23% das jovens negras nos EUA se identificam como bissexuais

Das mulheres que responderam à Pesquisa Geral Social de 2018, uma a cada 18 se identificou como bissexual — uma década atrás, somente uma a cada 65 fazia o mesmo

POR TRISTAN BRIDGES, da Revista Galileu

MULHERES NEGRAS QUE SE IDENTIFICAM COMO BISSEXUAIS SÃO UM GRUPO CRESCENTE NOS ESTADOS UNIDOS (FOTO: PEXELS)

Desde 1972, cientistas sociais têm estudado a Pesquisa Geral Social para traçar as complexidades das mudança sociais nos Estados Unidos.

A pesquisa, conduzida a cada dois anos, pergunta aos participantes sobre suas atitudes em relação a tópicos que variam de relações raciais a uso de drogas. Em 2008, a pesquisa começou a incluir uma pergunta sobre identidade sexual.

Como sociólogos que estudam sexualidade, notamos que mais e mais mulheres estão relatando serem bissexuais. Mas em uma das pesquisas mais recentes, uma amostra chamou a atenção: 23% das mulheres negras no grupo de 18 a 34 anos se identificaram como bissexuais — uma proporção quase três vezes maior que há uma década.

O que pode estar provocando essa mudança? E o que podemos aprender com ela?

Bissexualidade entre mulheres está crescendo

Nos dez anos em que a Pesquisa Geral Social incluiu uma pergunta sobre identidade sexual, as taxas de identificação entre homens gays, mulheres lésbicas e homens bissexuais não mudaram muito.

Mulheres que se identificam como bissexuais, por outro lado, representam praticamente todo o aumento entre aqueles que dizem ser lésbica, gay ou bissexual. De todas as mulheres que responderam à pesquisa de 2018, mais de uma a cada 18 se identificou como bissexual. Uma década atrás, somente uma a cada 65 fazia o mesmo.

A mudança mais dramática entre as mulheres que se identificam como bissexuais ocorreu entre jovens. Na amostra de 2018, mais de uma a cada oito mulheres com idades entre 18 e 34 se identificaram como bissexuais. Houve mais do que o dobro de jovens mulheres bissexuais do que jovens lésbicas, homens gays e homens bissexuais juntos.

Essa é uma grande mudança — e tudo ocorreu em um período relativamente curto.

Acrescente raça aos resultados e você verá que jovens mulheres negras, particularmente, representam uma parte desproporcional desta mudança.

Há alguns anos, nós escrevemos sobre como aproximadamente 18% das jovens mulheres negras se identificavam como lésbicas ou bissexuais na Pesquisa Geral Social de 2016. Essa taxa foi mais do que duas vezes maior do que para mulheres brancas ou outros grupos raciais — e quase quatro vezes maior do que para homens de qualquer grupo racial.

Em 2018, mais de 25% das jovens mulheres negras se identificaram como lésbicas ou bissexuais. E a maior parte dessa mudança pode ser atribuída às mulheres negras que se identificaram como bissexuais.

Em outras tendências, as mulheres negras também lideraram os resultados.

Dados como esses nos ajudam a estabelecer que uma mudança está ocorrendo, embora não expliquem de fato o porquê está ocorrendo.

Explorar o porquê requer diferentes métodos de análise, e estudos que já existem — como a pesquisa de Mignon Moore na identidade gay e relacionamentos entre mulheres negras — podem nos fornecer algumas dicas.

Mas, além disso, outras pesquisas demográficas demonstram que mulheres negras lideraram o caminho em outras tendências relacionadas a gênero.

Considere a diferença de gênero no ensino superior. Em 1980, mulheres negras começaram a superar homens negros ao conseguirem diplomas de quatro anos de ensino superior. Somente uma década depois mulheres brancas começaram a receber diplomas em uma taxa maior do que a de homens brancos.

E na primeira metade do século 20, mais mulheres negras solteiras começaram a ter filhos. Eventualmente, mais mulheres brancas solteiras também começaram a ter filhos.

Talvez quando o assunto é sexualidade, mulheres negras também estão na frente. Se esse é o caso — e se essa tendência continuar — podemos esperar mulheres de outras raças acompanharem a mudança.

Falta de homens?

Forças culturais talvez também tenham um papel relevante.

Os sociólogos Emma Mishel, Paula England, Jessie Ford e Mónica L. Caudillo também analisaram a Pesquisa Geral Social. Em vez de estudar identidades sexuais, eles estudaram comportamento sexual. Ainda assim, descobriram o mesmo padrão: jovens mulheres negras têm mais probabilidade de terem relacionamentos com o mesmo sexo do que homens e mulheres em outros grupos raciais e etários.

Eles argumentam que essas mudanças representam uma verdade maior sobre a cultura americana: a de que é mais aceitável para mulheres rejeitarem normas de gênero porque a feminilidade não é valorizada da mesma forma que a masculinidade. Como masculinidade e heterossexualidade estão fortemente interligadas, homens podem acreditar que sofrerão custos sociais maiores ao se identificarem como bissexuais.

Outros apontaram para a hipótese de que há uma falta de homens para explorar as decisões das jovens mulheres negras em relação a relacionamentos e casamento. Isso também pode explicar por que elas, em particular, parecem mais dispostas a explorar a bissexualidade.

De acordo com esse argumento, menos homens “casáveis” criam uma necessidade para as mulheres considerarem opções além das relações heterossexuais ou casamento. Um casamento tradicional não é necessariamente como era antigamente; como as mulheres têm mais oportunidades econômicas e educacionais, elas podem se dar o luxo de serem mais exigentes ou, possivelmente, explorar relações com o mesmo sexo.

Outro aspecto da hipótese envolve a taxa desproporcionalmente alta de homens negros presos nos EUA. É possível que, porque mulheres negras, como um grupo, vivem em áreas com menos opções de homens “casáveis”, elas estejam mais abertas à bissexualidade.

Nós estamos menos convencidos com a teoria da falta de homens porque ela ignora o fato de que as taxas de homens negros presos não aumentaram na última década. Ainda assim, ao longo deste período, as porcentagens de mulheres negras que se identificam como bissexuais cresceram substancialmente.

O desafio de pesquisar sobre sexualidade

Encontrar formas confiáveis de mensurar identidade sexual em pesquisas é mais difícil do que você talvez pense, e a tendência pode ter sido causada por algo tão simples quanto a forma como a pergunta é feita:

“Qual das alternativas melhor descreve você?”
– Gay, lésbica ou homossexual
– Bissexual
– Heterossexual
– Não sei

Das cerca de 1.400 pessoas que responderam à pergunta em 2018, somente seis responderam “não sei”. Outras 27 nem sequer responderam.

Mas todo o restante selecionou uma das três opções.

Talvez alguns dos participantes não quiseram se aprisionar às categorias de gay ou hétero. Se esse foi o caso, bissexual se torna quase um padrão do meio termo.

De qualquer forma, uma coisa parece clara: jovens — especialmente mulheres negras — estão mais abertos a explorarem sua sexualidade. E as formas como se identificam em pesquisas é somente um dos indicadores dessa mudança.

* Tristan Bridges é professor assistente de Sociologia na Universidade da Califórnia, Santa Barbara. O texto foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation.

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