Sem representatividade no Congresso, eleições têm 85 candidatos indígenas

Carolina Garcia

Líderes de diferentes etnias buscam na política a oportunidade de dar voz às aldeias; índios são mais de 800 mil no Brasil

A política indigenista ganha novo fôlego nas eleições 2014. Com 85 candidatos a cargos públicos, de acordo com as estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), indígenas buscam retomar o legado de líderes do passado, fortalecer a própria cultura e mostrar o caminho das aldeias para as políticas públicas. Para sociólogos e antropólogos, o índio busca representação nas esferas federal e estadual para falar a vontade do próprio povo, sem intermediários. Atualmente, não existe candidato de origem indígena no Congresso, em Brasília.

O Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010 mostrou que a comunidade indígena do Brasil é formada por 817.963 pessoas de 305 diferentes etnias, que estão presentes em todos os Estados. No dia 5 de outubro, índios disputarão cargos de vice-governador (1), senador (3), deputado federal (25), deputado estadual (52), deputado distrital (2), senador 1º suplente (1) e senador 2º suplente (1).

Pela primeira vez, o TSE realizou o mapeamento dos candidatos usando o critério “cargo/cor ou raça”. Entre as cinco raças citadas no estudo, a indígena ficou em último lugar, com a menor porcentagem de representantes (0,33%). Atrás de outras minorias como negros (9,27%), com 2.420 políticos, e amarelos (0,46%), com 116.

Embora a justiça eleitoral não tenha um balanço para oficializar o grau de participação indígena em outras eleições, o antropólogo Carlos Alberto dos Santos, o Kaká Wera, de 50 anos, candidato do PV ao Senado, diz que o engajamento dos indígenas aumentou e merece atenção da sociedade não-índia.

“Nos últimos 20 anos, a combatividade das lideranças indígenas e capacidade de articulação nas relações interétnicas com a sociedade melhorou muito. Tanto que no início dos anos 90 não tínhamos organizações indígenas. Hoje somos mais de cem pelo Brasil”, explicou.

A atuação de figuras como o líder xavante Mario Juruna, primeiro deputado federal indígena do Brasil, eleito em 1983, e que virou tema de filme, e João Neves Silva, que foi o primeiro prefeito indígena brasileiro, eleito na cidade de Oiapoque, no Amapá, impulsionou o engajamento dentro de aldeias pelo País. Inclusive a questão indígena foi tema de uma pergunta para a candidata Dilma Rousseff (PT) durante o debate de presidenciáveis, na última terça-feira (26).

Lutar contra o atraso político

Se de um lado aumentou a atuação política, o respeito aos direitos humanos dos índios seguiu na direção oposta. “Os direitos conquistados na própria Constituinte de 1989, como o uso da terra e de viver de acordo com as suas tradições culturais, têm sido uma pedra enorme no nosso caminho”, disse o antropólogo Wera, ressaltando o atraso de 25 anos na demarcação de terras indígenas pelo País. “Menos de 10% do que já estava em estudo avançado foi homologado.”

O atraso político do Brasil em relação às novas demarcações preocupa o candidato. “Com o passar dos anos os setores ruralistas e conservadores podem ser favorecidos porque tentam mudar as leis e tirar do Executivo o poder de demarcar as terras. Podem ocorrer novas invasões e conflitos”, diz. Ele acredita que o atual cenário político é um retrocesso na lei que deveria preservar os direitos indígenas.

Adotado por uma aldeia guarani em São Paulo após a morte dos pais, ele recebeu o nome guarani Wera Jecupé (que significa raio sobre o chão). E conquistou a função de interlocutor dos guaranis quando a aldeia, em Parrelheiros, na zona sul da capital, disputava a posse das terras. Em 1994, o candidato criou o Instituto Arapoty, que divulga o conhecimento das culturas indígenas e oferece apoio para as aldeias nas regiões Sudeste e Nordeste. Em São Paulo, por exemplo, quase 40 mil índios se distribuem em 29 terras, sendo apenas 12 demarcadas.

Para o representante do PV, é o momento da sociedade aproximar-se dos índios e conhecê-los. “Entre mais de 300 etnias, temos quase 40 que preferem o isolamento. Mas não é essa mais a realidade da maioria dos povos. Lutamos porque sabemos que [as áreas homologadas] não são nossas, mas uma floresta em pé garante a vida das futuras gerações, indígenas ou não”, defendeu.

“Não queremos viver nas cidades”

A artesã Silvana Terena (PPS), de 39 anos, é candidata a deputada federal por Mato Grosso do Sul, Estado que abriga mais de 70 mil indígenas em 26 municípios. Criada na aldeia de Anastácio, cidade localizada a 141 km da capital Campo Grande, Silvana viu os pais abandonarem a vida rural para que ela e os irmãos pudessem ir à escola. Ela discorda de Wera sobre a preferência do índio ao não isolamento.

Sem representatividade no Congresso, eleições têm 85 candidatos indígenas
Sem representatividade no Congresso, eleições têm 85 candidatos indígenas

As políticas públicas não chegam às aldeias. Se os políticos tivessem plano de governo para a comunidade indígena, jamais teríamos saído das aldeias para a capital. Não queremos viver em cidades”, desabafa a candidata, que mora na primeira aldeia urbana, Marçal de Souza, na capital do Estado.

Silvana defende ainda que os indígenas devem receber o mesmo tratamento que o atual governo dá para outras etnias, como a cota racial para negros, que facilita o acesso às universidades.

O que para muitos poderia sentenciar a campanha de Silvana, para ela é indicação do futuro. Seu partido, o PPS, oficializou apoio a Reinaldo Azambuja, candidado do PSDB ao governo do Estado e ruralista, terceiro nas pesquisas de intenções de voto. A coaligação com o “maior inimigo”, considerando o embate entre indígenas e ruralistas pelo poder das terras, poderia representar futuros diálogos em busca pela paz. “Sou constantemente questionada por isso. A política é assim e precisamos negociar.”

Fonte: Último Segundo

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