10 acontecimentos que mudaram a vida das brasileiras em 2022

Neste ano de grandes eventos, Marie Claire selecionou marcos como o recorde de participação feminina na corrida presidencial mais polarizada da história recente do país, Copa do Mundo no Catar com árbitras em jogos pela primeira vez, e a atuação central de mulheres indígenas à frente da luta ambiental

FONTEPor Camila Cetrone e Manuela Azenha, da Revista Marie Clarie
Grupo de indígenas brasileiras se destaca em marcha pelo clima em Bruxelas em 23 de outubro de 2022, duas semanas antes da realização da COP 27 (Foto: Romy Arroyo Fernandez/NurPhoto/Getty Images)

O ano que não acaba nunca – parece ser essa a sensação generalizada a poucos dias de entrarmos em 2023. Foram tempos de calmaria em termos pandêmicos, isso é certo. Mas é verdade também que vivemos no Brasil um verdadeiro furacão sociopolítico, especialmente para as mulheres.

Tivemos episódios trágicos e escandalosos que levaram para o debate público temas tabu e que dificilmente chegam às políticas públicas, como o direito ao aborto e a violência obstétrica. Foi também um ano ímpar para as mulheres na política, com quatro candidatas e duas chapas 100% femininas pela primeira vez na corrida presidencial mais polarizada da história recente do país.

E como a energia caótica da eleição não era o suficiente para terminarmos o ano, ainda tivemos a Copa do Mundo no Catar, evento que despertou diversas críticas com relação às violações de direitos humanos cometidas contra mulheres e a população LGBTQIAP+. Curiosamente foi nessa edição que árbitras apitaram jogos masculinos do Mundial pela primeira vez em 92 anos, dentre elas a brasileira Neuza Back. Houve ainda a estreia de jornalistas brasileiras a narrar e comentar os jogos do maior evento esportivo do mundo.

Na lista a seguir, Marie Claire selecionou os 10 acontecimentos que mudaram (ou começam a mudar) a vida das brasileiras em 2022.

Distribuição gratuita de absorventes

O tema é urgente: a ONU estima que mais de 4 milhões de pessoas são afetadas pela pobreza menstrual no Brasil, e que, ao redor do mundo, 10% delas deixam de ir às aulas por falta de absorvente.

Com oito meses de atraso, o Ministério da Saúde lançou em dezembro um programa para distribuir de forma gratuita absorventes. A lei que cria o programa para combater a pobreza menstrual foi aprovada no Congresso em outubro do ano passado e promulgada pelo presidente Jair Bolsonaro em março deste ano. Mas somente agora o governo lançou a portaria que a regulamenta. Segundo reportagem do UOL, assinada por Marina Rossi, o governo repassou às secretarias municipais de saúde o valor anual de apenas 36 reais para cada pessoa beneficiária do programa – ou seja, 3 reais por mês.

Vale lembrar que Bolsonaro chegou a vetar o programa. Após o Senado aprovar o projeto de lei, o presidente sancionou o texto, mas barrou justamente a previsão de distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua. Em meio a grande repercussão, o Congresso derrubou o veto de Bolsonaro, e pouco depois a lei foi aprovada.

Métodos contraceptivos sem autorização do cônjuge

Soa inacreditável, mas apenas em 2022 foi sancionada a Lei 14.443, de 2 de setembro, que dispensa a autorização do companheiro para o procedimento de laqueadura. O texto, que entra em vigor em março de 2023, também diminui de 25 para 21 anos a idade mínima de mulheres e homens para realizarem esterilização. Além disso, para mulheres, fica permitida a laqueadura no parto.

A lei também estipula o prazo de 30 dias para que os sistemas público e privado de saúde disponibilizem qualquer método e técnica de contracepção.

Candidaturas femininas à Presidência

Neste ano, pela primeira vez, o Brasil teve duas chapas femininas na eleição presidencial: Simone Tebet (MDB) e Mara Gabrilli (PSDB) como vice; e  Vera Lúcia (PSTU), com Kunã Yporã (PSTU). Até então, apenas uma chapa inteiramente feminina havia participado das eleições presidenciais. Foi em 2006, com Ana Maria Rangel, candidata a presidente, e Delma Gama como vice, ambas pelo PRP.

Também batemos o recorde de candidatas femininas na disputa: com Soraya Thronike (União Brasil) e Sofia Manzano (PCB) para somar na lista de mulheres presidenciáveis. Antes disso, a maior participação feminina havia sido em 2014. Naquele ano, Dilma Rousseff (PT) foi reeleita presidente e disputou com outras duas mulheres: Marina Silva (Rede, à época no PSB) e Luciana Genro (PSOL). No total, apenas 11 mulheres foram candidatas à Presidência desde a redemocratização, em 1985.

Mais mulheres na política

urna eletrônica. Foto: Nelson Jr./ ASICS/TSE

O ano de 2022 também registrou um aumento de mulheres eleitas para cargos públicos e chegou a bater recorde na Câmara dos Deputados. O número de cadeiras ocupadas por mulheres subiu de 77, em 2018, para 91. Assim, elas passaram a ocupar 17,7% da Câmara, sendo 29 mulheres negras e pardas, quatro indígenas e duas mulheres trans. Nas Assembleias Legislativas, 190 mulheres foram eleitas, aumentando de 15% a 18% a participação delas comparadas à última eleição. Já o Governo foi de uma para duas governadoras eleitas: Fátima Bezerra (PT) no Rio Grande do Norte e Raquel Lyra (PSDB) em Pernambuco.

Houve ainda um recorde de candidaturas femininas na Câmara: das 10.629 inscrições, 34,7% eram de mulheres. Em 2018, esse percentual era de 32,3%. É possível atribuir esse crescimento às ações afirmativas que visam a distribuição mínima de 30% dos recursos para mulheres e pessoas negras e contagem de votos em dobro para cálculo de distribuição do fundo eleitoral.

Contudo, por mais que os avanços sejam animadores, os números escancaram que a disparidade de gênero persiste de forma gritante. Além dos 25 governadores homens, as Assembleias serão ocupadas por 869 deles; e a Câmara, por 422. No Senado houve um decréscimo: foi de 11 para dez o número de senadoras eleitas. No entanto, o crescimento deste ano pode ser combustível para que o índice de participação de mulheres na política cresça ainda mais em eleições futuras.

Pioneirismo feminino na Copa do Mundo

A Copa do Catar foi a primeira em 92 anos a trazer árbitras e assistentes mulheres; na foto, a auxiliar de arbitragem brasileira Neuza Back ao lado da francesa Stephanie Frappart e a mexicana Karen Diaz Medina (Foto: Maddie Meyer/Fifa/Getty Images)

Em um espaço majoritariamente masculino, Renata SilveiraNatália LaraAna Thaís Matos e Formiga se tornaram precursoras ao ocuparem papéis de destaque durante a transmissão da Copa do Mundo no Catar pela Rede Globo. Ana Thaís foi a primeira mulher brasileira a comentar os jogos do Brasil na Copa, ao lado de Galvão Bueno. Formiga fez sua estreia como comentarista, enquanto Renata Silva e Natália Lira se tornaram as primeiras mulheres a narrarem um jogo da Copa pela TV Globo e SporTV, respectivamente.

O pioneirismo também entrou em campo no embate entre Alemanha e Croácia, quando a auxiliar de arbitragem brasileira Neuza Back participou da primeira equipe 100% feminina a apitar um jogo de Copa do Mundo. Vale destacar ainda que, em 92 anos, a Copa do Catar marcou a primeira em que árbitras e assistentes mulheres atuaram no gramado.

Esses marcos se concretizaram em uma edição controversa devido às denúncias de direitos humanos enfrentadas pelo Catar. Ana Thaís contou a Marie Claire que esse contexto tornou o trabalho de todas elas ainda mais importantes. “Ocupar esse lugar em uma Copa do Mundo sediada em um país misógino e homofóbico para mim é muito significativo. Precisamos enaltecer quem tem a coragem de dar o primeiro passo”, afirmou a comentarista.

Mulheres indígenas e a ação contra a crise climática

São as mulheres indígenas que encabeçam a pauta ambiental no país. E pela primeira vez na história, duas delas foram eleitas deputadas federais: Sonia Guajajara (PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG). Em 2018, Joênia Wapichana (Rede-RR) tornou-se a primeira mulher indígena eleita ao Congresso Nacional.

As indígenas brasileiras tiveram papel central no debate climático na COP 27 (Conferência de Mudanças Climáticas) deste ano, junto ao presidente eleito Lula. “Não existe floresta de pé se continuar com sangue indígena no chão”, afirmou Xakriabá, em uma das mesas que participou.

Além das parlamentares eleitas, estiveram no evento nomes como Txai Suruí, do Povo Paiter Suruí, Puyr També, co-fundadora da ANMIGA, Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade, a ativista Taily TerenaDadá Baniwa, da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro, Jéssica Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima, e Dineva Maria Kayabi, da Rede Juruena Vivo.

Aborto de Santa Catarina

Em junho deste ano, o tema do aborto tomou conta do debate nacional. Uma reportagem do The Intercept com o Portal Catarinas revelou cenas escandalosas de uma audiência em Santa Catarina, na qual uma juíza induz uma menina de 11 anos, grávida após um estupro, a desistir do aborto legal.

Por decisão da magistrada, Joana Ribeiro, a criança foi mantida em um abrigo para evitar que fizesse um aborto ao qual teria direito por lei. Após a enorme repercussão do caso, a menina foi liberada para voltar à casa da mãe. A defesa da família então entrou com um habeas corpus no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) e conseguiu realizar o procedimento de interrupção da gravidez.

O episódio suscitou e popularizou no Brasil, país onde falar de aborto ainda é um tabu, um debate urgente sobre as restrições legais ao procedimento e as falhas na aplicação da lei mesmo nos casos em que a interrupção da gravidez é permitida. E escancarou, mais uma vez, a estarrecedora estatística de que são as meninas de 10 a 13 anos as principais vítimas de violência sexual no país, chegando a 31% dos casos de estupro que ocorreram em 2021, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Lei Maria da Penha para mulheres trans e travestis

STJ decidiu que Lei Maria da Penha também deve amparar mulheres trans e travestis (Foto: Manaure Quintero/Bloomberg/Getty Images)

A partir de abril deste ano, mulheres trans e travestis passaram a ser respaldadas pela Lei Maria da Penha em casos de violência doméstica. A conquista é fruto de uma decisão unânime e histórica do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que determina que mulheres trans tenham acesso aos mesmos aparatos de proteção que mulheres cisgênero – ou seja, mulheres que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento. Dessa maneira, elas podem recorrer à Delegacia de Defesa da Mulher, conseguir medidas protetivas ou ser direcionadas a programas de atendimento multidisciplinar, por exemplo. Para realizar a denúncia, elas não precisam ter os documentos retificados.

Mesmo não alterando a Lei Maria da Penha, a decisão cunha um novo entendimento que pode ser implementado por juízes para amparar mulheres trans e travestis. Além de diminuir mortes e interromper ciclos de violências também para elas, a aplicação da legislação também pode ajudar a contabilizar de maneira mais contundente a violência de gênero sofrida especificamente por pessoas trans.

O anestesista preso por estupro de vulnerável

Em julho deste ano, o caso do médico anestesista que estuprou uma mulher na sala de parto chocou o Brasil. Giovanni Quintella Bezerra foi preso em flagrante após ser filmado por funcionários tentando colocar o pênis na boca da mulher enquanto ela fazia uma cesárea no Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti, cidade do Rio. Giovanni responde por estupro de vulnerável e teve seu julgamento iniciado no último dia 12. De acordo com apurações da Polícia Civil do Rio, outras 40 mulheres podem ter sido vítimas do anestesista, que já atuou em cerca de 10 hospitais.

Além de ter gerado uma onda de indignação, o caso suscitou o debate sobre violência obstétrica em todo país. Também jogou luz, sobre a cultura do estupro e a estrutura patriarcal da sociedade, pilares que silenciam e são coniventes com esse tipo de conduta.

Jabuti e o cenário inédito de indicação de mulheres

As mulheres não só dominaram as indicações da 64ª edição do Prêmio Jabuti como também venceram em 13 das 20 categorias da premiação, resultando em 14 ganhadoras, já que Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista venceram juntas em Tradução. A ribeirão-pretana Luiza Romão garantiu o prêmio de Livro do Ano com Também guardamos pedras aqui. Já a filósofa, escritora e educadora Sueli Carneiro foi homenageada como Personalidade do Ano.

Além disso, todas as cinco indicadas à categoria Romance eram mulheres. Micheliny Verunschk venceu pela obra O som do rugido da onça. Também concorreram ao prêmio as escritoras Aline BeiAndréa Del FuegoNatalia Borges Polesso e Tatiana Salem Levy.

Nas categorias de Não Ficção, venceram Margareth Dalcolmo na categoria de Ciências; Célia Maria Antonacci em Artes; e Lilia Moritz Schwarcz em Ciências Humanas, ao lado de Jaime Lauriano e Flávio dos Santos Gomes. Nas categorias de Produção Editorial, saíram vencedoras a designer e ilustradora Giovanna Cianelli (ao lado de Pedro Inoue); a ilustradora Anna Cunha; e a designer gráfica Elaine Ramos. Por fim, Sylvia Guimarães venceu no eixo Inovação.

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