Silêncio racial na cobertura midiática do massacre de Charleston nos Estados Unidos se espelha no Brasil

Garoto de 16 anos é preso pelo assassinato de Jaime Gold na Lagoa. Foto: O Globo

Quando Dylann Roof, um homem branco de 21 anos de idade, alegadamente matou nove afro-americanos na Igreja AME Emanuel em Charleston, Carolina do Sul, na última quarta-feira, houve uma demora de horas para a mídia nacional cobrir a história. O silêncio gerou muitos comentários nas mídias sociais analisados pelo site de notícias Mic demonstrando como os cidadãos americanos lutaram para descobrir detalhes do incidente. Dois dias antes, o Instituto da Mulher Negra, Geledés, tinha publicado uma análise semelhante sobre o silêncio da mídia comparando a cobertura mínima dada a um jovem agressor branco, rico e bem conectado, a um crime violento no Rio, em relação a um menor negro na mesma semana.

no Rio On Watch

O Mic compartilhou fragmentos do tweet do ator Rob Lowe: “Os meios de comunicação devem se envergonhar. 3 horas para entrar no ar e, em seguida, dá descrição detalhada do suspeito SEM mencionar sua raça”. Outros têm perguntado por que o tiro não foi classificado como um ato de terrorismo.

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Ilustração twittada esta semana ilustrando a percepção racial de criminosos nos EUA.

Ao longo dos últimos dias artigos de opinião e numerosos tweets expressaram a frustração sobre o duplo padrão racial que historicamente tem caracterizado a mídia norte-americana. Anthea Butler, Professora Adjunta de Religião e Estudos Africanos na Universidade da Pensilvânia argumenta que afro-americanos e muçulmanos “são rapidamente caracterizados como terroristas e bandidos, motivado pela intenção do mal em vez de injustiças externas”. Em contraste, ela diz que o homem branco atirador é descrito como “um homem solitário, perturbado ou mentalmente doente, um jovem que falhou pela sociedade”. Quanto a Dylann Roof, a âncora do tele-jornal da MSNBC foi relatada dizendo: “Nós ainda não sabemos a sua condição mental”.

O público brasileiro encontra manifestações semelhantes na cobertura da mídia no Rio de Janeiro. No Brasil, onde a raça é ainda mais ligada a classe do que nos EUA (a renda média dos brancos brasileiros é o dobro dos negros), os noticiários são comumente repletos de histórias de violência nas mãos de negros pobres enquanto a violência por brasileiros brancos é sub-relatada.

O artigo publicado pelo Geledés enfatiza esse duplo padrão racial através da comparação da reação da mídia nos dois casos distintos que ocorreram recentemente em bairros adjacentes de classe média alta na Zona Sul do Rio.

No mês passado, quando um garoto negro de 16 anos de idade, da favela de Manguinhos virou notícia nacional por supostamente esfaquear e matar o médico branco Jaime Gold na Zona Sul do Rio, a mídia foi rápida em condenar o rapaz, apesar das repetidas declarações de inocência. O incidente foi usado como combustível para as chamadas para a redução da maioridade penal e a mídia social explodiu com ódio contra o suposto assassino. Os posts incluíam: “Este menor que foi apreendido, deveria ter sido morto”. O mesmo comentarista escreveu sobre jovens infratores: “Essas sementes do mal precisam ser eliminadas”, enquanto outro usuário do Facebook declarou: “Os pais que querem transar, que se protejam para não colocarem esses vermes entre nós”.

De acordo com O Globo, o presumível criminoso tem negado firmemente envolvimento no crime e outros dois menores, desde então, confessaram. No entanto, isso teve pouco efeito na contenção de um ataque prematuro da mídia.

O delegado titular do caso foi citado na mídia no momento da prisão dizendo: “Duas coisas me chamaram a atenção nesse caso. A frieza do adolescente infrator e a forma covarde, sem nenhum sentimento pelo outro ser humano”.

Algumas semanas mais tarde, quando um branco de classe média alta, José Phillipe Ribeiro de Castro, foi preso por furar e cortar uma jovem mulher com um saca-rolhas e arrancar a orelha de seu noivo, a reação do público foi muito diferente.

José Phillipe é descrito pelo O Globo como “bonito”, nascido em berço de ouro e com “vários diplomas”. Sua ex-namorada o descreve como tendo uma longa história de problemas de ciúme e raiva. Desde sua ambição pela carreira a brigas com seus pais, seu passado é discutido exaustivamente. A delegada responsável pelo caso é citada no entanto, apenas com uma resposta silenciada: “Ele deve responder por isso, independentemente de sua classe social”.

José Phillipe tem uma ficha criminal de agressão e violência, foi capturado em vídeo, e confessou o crime. No entanto, a imagem de um bandido frio concedida pela grande mídia e nas mídias sociais para os menores pobres negros está ausente nesse caso.

‘Playboy’ José Phillipe Ribeiro de Castro sendo preso. Foto: O Globo
Playboy’ José Phillipe Ribeiro de Castro sendo preso. Foto: O Globo

As circunstâncias dos crimes de Dylann Roof e José Phillipe são bastante diferentes, no entanto, a cobertura da mídia de ambos os casos implicou apoio social. A raiva racista de Roof encontra simpatia em um Estado que ainda tremula uma bandeira confederada e um juiz que equivale a vitimização da sua família com as nove pessoas que ele matou. A arrogância de José Phillipe reflete uma sociedade onde status social e privilégio permite que o mau comportamento de um “menino branco rico” continue sem impunidade. Em ambos os casos, esses criminosos estão de alguma forma sendo visto de forma menos maléfica por serem brancos.

No entanto, enquanto as mídias sociais nos EUA têm sido bombardeadas com condenações da mídia após o tiroteio em Charleston, o preconceito racial semelhante presente na mídia no Rio ainda não temrecebido tais críticas generalizadas. O Brasil ainda está desacostumado a discutir profundamente o preconceito racial, e aborda o assunto um pouco como o policial fotografado contendo o “playboy“, de modo hesitante e relutante.

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