Thereza Santos – Teatróloga, professora, filósofa e militante negra

Após perguntarmos quantas escritoras negras você leu, sentimos a necessidade de dividir, refletir, visibilizar, de alguma forma, as que até agora conhecemos. Neste texto, lembraremos de Thereza Santos, uma mulher negra, militante feminista, com participação política e partidária, influente de diferentes maneiras e com habilidades e inteligências múltiplas.

Por Nênis Vieira Do Blogueiras Negras

Nascida no Rio de Janeiro, Thereza Santos participou de partidos comunistas e “em 1984, o governo de São Paulo criou o Conselho Estadual da Condição Feminina. Alertado pelo programa da radialista negra Marta Arruda de que não havia negras entre as 32 conselheiras convocadas, o conselho convidou Thereza Santos, que militava no movimento negro ao lado de Sueli Carneiro, teórica da questão da mulher negra. Na gestão seguinte, foi a vez de Sueli fazer parte do conselho. Estudiosa dos temas raciais e de gênero, Thereza viveu por cinco anos no Continente Africano, contribuindo para a reconstrução cultural de Angola, Cabo Verde e Guiné Bissau.”¹

Nos baseando no tempo em que Thereza militou, é fácil entendermos muitas falas problemáticas que não nos impulsionam para uma solução ou um debate mais profundo em relação às mulheres negras, seus espaços e suas lutas, mas também com base no tempo de sua militância, é possível compreendermos o quão importante suas falas são e foram para o movimento negro e para o movimento feminista que, em 1984, era algo muito mais burguês do que possamos imaginar; a ideia da revolução da mulher enquanto a mulher negra permanece na cozinha era muito mais visível e fixada do que hoje é. Na entrevista abaixo, podemos compreender melhor as falas que não nos cabem mais e também podemos visualizar como o movimento feminista negro têm avançado e apesar disso, como esse avanço por maior que seja, ainda é muito aquém perante às necessidades de nós, mulheres negras.

Nota-se a insistência em falar sobre o homem negro, também a referência da mulher branca e dos padrões da sociedade impostos mais fortemente, e a visão da emancipação da mulher negra como mão de obra barata, na cozinha, servindo a família branca e ao homem negro, vê-se que o foco maior (ainda que numa fala sobre a mulher negra) permanece no homem negro. Nota-se mais ainda que muita coisa não mudou desde essa entrevista, realizada em 1985. A mulher negra ainda é objeto, a mulher negra ainda é explorada pela sociedade e pelo homem negro, a mulher negra ainda é solitária, a mulher negra ainda é excluída de espaços feministas diversos, a mulher negra ainda é utilizada para fazer número, a mulher negra ainda tem seus direitos negados e a mulher negra ainda é matriarca de sua própria família (onde o homem deixa toda a responsabilidade nas mãos dela) e da família branca (onde a mulher negra cuida, educa e alimenta os filhos da mulher branca). Thereza defendia que a mulher negra não é forte apenas por ela, mas ela é a que fortalece o homem negro, não apenas economicamente, mas emocional e religiosamente, onde Thereza afirma que ainda é a mulher negra que defende, compartilha e leva a frente a educação religiosa.

Números retirados de um trabalho de CENSO, aumentaram e diminuíram, mas a mulher negra ainda possui o menor salário e maior carga de trabalho, a mulher negra ainda é objetificada, ainda troca seu almoço pela sua janta e ainda vê seus filhos e filhas serem assassinados diariamente pela polícia nas ruas.

Thereza, ao falar de religião, toca no assunto do matriarcado religioso e de vivência também. Onde ela pede para termos atenção na diferença (que é enorme) entre o matriarcado africano e o matriarcado brasileiro, o que o movimento negro não consegue compreender muito bem, visto que é liderado na grande maioria das vezes por homens.

Em 2008, uma auto biografia foi publicada entitulada “Malunga Thereza Santos: a história de vida de uma guerreira” onde ela narra suas experiências de infância, juventude e também fase adulta, ressaltando importantes períodos de luta armada para emancipação de países como Guiné Bissau. O movimento negro brasileiro seria outro se Thereza não tivesse uma participação tão ativa, até mesmo com atuações partidárias e políticas diretamente dentro do conselho Estadual.

 

Além de entrar na nossa seleção de mulheres negras que precisamos conhecer e ler, Thereza Santos teve importância demais no auxílio do reconhecimento étnico-racial dentro da afrobrasilidade. Após ter se exilado em Angola, voltar ao Brasil e viajar novamente para países no continente africano, Thereza publica sua autobiografia e após isso, doa seus materiais de pesquisa (grande maioria livros) para UFSCar, o projeto toma forma como uma coleção, esta que ‘faz parte da Unidade de Ensino, Informação e Memória (UEIM) da UFSCar. É composta por diversos objetos de arte da cultura africana e livros que foram doados pela própria Thereza Santos ao Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab) da Universidade. Todos os materiais doados foram adquiridos ao longo da vida de Thereza Santos, em suas viagens à África, e retratam a sua trajetória de luta pelo reconhecimento e pertencimento à identidade étnico-racial negra.

Um trabalho desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar pesquisou as contribuições didático-metodológicas de Thereza Santos para a educação das relações étnico-raciais. A iniciativa foi premiada no Concurso Nacional de Monografias 2009, promovido pela Coordenação de Educação a Distância da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade e com o Ministério da Educação.’²

A história de Thereza Santos ainda não foi finalizada. Somos muitas, somos fortes, e continuaremos a existir, escrever, debater, desconstruir, organizar e desorganizar.

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