhã de quarta (7), em Brasília, governo federal, povos indígenas e ruralistas decidiram pela indenização de fazendeiros com títulos de propriedade em terras indígenas no Mato Grosso do Sul. A medida vem para garantir às populações tradicionais o direito a posse definitiva de suas terras. O governo estadual disponibilizará terras para reassentar pequenos agricultores, enquanto a União se comprometerá com os recursos indenizatórios. As lideranças indígenas presentes, porém, reivindicaram definições mais precisas sobre a promessa do governo.

Foto: Ruy Sposati/Cimi

 

 

Fonte: Brasil de Fato 

+ sobre o tema

Feliciano reabrirá ao público sessões de comissão, diz líder do PSC

  Pressionado pela cúpula da Câmara e pelo próprio partido,...

Manifestantes em prol dos direitos humanos fazem protesto em Cuiabá

Membros de institutos, ONGs e estudantes fizeram protesto na...

Ex-vítimas de trabalho escravo ganham vida nova em estádio da Copa

José Divino da Silva, de 58 anos, ainda...

para lembrar

Índios proibidos de comer na escola

Vários casos de racismo e intolerância envolvendo alunos...

Maceió: Movimento negro denuncia ação de policiais à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos

Representantes do movimento negro, a professora universitária Franqueline...

Classe média antipetista irá pagar em breve o preço de apoiar Temer

O colunista Jânio de Freitas, em artigo publicado na...
spot_imgspot_img

Ministério da Igualdade Racial lidera ações do governo brasileiro no Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU

Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, está na 3a sessão do Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU em Genebra, na Suíça, com três principais missões: avançar nos debates...

Conselho de direitos humanos aciona ONU por aumento de movimentos neonazistas no Brasil

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, acionou a ONU (Organização das Nações Unidas) para fazer um alerta...

Ministério lança edital para fortalecer casas de acolhimento LGBTQIA+

Edital lançado dia 18 de março pretende fortalecer as casas de acolhimento para pessoas LGBTQIA+ da sociedade civil. O processo seletivo, que segue até...
-+=