Seminário sobre igualdade racial na mídia defende militância e aproximação étnica

Fonte: Sindicato dos Jornalistas –

Os veículos de comunicação desde 2003 vêm aumentando seu espaço editorial em artigos, reportagens e colunas assinadas para combater as ações afirmativas em busca da igualdade social. A solução para combater o problema está em manter a defesa das propostas de aproximação de todas as etnias e a continuidade da militância permanente contra a discriminação em todas as formas.

No seminário “Comunicação e ação afirmativa: o papel da mídia no debate sobre igualdade social”, os debates se concentraram em três painéis: “Cobertura da ação afirmativa no Brasil”, “Responsabilidade social da mídia e o debate sobre raça” e “Da opinião publicada à opinião pública: a fabricação de um consenso anticotas no Brasil”.

Escravidão sem racismo

Muniz Sodré disse que em geral não havia racismo na escravidão que tornou-se anacrônica diante dos interesses industriais da sociedade capitalista. Lembrou personagens de época, como Alberto Torres, presidente do Estado do Rio, que era um fazendeiro conservador, mas nunca pregou a inferioridade do negro. “A escravidão era pau, ninguém discute. Destinava três ‘P’s aos escravos: pano, pão e pau, mas nunca foi racista.”

Para fazer valer as ações afirmativas, o professor da UFRJ e atual diretor da Biblioteca Nacional, considera fundamental políticas que favoreçam a aproximação das diversas cores em todos os ambientes sociais. “O que não pode é ficar parado. É preciso ir para as ruas. A militância é fundamental para a mudança desse quadro. Nesse sentido, a política de cotas nas universidades é uma das prioridades”, acentuou.

Discriminação sem fronteiras

Na sua opinião, o racismo está disseminado por todo o mundo, associado em geral a um “mal-estar” provocado pelas correntes conservadoras, embora não se possa colocar como um problema próprio da direita. “Há jornalistas como Elio Gaspari, Miriam Leitão, entre outros, que não são de esquerda e defendem as cotas como uma tese justa e necessária para a afirmação do negro.”

A discriminação está latente em todas as instituições e, segundo Sodré, não é diferente nos veículos de comunicação e no mundo acadêmico. Disse que está há cerca de 40 anos na UFRJ e é o único professor negro a passar pela instituição nesse período. A UFRJ não fez nada com relação ao problema e apenas na Bahia a situação melhorou muito com a implantação das cotas.

Mau exemplo na academia

“Poderia contar muitos episódios chatos ocorridos comigo, mas falarei de apenas um. Tive um aluno muito bom, negrão, que fez concurso para a UFRJ e UFF e não passou. Depois, na Fiocruz, passou em segundo lugar, disseram que não tinha vaga e tempo depois o terceiro colocado é que foi chamado. Ele foi claramente discriminado em todos esses concursos”, enfatizou.

Os primeiros resultados de uma pesquisa realizada por professores do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) apontam que desde 2003 aumenta a cada ano o espaço editorial contrário às ações afirmativas e principalmente às cotas nas universidades. “Na revista Veja e no jornal O Globo, praticamente a metade do espaço em editoriais, reportagens e comentários em colunas são destinados a ataques contra as ações afirmativas”, informou João Féres, professor e pesquisador do Iuperj. Na Veja, 77% dos artigos pesquisados no período são contra as ações afirmativas.

Cotas? Somos contra!

A pesquisa “A mídia impressa no Brasil e a agenda de promoção de igualdade racial” teve como principal conclusão o fato de que os jornais são contra a criação de políticas que incentivam a mobilidade social dos negros no Brasil. “Não podemos nos iludir porque os jornais têm uma lógica capitalista. Mas podemos reagir e este evento serve como exemplo”, explicou Rosângela Malachias, professora do Ceert. Realizada pelo Ceert (Centro de Estudo de Trabalho e Desigualdade), a pesquisa analisou o conteúdo editorial dos jornais O Globo, Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo entre 2001 e 2008.

Os resultados dessas pesquisas foram corrobados pela jornalista Míriam Leitão, do jornal O Globo. Lembrou que em 2003, quando se iniciou o debate sobre cotas, participou da edição do caderno “A cor do Brasil”, vencedor de um prêmio relevante. “Naquela época pensei que o Brasil daria início a um debate na mídia que favorecesse a valorização do negro na sociedade. Hoje, vejo que os veículos de comunicação foram dando muito mais espaço para criticar a proposta. Até as reportagens já são escritas de forma editorializada, sempre com opiniões contrárias.”

Sem medo da hegemonia

Especializada em economia, a jornalista disse que o racismo no Brasil é muito bem-sucedido porque aqui não houve necessidade de adotar medidas explícitas de segregação. “Ele foi se construindo aos poucos, minando as consciências, estabelecendo padrões de beleza, dividiu a sociedade. Os brancos não se importam de serem hegemônicos.”

As festas promovidas pelas pessoas das classes mais ricas, há 120 anos, são exatamente iguais às de hoje com relação aos papéis vividos por brancos e negros. “Os negros não são convidados para participar. Só estão ali como subalternos, servindo canapés ou divertindo os brancos”. Para mudar essa realidade, a cota é valiosa como ferramenta para gerar novas ações afirmativas e permitir que o Brasil se encontre com ele mesmo, acentuou a jornalista.

Só mudam os discursos

As justificativas contra as ações afirmativas se modificam de acordo com a evolução do debate. As pesquisas revelam que os argumentos contra as cotas em 2003 estavam muito mais relacionadas com o fato de “não levarem em conta o mérito” e que o caminho indicado seria investir no ensino médio. “Os artigos a favor praticamente desaparecem das páginas e os contrários dispararam entre 2008 e 2009. Agora, prevalesce o argumento de que a cota acirra o conflito racial”, disse o professor João Féres.

Além dos veículos de comunicação, as publicações contrárias às ações afirmativas também foram muito citadas e criticadas, como o livro “Não somos racistas”, do jornalista Ali Kamel, diretor de Jornalismo da Rede Globo, e a participação ativa do pensador Demétrio Magnoli. Apesar dos frequentes e sucessivos ataques da mídia, que aumentaram de intensidade nos últimos anos, Miriam Leitão acredita que não existe um consenso anticotas no Brasil.

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