10 lições para uma educação antirracista

Geledés e Alana compartilham aprendizados para uma educação antirracista, identificados a partir das experiências de municípios de quatro regiões brasileiras que desenvolveram ações consistentes para a implementação da Lei 10.639/03

FONTEABC do ABC
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No mês em que se celebra a Consciência NegraGeledés Instituto da Mulher Negra e o Instituto Alana lançam a pesquisa “Lei 10.639/03 na prática: experiências de 6 municípios no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, que aponta caminhos possíveis para a implementação de uma educação antirracista.

Baseada nos aprendizados de Belém (PA), Cabo Frio (RJ), Criciúma (SC), Diadema (SP), Ibitiara (BA) e Londrina (PR), a pesquisa apresenta “10 aprendizados para uma educação antirracista” com lições sobre o que funciona para uma implementação efetiva da legislação e que podem nortear a formulação de políticas educacionais.

Essa é a segunda etapa da pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira“, lançada em abril deste ano, que revelou que 71% das secretarias realizam pouca ou nenhuma ação para garantir a implementação da lei que, há 20 anos, tornou obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas.  O estudo foi realizado com 1.187 Secretarias Municipais de Educação no país, e mostra que 69% dos respondentes declararam que a maioria ou boa parte das escolas de suas redes realizam atividades apenas em novembro, durante o mês da Consciência Negra.

10 aprendizados para uma educação antirracista:

1. Criação e/ou fortalecimento de equipe ou responsável para coordenar as ações.

As experiências mostram que a institucionalização da Lei 10.639/03 na estrutura administrativa das redes é importante para promover a implementação nas escolas. Por outro lado, é necessária também a presença de profissionais comprometidos com uma educação antirracista ocupando esses espaços e outros cargos de gestão dentro da secretaria e da gestão das escolas.

2. Previsão orçamentária para o cumprimento de ações relacionadas à implementação da lei.

É importante prever essa destinação orçamentária estruturada para a realização de ações com escolas, aquisição de materiais didáticos e paradidáticos e formação de professores, já que ela demonstra o compromisso da gestão para o cumprimento da lei, por meio de projetos mais estruturados e perenes.

3. Regulamentação em nível municipal para aproximar a lei federal da realidade do território brasileiro como um todo.

Regulamentar a lei localmente é fundamental para aproximar as diretrizes federais da realidade de cada município, permitir a criação de núcleos e coordenadorias e refletir esse contexto nos projetos e instrumentos de educação, como os currículos. O relatório lançado em abril mostra que só um em cada cinco municípios respondentes possui regulamentação específica sobre o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira. 

4.Coordenação da secretaria de iniciativas realizadas pelas escolas com constância, ao longo do ano, e não apenas em datas comemorativas ou em casos de racismo.

O acompanhamento das iniciativas já realizadas em escolas da rede é importante para identificar temas e ações que interessam à comunidade escolar, impulsionar ações que já ocorrem nas escolas e promover troca de experiências entre elas, rompendo a perspectiva da pedagogia do evento e aproximando estudantes de história e cultura africana e afro-brasileira de modo linear e constante, integrado ao currículo e ao cotidiano escolar.

5. Uso de materiais didáticos que estejam de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais.

A composição do acervo das bibliotecas escolares precisa contemplar títulos que abordam as relações étnico-raciais, subsidiando a atuação dos professores e ampliando o repertório — um dos caminhos para isso, por exemplo, é o Programa Nacional do Livro Didático. As diretrizes curriculares devem prever o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira ao longo do ano, e os currículos devem considerar a diversidade das escolas e garantir sua autonomia. 

6. Formação de professoras e professores, gestão escolar e demais profissionais da educação que atuam diretamente na comunidade escolar.

A falta de conhecimento sobre como aplicar a Lei 10.639/03 e a resistência de profissionais da comunidade escolar estão entre os principais desafios para a sua implementação. Nesse sentido, a oferta de formações específicas e continuadas pelas Secretarias Municipais de Educação é essencial para a sensibilização, conscientização e instrumentalização dos profissionais dentro da escola.

7. Realização de diagnóstico junto às escolas para identificar os desafios e as práticas já realizadas na rede.

A realização de um diagnóstico da rede em relação à implementação da Lei 10.639/03 é um passo importante para uma atuação efetiva das secretarias, pois possibilita compreender como se dá e qual é o nível dessa implementação pelas escolas. Ao mesmo tempo, permite entender desafios decorrentes dela, conhecer e disseminar boas práticas e desenvolver um planejamento para atuar com base na realidade da rede, traçando estratégias para escolas e públicos específicos. 

8. Uso de dados qualificados e uso de indicadores educacionais por raça e cor para orientar as políticas educacionais no município.

A produção e o uso de dados qualificados para a formulação de políticas educacionais são fundamentais, e observá-los a partir do recorte racial pode ser transformador para as políticas de educação de um município. É importante prever a coleta das informações de raça e cor e garantir a autodeclaração de crianças e famílias nos cadastros educacionais. Apenas com dados racializados é possível gerar evidências para a realização de políticas públicas mais assertivas no combate ao racismo e redução de desigualdades.

9. Engajamento dos profissionais da educação e diálogo com familiares e responsáveis, especialmente os que ainda não estão comprometidos com o tema.

Diretores escolares e coordenadores pedagógicos comprometidos com a implementação da lei dão condições e criam um ambiente propício à sua aplicação. Nas escolas em que eles possuem maior repertório sobre a educação étnico-racial, a atuação tende a ser mais estruturada, pois oferece apoio aos professores, e há mais chance de que toda a comunidade possua um letramento racial. Boas experiências também envolvem os estudantes no desenvolvimento de discussões e práticas antirracistas dentro das escolas, via criação de comitês ou comissões de alunos.

10. Realização de parcerias com outras entidades, organizações, universidades e representantes de movimentos negros.

As parcerias são importantes para garantir melhores condições de implementação da legislação, já que as secretarias possuem realidades muito distintas, em contexto de atuação, tamanho e capacidade técnica. Atuar com outros órgãos e instituições pode ser um caminho interessante. Cooperações podem ser realizadas com atores externos, como universidades, institutos, movimento negro local e também dentro do governo. As universidades públicas se mostraram parceiras importantes das redes e das escolas, principalmente nas formações e elaboração de materiais. Há, inclusive, uma demanda dos professores entrevistados por proximidade e apoio mais direto da universidade para embasar e aprofundar as questões com as quais não se sentem preparados para trabalhar. 

Entre alguns dos exemplos de ações realizadas nos seis municípios apresentados no estudo estão:

Na gestão:

  • Formação continuada para gestores, coordenadores, professores, equipe de apoio (como merendeiros, porteiros, manutenção e limpeza) e administrativo, sendo algumas específicas para cada área de trabalho, como forma de evitar constrangimentos e ter um espaço favorecido para diálogos;
  • Exibição de filmes que tratam sobre questões étnico-raciais, seguidas de debate entre os professores;
  • Equipe “guardiã” da agenda de educação antirracista, responsável por atividades que vão desde o apoio às equipes pedagógicas para o desenvolvimento de ações até visitas às escolas;
  • Na aquisição de materiais escolares, prioriza-se a compra de itens para a promoção de uma educação antirracista (como giz de cera com cores em diferentes tons de pele);
  • Articulação com diferentes órgãos para fortalecer a atuação em rede e a continuidade da agenda em casos de mudança de gestão.

Nas escolas:

  • Elaboração de censo da diversidade para que a escola possa reconhecer não só o pertencimento étnico-racial de estudantes, mas também trabalhar temas como a influência negra no bairro ou na cidade;
  • Cardápio preparado pelas equipes de merenda a partir de ingredientes ou pratos de influência africana incorporados na culinária brasileira;
  • Uso de brincadeiras e jogos africanos e afro-brasileiros em aulas de diferentes áreas do conhecimento, como nas ciências ou educação física;
  • Promoção de leituras de autores negros, com foco em heróis e personalidades negras regionais e nacionais;
  • Exposição pública de trabalho de estudantes sobre a temática étnico-racial.

Para saber mais informações sobre a pesquisa — em suas fases quantitativa e qualitativa —, acesse o Linktree do projeto e o site de Geledés Instituto da Mulher Negra e do Instituto Alana.

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