Violência relacionada a identidade de gênero e orientação sexual faz alunos abandonarem escola

Estudantes são alvo de preconceito de colegas e professores; Temática deve voltar para Base Curricular

POR PAULA FERREIRA / RENATO GRANDELLE, do O Globo

Aos 9 anos de idade Junior Philip foi arremessado por um colega contra a quina da mesa da professora – Fernando Lemos / Agência O Globo

Quando tinha 9 anos, Junior Philip só andava com meninas na escola. Um colega o perseguia, dizendo que ele deveria ter “postura de homem” e, um dia, o empurrou contra a quina da mesa da professora. Junior, inconsciente, precisou ser levado às pressas para o pronto-socorro. Até hoje, tem uma cicatriz. No fim do ensino fundamental, ele se mudou para uma cidade no interior do Espírito Santo, continuou sendo alvo de bullying, e voltou para o Rio depois de meses. Aqui, para que ninguém o ofendesse por ser homossexual, chegou a namorar uma menina, mas o relacionamento durou pouco. O preconceito contra alunos LGBT é comum nas instituições de ensino, por vezes praticado até com a conivência do corpo docente.

Quando tinha 9 anos, Junior Philip só andava com meninas na escola. Um colega o perseguia, dizendo que ele deveria ter “postura de homem” e, um dia, o empurrou contra a quina da mesa da professora. Junior, inconsciente, precisou ser levado às pressas para o pronto-socorro. Até hoje, tem uma cicatriz. No fim do ensino fundamental, ele se mudou para uma cidade no interior do Espírito Santo, continuou sendo alvo de bullying, e voltou para o Rio depois de meses. Aqui, para que ninguém o ofendesse por ser homossexual, chegou a namorar uma menina, mas o relacionamento durou pouco. O preconceito contra alunos LGBT é comum nas instituições de ensino, por vezes praticado até com a conivência do corpo docente.

— A Comissão está discutindo uma política nacional que contemple o tema da sexualidade. E isso vai entrar na discussão da Base Nacional. No meu ponto de vista, o parecer sobre o nome social sinaliza na direção de incorporar esses termos na Base. O debate sobre a questão de gênero já está acontecendo, resta saber como isso vai figurar no documento, mas com certeza vai aparecer — afirma Siqueira. — Há dados que mostram que jovens abandonam a escola por esse preconceito, muitos cometem suicídio. É um problema real. Não é algo que possamos ignorar. É trabalho do conselho fazer normas que façam com que a educação do país melhore. Ignorar essa situação seria um desserviço para o país e descumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Como considerar que todos são iguais se estamos ignorando que essas pessoas estão sofrendo?

O sofrimento levou Johi Farias, homem trans, a largar os estudos no último ano do ensino médio e não voltar mais. Morador de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Johi sempre estudou em escolas públicas e os anos de discriminação culminaram na evasão quando o preconceito partiu de uma de suas amigas.

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— Uma das meninas da turma se aproximou de mim e ficamos amigos. Estávamos em ano de formatura e as meninas ficavam falando sobre vestido para ir à festa, até que minha amiga começou a dizer que eu tinha que usar vestido, ficar com meninos. Eu fiquei tão cheio que eu fui até a direção e disse que queria sair da escola. Nessa época eu estava em depressão, porque eu não estava entendendo o que eu era — conta Farias. — Cheguei a voltar a estudar no ano seguinte, em outra escola, mas fiquei com medo do ambiente e saí de novo. Depois não tive mais coragem de voltar. Vou tentar supletivo só para terminar o último ano.

Problemas no ambiente educacional estiveram presentes ao longo de toda formação de Johi, que embora tenha sempre contado com o apoio da mãe, quase nunca encontrou compreensão entre os colegas e professores:

— Meu corpo e a sociedade foram tentando me colocar naquela caixinha que eu não queria entrar de jeito nenhum. Eu era perseguido por uma garota na primeira série que tentava me bater, me colocava apelido, e eu não entendia porque ela me odiava. Alguns professores riam de mim. Na escola foi sempre um inferno. Desde que entrei até quando saí.

Para Jaqueline Gomes de Jesus, professora do Instituto Federal do Rio, as escolas ainda não sabem como discutir relações de gênero nas salas de aula. Também há dificuldades para identificar a violência psicológica sofrida por estudantes LGBT.

— É comum ver alunos transexuais agredidos por colegas, enquanto os professores dizem que eles merecem apanhar por ficarem se expondo daquele jeito — revela Jaqueline, que é mulher trans e autora do livro “Homofobia — identificar e prevenir” (editora Metanoia). — Há profissionais de educação que reproduzem estereótipos, enquanto outros se sentem reprimidos em falar sobre sexualidade.

Segundo a “Pesquisa Nacional Sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2016”, realizada pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), 73% dos estudantes LGBT já foram agredidos verbalmente por sua orientação sexual, 68% por sua identidade de gênero. O levantamento mostra ainda que 60% dos alunos se sentiam inseguros na escola por conta de sua orientação sexual e 43% por sua identidade de gênero.

No Congresso Nacional, tramita o projeto de lei “Escola sem partido”, que prevê que o Estado não tome parte em discussões sobre gênero e orientação sexual. O projeto sugere ainda a proibição da aplicação de ideologia de gênero na educação. Já a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro discute, desde o ano passado, o Plano Municipal de Educação (PME), que norteará o ensino na cidade na próxima década.

DEBATES NAS SALAS DE AULA

Parlamentares da bancada conservadora propuseram recentemente emendas em alguns artigos do projeto, suprimindo as palavras “gênero” e “orientação sexual” na lista de debates que devem ser desenvolvidos nas salas de aula.

— Essas mudanças refletem a lógica do medo, que afirma que a escola vai interferir nos valores familiares. É um discurso perigoso, porque considera que a instituição de ensino deve ser apenas uma transmissora de conhecimento, e não um espaço para ampliação de horizontes — ressalta o vereador Tarcísio Motta (PSOL), membro da comissão de Educação. — As mudanças no plano municipal são uma reação ao avanço das discussões sobre LGBT na sociedade.

Autor das emendas do PME, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC) não quis dar entrevista.

Vice-presidente da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-RJ, Henrique Rabello de Carvalho avalia que a mídia e a internet aumentaram o debate sobre sexualidade nas escolas, mas acredita que o cenário político não proporcionará mudanças a longo prazo.

— O Poder Legislativo, em todas as esferas, é composto por uma maioria de representantes voltados para o fundamentalismo religioso e a uma forma de pensamento conservador, que entendem somente uma composição de família heterossexual — critica. — Outras identidades não são reconhecidas e, por isso, faltam políticas públicas destinadas a elas.

 

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