Um filme passado em favela no qual aguarda-se uma hora até que seja ouvido um tiro; um filme sobre favelados que são assaltados por “playboys” da zona sul do Rio; um filme em que um rico critica o pobre por querer “tirar onda de fodido”; um filme sobre favela em que a alegria e o lirismo sobrepõem-se mas não escondem a violência; um filme sobre favela em que os moradores são vítimas, mas também responsáveis pela violência.
“5 x Favela – Agora por Nós Mesmos” é uma obra múltipla do nome à produção –fruto de trabalho coletivo de mais de duas centenas de moradores de favelas do Rio. É múltiplo porque escrito por oficinas de roteiro em comunidades carentes, mas principalmente por expor personagens a facetas variadas, na contramão do mercado, do senso comum e da divisão social estabelecida. Como filme múltiplo, é desigual, como a realidade que retrata.
Contraposta a “5 x Favela” de 1962, obra do catequizador Centro Popular de Cultura, a versão 2010 pode ser enquadrada como revisão crítica do ideário esquerdista de usar a arte para conscientizar as massas. O papo agora é colocar as massas para conscientizar as artes.
O primeiro episódio, “Fonte de Renda”, dirigido por Manaíra Carneiro e Wavá Novais, narra a dificuldade do favelado em cursar direito em meio a alunos de classe média e alta.
Depois de insinuar queda para resolução clichê da tensão dramática, salva-se da obviedade, mas não escapa da solução moralista adequada a quem pretende ser “gente de bem”.
Em “Arroz com Feijão”, direção de Rodrigo Felha e Cacau Amaral, a doçura da atuação das crianças Pablo Vinicius e Juan Paiva rejuvenesce a fartamente explorada situação de família pobre com dificuldades para comer. Mas não consegue superar o trivial.
“CIDADE DE DEUS”
No terceiro episódio –“Concerto Para Violino”, dirigido por Luciano Vidigal a partir de roteiro criado em oficina em Parada de Lucas–, emerge a violência, ouve-se o primeiro tiro após uma hora de projeção e tem-se a imagem mais impactante quando policiais e traficantes acumpliciados queimam vivo um inimigo comum.
É o momento agudo do filme, que a partir daqui começa a encorpar-se. O episódio é uma versão apobretada de “Cidade de Deus” ou “Tropa de Elite” –e isto é um elogio.
Sem maneirismo publicitário ou reacionarismo de classe média, as fronteiras entre bandidos e mocinhos são embaralhadas a evitar empatias manipuladoras, seja de dó ou catarse.
“Deixa Voar”, dirigido por Cadu Barcellos, tem a abordagem mais criativa e inusual, mostrando como as relações sociais se constroem ou são interditadas em razão de limites de território estabelecidos por facções rivais do tráfico de drogas. É o roteiro mais bem construído.
O episódio final “Acende a Luz”, dirigido por Luciana Bezerra, foi baseado em experiência dos moradores, quando ficaram sem luz na véspera do Natal de 2008. É uma narrativa redentora, empenhada em afirmar um espaço como território alegre e integrador, na qual a palavra “comunidade” se justifica pelas relações baseadas no afeto, não como eufemismo para favela.
Produzido por Cacá Diegues e Renata de Almeida Magalhães, o filme, como o original de 50 anos atrás, é arte engajada, apesar de não ser política nos termos clássicos. Mas foge do paternalismo, é original em sua empreitada –apesar de nem sempre o ser na linguagem cinematográfica.
Multiplica os fazedores de cinema, as vozes da favela, os olhos de quem decide o que focar. Multiplica para dividir cultura, experiências e visões de mundo.
5 X FAVELA, AGORA POR NÓS MESMOS
DIREÇÃO: Cacau Amaral, Luciana Bezerra e outros
PRODUÇÃO: Brasil, 2010
COM: Vitor Carvalho, Márcio Vitor
ONDE: estreia sexta-feira 27/8, Unibanco Augusta, HSBC Belas Artes e circuito
AVALIAÇÃO: bom