Voz ativa contra o preconceito, Karol Conka assume o comando do ‘Superbonita’ e finaliza novo disco

‘Os esquisitos também existem’, diz a rapper curitibana que faz show no Rio

RIO — O texto no corpo do e-mail era bem claro: a equipe do “Superbonita” queria, sem qualquer sombra de dúvida, Karol Conka como apresentadora da nova fase da atração sobre beleza do GNT, que estreia no dia 6 de março. Ainda assim, a primeira reação da rapper de cabelo rosa-shocking foi achar que alguma coisa estava fora da ordem. De cara, ela entendeu que se tratava de um convite para ser mais uma das entrevistadas de Ivete Sangalo, que comandou o programa em suas últimas quatro temporadas.

Por Luccas Oliveira, para O Globo

— Eu fiquei muito surpresa. Mas aí conversei com a Fernanda (Novaes, diretora da atração) e perguntei se ela tinha certeza disso. Eu nunca apresentei um programa, mas sempre quis ser apresentadora — conta Karol, que cita Oprah Winfrey e Hebe Camargo como suas principais inspirações na nova função.

Anteontem, no segundo dia de maratona de gravações, ela já se mostrava confortável com seu primeiro desafio na televisão, tentando ao máximo transformar aquele ambiente em sua própria sala de estar, onde conversaria com novos ou antigos amigos. Depois de entrevistar a funkeira Valesca Popozuda, Karol recebeu o cantor paraense Jaloo — o dia no estúdio montado na antiga fábrica de chocolates Bhering, no Santo Cristo, reservaria ainda papos com a cantora Ludmilla e o casal de atores Débora Nascimento e José Loreto.

Mas, afinal, por que a rapper, uma realidade entre as novas gerações, mas ainda pouco conhecida do grande público, foi a escolhida para apresentar o programa que, além de Ivete, já teve Grazi Massafera, Luana Piovani, Alice Braga, Taís Araújo e Daniela Escobar no comando? Ela enumera algumas teorias:

— Eu tenho uma personalidade transparente e isso é bom para um programa de TV. O público gosta quando tem alguém na linha de frente que fale com todas as línguas. E também por conta do tombamento que eu causei, dessa geração tombamento (uma referência ao seu principal hit, “Tombei”, uma parceria com a dupla de produtores Tropkillaz que a fez estourar para além da cena do rap) aparecer em peso e dizer “sim, a gente existe. Os esquisitos também existem”. E, além de tudo, porque não tem tempo ruim comigo.

Não parece ter mesmo. Durante os intervalos, a equipe do “Superbonita” ressaltava a postura “leve” de Karol. Em certo momento, antes da chegada de Jaloo, ela foi convocada para gravar chamadas do programa e, em uma delas, precisou recitar alguns versos sobre empoderamento diante de um espelho. O texto com oito frases ela precisou decorar ali, na hora — um processo que gerou inúmeras repetições e tropeços, sempre encarados com bom humor.

Hoje com 30 anos, Karoline dos Santos Oliveira cresceu na periferia de Curitiba. Desde criança, já falava para todos que queria ser famosa (“eu brincava de ser uma das Spice Girls no espelho, me montava toda”, contou para Jaloo). Ela cita abertamente casos de racismo que enfrentou na infância, inclusive na escola, por parte de alguns de seus professores. Aos 19 anos, ficou grávida de Jorge, seu primeiro e único filho, e precisou diminuir o ritmo de sua carreira. Nesse meio tempo, Karol, mãe solteira por opção, enfrentou uma depressão que quase abreviou sua trajetória artística. A redenção viria com o lançamento de seu primeiro e, até agora, único disco, “Batuk freak”, de 2013.

“Esses machistas só respeitam a mulher depois que ela ganha mais do que eles, quando fica mais famosa do que eles. Estou pau a pau com os famosos do rap. Agora, eles têm que sentar quando eu falo”, diz Karol Conka – 

O estouro do single “Tombei”, de 2014, levou sua carreira a outro patamar, que seria mantido com “É o poder” (2015). De lá para cá, ela se apresentou em grandes festivais pelo país, como o Lollapalooza no ano passado, destacando-se pela performance energética e os discursos empoderadores — destinados a mulheres, negros e transexuais. Considerada hoje o principal nome do rap feminino do país, Karol cantou na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016, quando dividiu palco no Maracanã com a rapper mirim MC Soffia, de apenas 12 anos.

OPINIÃO POLÊMICA SOBRE ABORTO

Destaque em um meio tradicionalmente machista, ela conta sua receita para ser respeitada:

— Eu tenho feito sucesso. Se uma mulher depender da opinião de um homem no rap, ela não vai a lugar nenhum. Ela vai ficar lavando louça, pagando pau para ele. O que eu fiz foi realmente me aflorar, fechar o ouvido para pessoas específicas e fazer sucesso. Esses machistas só respeitam a mulher depois que ela ganha mais do que eles, quando ela fica mais famosa do que eles. Eu estou pau a pau com os famosos do rap. Agora, eles têm que sentar quando eu falo.

‘Uma opinião sobre aborto não diminui meu feminismo’

Recentemente, Karol gravou com a funkeira MC Carol a música “100% feminista”, que esteve no álbum de estreia da artista niteroiense, “Bandida”, lançado em outubro. Em três meses, a faixa já acumula mais de 3 milhões de reproduções em serviços de streaming. Mas uma entrevista dada ao “Programa com Bial”, do GNT, no fim de dezembro, fez de Karol Conka um alvo entre as próprias feministas — a rapper defendeu o aborto apenas nos casos em que a gravidez acontece por conta de um estupro.

Ela justifica:

— Feminista de verdade respeita a opinião de qualquer mulher. Eu tenho todo o direito de dizer que eu não acho certo sair engravidando e abortando, porque isso faz um mal para a mulher. Mas eu sou a favor do aborto. Nunca vou julgar ninguém que fizer. Se der para prevenir, previne. Se tiver que abortar, aí já é consequência de cada pessoa. Mas eu achei bem desnecessário o posicionamento de algumas pessoas que se dizem feministas, porque eu acho que o feminismo é igualdade. Uma opinião sobre aborto não diminui meu feminismo.

Com o fim das gravações do “Superbonita”, Karol volta a se dedicar exclusivamente a “Ambulante”, seu segundo disco, com previsão de lançamento para abril. Nele, ela retoma a parceira com o duo Tropkillaz. O primeiro single, “Farofei”, tem participação do produtor paulistano Boss in Drama e sai no começo de fevereiro. A faixa ainda não estará no show que Karol faz dia 28 na Varanda do Vivo Rio, mas ela promete cantar um trecho de “Lalá”, música que compôs sobre sexo oral na mulher:

— É um assunto importante para se tratar, porque muitos homens não sabem fazer, têm nojo… Mas depois que essa música entrar na cabeça dos boys, isso vai mudar.

SERVIÇO

Queremos! Tropical: Karol Conka

Onde: Varanda do Vivo Rio — Av. Infante Dom Henrique 85, Aterro do Flamengo (2272-2901). Quando: Sábado (28/1), às 21h. Quanto: R$ 80 (meia-entrada com 1kg de alimento). Classificação: 18 anos.

+ sobre o tema

Como resguardar as meninas da violência sexual dentro de casa?

Familiares que deveriam cuidar da integridade física e moral...

Bruna da Silva Valim é primeira negra a representar SC no Miss Universo Brasil

Bruna da Silva Valim, candidata de Otacílio Costa, foi...

Luiza Bairros lança programas de combate ao racismo na Bahia

O Hino Nacional cantado na voz negra, marcante, de...

Elizandra Souza celebra 20 anos de carreira em livro bilíngue que conta a própria trajetória

Comemorando os 20 anos de carreira, a escritora Elizandra...

para lembrar

Papa Francisco autoriza sacerdotes a perdoar mulheres que fizeram aborto

Pontífice determina que perdão seja dado durante o Ano...

A história de Luana e o genocídio da população negra no Brasil

"Mas tinha ficha criminal" "Deus quis assim, virou anjinho" "Bandido bom...

6 brasileiras que cantam contra o machismo

No ano em que a Lei Maria da Penha...

O mundo contra as mulheres neuroatípicas

Basta entrar em qualquer comunidade relacionada a séries, filmes...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...
-+=