Uma carta de resposta dos judeus que não riram

Roberto Tardelli achou por bem utilizar o espaço de que dispõe para ensinar como os judeus devem se comportar. Para dizer o que devem fazer ou deixar de fazer. Para indicar de que forma devem resistir ao fascismo, que vai ganhando terreno na sociedade brasileira. Sabe o nome disso?

Por Daniel Douek, do Justificando 

O autor vai além. Despreza os judeus que resistiram. Os coloca do mesmo lado daqueles que riram. Afirma que sua contribuição foi a de “elevar ainda mais o tom do genocida palestrante”.

Protesto em frente ao Clube A Hebraica, do Rio de Janeiro. Foto: Ramon Aquim/Mídia NINJA.

Quer dizer que as baboseiras criminosas que o inominável deputado vomitava para uma plateia de gente preconceituosa são de responsabilidade dos judeus, e só dos judeus? Que os judeus que resistiam “nada mais faziam do que sua obrigação”? Que os judeus “deveriam ter invadido o recinto e esmurrado” aquela gente?

E por quê? Por causa de sua história?

Aqui entre nós, talvez seja o caso de dizer o óbvio: campo de concentração não é escola de direitos humanos. Ao contrário, desumaniza; corrói corações, mentes e almas; dilacera a fé nos homens e na própria possibilidade de humanidade; deixa marcas indeléveis, que perduram mesmo entre gerações que não vivenciaram o extermínio; não é atalho para a vida digna, mas um obstáculo a ser transposto.

Deviam os judeus ter aprendido algo? Os judeus? O equívoco da pressuposição está na transferência, às vítimas, da responsabilidade pelo aprendizado, seja lá do que for.

Há alguns anos, ao discutir a afirmação deplorável de que “os judeus não aprenderam nada com o holocausto”, o pedagogo — e irmão caçula  – Gabriel Douek foi certeiro:

O que está por trás deste tipo de afirmação é a crença de que o assassinato de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial ocorreu para ensinar algo a esse povo.

Assim, dizer que os judeus deveriam ter aprendido algo, e não aprenderam, é conceber o genocídio judaico como uma espécie de “lição” ou “castigo” que não surtiu efeito. E ainda mais: é afirmar que o holocausto não foi suficiente.

Para superar a dor e curar o trauma, é preciso um esforço diário. Apesar de tudo, a aposta humanista segue viva e estava bem ali, para quem quisesse ver, no grito desesperado de todos aqueles que protestavam, do lado de fora do auditório.

Quem exige (ou reivindica) a superioridade moral dos judeus devido à sua experiência histórica talvez não perceba, mas a ideia se sustenta na concepção fascista de que “a violência educa”.

Sabe quem se vale dessa lógica? Justamente aquele a quem devemos interditar.

Daniel Douek é Cientista Social, mestre em Letras pelo programa de Estudos Judaicos e Árabes da USP.

+ sobre o tema

Nath Finanças entra para lista dos 100 afrodescendentes mais influentes do mundo

A empresária e influencer Nathalia Rodrigues de Oliveira, a...

Ministério da Igualdade Racial lidera ações do governo brasileiro no Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU

Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, está na 3a sessão do...

Crianças do Complexo da Maré relatam violência policial

“Um dia deu correria durante uma festa, minha amiga...

Concurso unificado: saiba o que o candidato pode e não pode levar

A 20 dias da realização do Concurso Público Nacional...

para lembrar

Na Bahia de pele preta, Segundo Sol é coberto por nuvens do racismo

A Bahia sempre está na moda. Agora, brilha no...

Chega de achar comum ser tratado de forma incomum!

Um dia "normal" no Brasil e no mundo,...

Racismo: Homem é expulso da piscina de seu próprio condomínio nos EUA

O caso viralizou nas redes: um homem registrou toda...

presidente do MAC (Marília Atlético Clube) é acusado de racismo

O atual presidente do MAC (Marília Atlético Clube), Hely...
spot_imgspot_img

Quanto custa a dignidade humana de vítimas em casos de racismo?

Quanto custa a dignidade de uma pessoa? E se essa pessoa for uma mulher jovem? E se for uma mulher idosa com 85 anos...

TSE forma maioria para tornar Bolsonaro inelegível por mentiras e ataques ao sistema eleitoral

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) formou maioria nesta sexta-feira (30) para tornar Jair Messias Bolsonaro (PL) inelegível até 2030, quando terá 75 anos. Quatro dos sete ministros da corte...

Unicamp abre grupo de trabalho para criar serviço de acolher e tratar sobre denúncias de racismo

A Unicamp abriu um grupo de trabalho que será responsável por criar um serviço para acolher e fazer tratativas institucionais sobre denúncias de racismo. A equipe...
-+=