Sobre a redução da idade penal

Entrevista com Oscar Vilhena
Por Iracema Sales, no Rolim

Radicalizar na educação, porque escola de má qualidade amplia frustração. Esta é a proposta do advogado Oscar Vilhena, diretor executivo da ONG paulista Conectas Direitos Humanos, afirmando que o Brasil se nega a enfrentar os seus verdadeiros problemas. Um deles, o setor de segurança pública, que não foi reformado desde a redemocratização do País, critica. Reduzir para 16, 14, 12, 10 a idade penal não resolverá o problema, como o Código Penal não tem sido a solução para os mais de 900 mil homicídios praticados no País nos últimos 20 anos, analisa.

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo em termos de distribuição de renda. Como o senhor analisa a situação do adolescente e do jovem neste contexto de desigualdade?

A persistência de abissais padrões de desigualdade tem um forte impacto no esgarçamento do tecido social brasileiro. Assim não são apenas os jovens que sofrem, mas toda a sociedade, em especial aqueles que se encontram na base da pirâmide.

Essa situação tem reflexos nas próprias instituições e no próprio mercado comprometendo o futuro da população jovem?

A desigualdade quebra laços de cooperação, dificulta o funcionamento das instituições, reduz inclusive o potencial de bom funcionamento do mercado. A questão da desigualdade para o jovem, no entanto, e que compromete qualquer projeto futuro e sem perspectivas, busca estratégias de sobrevivência que não serão boas nem para ele, nem para a sociedade.

Na sua opinião, os jovens seriam as maiores vítimas dessa sociedade desigual marcada pelo consumismo e pela falta de perspectiva que vem dos próprios pais?

Os jovens e as crianças não optaram para vir ao mundo, foram trazidos por nós. Com isto, surge uma enorme responsabilidade por parte dos adultos de prover condições dignas de existência para os mais jovens. Como sociedade temos faltado com nossa responsabilidade. Não provemos boas condições de vida, educação ou saúde adequadas. Vale ressaltar que foram compromissos assumidos pelos adultos por intermédio da Constituição e pelo Estatuto da Criança do Adolescente (ECA).

O que isso pode significar para o jovem, ou seja, quando ele percebe que a sociedade não está cumprindo a sua parte?

Os jovens perdem a razão para cumprirem a sua parte também. Ou seja, estamos construindo uma sociedade onde não haverá confiança entre as pessoas, e, entre estas e as instituições. E isto é a recita para o caos.

Como o senhor recebe essa grita de alguns setores da sociedade, principalmente após a morte do garoto João Hélio Fernandes Vieites, de 6 anos, no Rio de Janeiro, trazendo à tona a discussão em torno da redução da maioridade penal no Brasil?

Entendo como uma reação profundamente justificável. As pessoas ficaram aterrorizadas e este é o único sentimento que qualquer ser moral pode ter em face de atos bárbaros. O dia em que perdermos nossa capacidade de indignação estaremos finalmente liquidados. A questão é não permitir que indignação nos cegue. O Brasil vem se negando a enfrentar os seus verdadeiros problemas na área de segurança pública.

Como o senhor analisa a questão da segurança pública no Brasil?

Se houve um setor de nosso Estado que não foi reformado desde a redemocratização foi o setor de segurança pública. A resistência e os interesses corporativos são fenomenais. Os governadores não têm coragem de mexer com suas polícias e o Senado impede qualquer movimento. Assim a reação sempre vem no sentido de mudar leis. Evidente que não sou contrário ao aperfeiçoamento de leis, porém o que falta no Brasil são condições que previnam o crime e instituições capazes de aplicar a lei quando ela for quebrada. A redução da idade ou aumento de penas é uma resposta meramente simbólica.

Existem exemplos de países onde a idade penal diminuiu e os índices de violência juvenil baixaram também?

Olha, a redução da criminalidade está ligada a inúmeros fatores como igualdade, crescimento econômico, emprego, religião, urbanização e aplicação do Direito também. As pessoas precisam ter condições de respeitar o direito e saber que sua violação será responsabilizada. Os jovens não podem deixar de ser responsabilizados pelas suas faltas, afinal, não são animais. São gente e precisam ser formados moralmente como seres capazes de respeitar os demais e a responsabilizações e parte essencial desse processo.

Mas o Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê essa responsabilidade do jovem….

O ECA não deixa de responsabilizar e punir. É bom que se diga que muito jovem fica preso mais tempo que adulto pela prática do mesmo ato. O problema que se discute é quando o jovem comete um crime, extremamente cruel e não pode ser punido proporcionalmente. O desafio é achar a proporção adequada.

Quais os riscos de uma lei desse tipo ser aprovada, principalmente porque é movida pela comoção nacional em torno do caso do garoto carioca?

A comoção não pode ser vista como algo ruim, como já disse. O que temos e que usá-la para alterar as instituições que pouco têm contribuído para que o Brasil se pacifique.

Numa sociedade desigual como a brasileira, os jovens pretos e pobres já não pagam uma pena, ou seja, não têm um papel na sociedade?

Não podemos confundir pobreza com violência. Senão, todos os pobres seriam criminosos, e isto está muito longe de ser o caso. A desigualdade sim, é um fator da violência, mas novamente devemos tomar cuidado. Não podemos simplesmente nos escudar nesta muleta. Devemos lutar contra a desigualdade e, ao mesmo tempo contra a crueldade e a barbárie da violência. São movimentos concomitantes. A criança não pode ser tratada como um ser destituído de responsabilidade moral e, consequentemente, de responsabilidade jurídica. É evidente que o grau de responsabilidade deve ser diferenciado da do adulto.

O que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a questão da maioridade penal? Os centros educacionais propostos pelo ECA são semelhantes a penitenciárias. Os jovens infratores já não cumprem pena no Brasil?

O ECA é claro ao afirmar que a maioridade penal se dá aos 18 anos. Isto não significa que o jovem não seja punido. Convido aqueles que tiverem alguma dúvida a visitar a FEBEM, em São Paulo. A questão é que a responsabilização se dá em termos distintos da dos adultos, o que é razoável que aconteça.

A que o senhor atribui as altas taxas de violência juvenil que, embora atinja todas as classes sociais, é na pobreza que ela se apresenta de forma mais cruel?

A contribuição dos jovem para a criminalidade violenta é muito pequena, se comparada aos adultos. Quem mata no Brasil são, fundamentalmente, os adultos. É por esta razão que digo, a simples aplicação do Código Penal para os jovens não resolverá o problema. Se o Código Penal fosse a solução, mais de 90% dos homicídios não aconteceriam. Podemos melhorar as nossas leis, mas sabendo que o principal não está aí. O que precisamos, de fato, são de instituições modernas, eficientes e racionais para lidar com o problema da criminalidade que está corroendo a sociedade brasileira.

Na sua opinião, qual a perspectiva de um país que pretende crescer e deixa sua juventude morrer em brigas de gangues ou se tornar refém do traficantes?

Nós estamos deixando uma herança terrível para os nosso filhos e netos. O que não resolvemos, hoje, nos ameaçará num futuro muito próximo. O que o jovem precisa é de perspectiva. Além de boa educação e inserção no mundo do trabalho. Para os que cometem crimes, responsabilização. Reduzir para 16, 14, 12, 10 anos de idade a responsabilidade penal, não resolverá o problema, como o Código Penal não tem sido a solução para aos mais de 900 mil homicídios praticados no Brasil nos últimos 20 anos.

Qual o papel da escola e da família no processo de formação da juventude, no sentido de ele se torne mais sensível ?

Muitas vezes, a família não dá conta dos jovens, não porque não queira, mas por estar dilacerada. Os programas de apoio às mulheres que, no Brasil, se tornaram o único esteio da família, têm que ser fortalecidos. A escola também não pode ser responsabilizada por tudo, deve ser apoiada. Os governos devem radicalizar na educação. Escola de período integral; programas profissionalizantes e crescimento econômico para integrar os jovens no mercado de trabalho. Escola de má qualidade apenas amplia a frustração.

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