As sequestradas nigerianas abandonadas pelo mundo – Por: Fátima Oliveira

No dia 14 de abril, o mundo deveria ter se abalado com o sequestro de entre 230 e 270 garotas estudantes de um internato feminino na cidade de Chibok, no Estado de Borno, na Nigéria, pelo grupo islâmico Boko Haram – que em língua hausa significa “a educação ocidental é proibida” –, cujo líder, Abubakar Shekau, assumiu o rapto: “A educação ocidental deve parar. Vocês, meninas, devem deixar a escola e se casar”, e, por Alá, ameaçou vendê-las! Cerca de 50 das raptadas conseguiram escapar e relataram que “cada menina estava sofrendo 15 estupros por dia, e estariam sendo vendidas para casamento por US$ 12 cada uma”.

Mesmo tendo por foco o ataque às escolas, o Boko Haram tem cometido crimes em série: cerca de 3.000 assassinatos desde 2002, quando foi fundado; o abandono de lares por cerca de 300 mil pessoas; um atentado com carro-bomba em prédio da ONU; a explosão de um ônibus em Abuja, que matou 75 pessoas; e a destruição, em 2013, de 50 escolas, impedindo que 10 mil crianças estudassem!

A indignação mundial, após quase um mês, é débil contra mais um crime abominável do patriarcado – sem falar que são garotas africanas negras –, mas está tomando vulto, inclusive com a participação de Michelle Obama, que disse: “O que aconteceu na Nigéria não foi um incidente isolado. É algo que vemos todos os dias, uma vez que meninas de todo o mundo arriscam suas vidas para perseguir suas ambições”. Ela também tuitou uma foto de si mesma na Casa Branca segurando um cartaz com a hashtag #BringBackOurGirls (Traga as nossas meninas de volta).

A paquistanesa que criou o Fundo Malala para apoiar a educação das meninas no mundo, sobre quem escrevi em “Malala Yousafzai: uma menina que queria apenas estudar” (O TEMPO, 29.10.2013), declarou: “Quando soube que essas meninas haviam sido sequestradas na Nigéria, me senti muito triste, pensei que minhas irmãs estavam na prisão e que deveria falar em seu favor”.

Sequestro de tal monta, numa ação única, é algo sem precedentes no mundo! Um caso similar, que relato em meu romance “Então, Deixa Chover” (Mazza Edições, 2013), já ocorreu no Brasil em 1901, no maior massacre de índios contra brancos do país, acontecido no Maranhão: “Eram cinco horas da manhã de 13.3.1901, quando 400 índios guajajaras invadiram a Missão de São José da Providência do Alto Alegre. Padres, freiras e dezenas de meninas índias e brancas do internato rezavam quando a capela foi invadida pelo batalhão, usando espingardas, facas, facões e tacapes”. Mataram quatro padres, sete freiras, 40 crianças, e, das 43 famílias de colonos, apenas dois escaparam!

Conforme o jornalista Antonio Carlos Gomes Lima, em “O Massacre de Alto Alegre”: “Dos dramas pessoais, o da adolescente Maria Perpétua dos Reis Moreira, a Perpetinha, é o mais presente na memória e no imaginário das populações de Barra do Corda e de Grajaú. Ela e duas outras meninas internas do convento das freiras em Alto Alegre, filhas de comerciantes de Barra do Corda e de Grajaú – Úrsula e Isabel, que foram resgatadas – foram poupadas da morte e conduzidas pelos guajajaras em fuga… Jauarauhu levou Perpetinha… Tiveram filhos. Anos depois, um seringueiro reconheceu-a naquela região e quis trazê-la para a companhia dos pais. Ela não quis.

Muitos dizem que, após aqueles acontecimentos, encontravam, entalhada em árvores de casca grossa, na floresta, a seguinte inscrição: ‘Por aqui passou a infeliz Perpetinha’”.

É uma história que ouvi muito contada por mamãe, que faleceu no dia 10 de maio.

 

 

 

Fonte: O Tempo 

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