50 anos depois, o homem do punho negro fala de racismo no desporto e de Colin Kaepernick

Passaram 50 anos da corrida de 200 metros nos Jogos Olímpicos da Cidade do México em que Tommie Smith ganhou o ouro e bateu o recorde mundial. Mas não foi este feito que o transportou para a História do desporto. Foi o punho negro erguido pelos direitos humanos. Agora fala sobre isso a um jornalista da revista The Atlantic

Por Ana Mafalda Inácio Do Dn

Ele estava de joelhos e eu de pé, mas os nossos gestos representaram a mesma coisa.” A frase é de Tommie Smith, o homem que há 50 anos, nos Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968, arrecadou a medalha de ouro na corrida de 200 metros para os Estados Unidos da América e protagonizou um dos gestos míticos queficou para a História do Desporto e da humanidade como o gesto The Black Power,do Poder Negro. Smith levantou o braço direito de punho cerrado e a mão coberta com uma luva negra durante o hino no pódio, em sinal de protesto contra a discriminação racial, contra a brutalidade e desigualdade.

O “ele” na frase de Smith é Colin Kaepernick, o jogador dos San Francisco 49ers, da National Footbal Ligue (NFL), que, em 2016, num jogo de pré-época se ajoelhou durante o hino nacional. Na altura, o protesto era também contra a violência policial em relação aos afro-americanos, foi seguido por outros jogadores e acabou por dividir o país. Donald Trump insultou os atletas e pediu que fossem despedidos. Kaepernick, que a 3 de novembro fará 31 anos, está sem equipa desde há dois anos e vai processar a NFL.

Em 2016, num jogo de pré-época, kaepernick ajoelhou-se durante o hino. Outros atletas seguiram-no. O gesto foi entendido como anti-Trump e o presidente americano pediu à NFL que despedisse todos os jogadores que o fizeram. Kaepernick não tem equipa há dois anos.© DR

Dois protestos que agitaram e dividiram a sociedade norte-americana e o mundo. Mas quase cinco décadas depois do primeiro resultado parece ter sido o mesmo quando Kaepernick ensaiou o segundo: depois do impacto, o silêncio e o esquecimento. Smith falou disso ao jornalista Tik Rook durante um encontro que teve em abril deste ano no estúdio do seu amigo Glenn Kaino, em Los Angeles.A conversa com as memórias de Smith e as suas declarações sobre o impacto destes gestos estão agora contadas num artigo da revista The Atlantic, na sua edição de outubro.

Smtih e Kaepernick sentiram o mesmo na pele. Smith conta que depois de ter sido considerado um dos homens mais rápidos da Terra – ao alcançar 13 recordes mundiais – seguiu-se um silêncio, mais profundo do que aquele que se ouviu no estádio durante 50 segundos. Mas seguiram-se também outros gestos. Foi impedido de participar em competições internacionais, o que acabou com a sua carreira de velocista. Ao colega que consigo subiu ao pódio para receber a medalha de bronze e que assumiu também o seu gesto, levantando o braço esquerdo, aconteceu-lhe o mesmo.Quando voltaram para casa Smith e Carlos foram “votados ao ostracismo, não apenas por americanos brancos, mas por muitos negros, que temiam ser associados a eles.”

Os dois receberam mensagens de ódio e de ameaças de morte que se amontoaram. Smith conta que recebeu uma carta a dizer-lhe para voltar para África que ia acompanhada por uma falsa passagem de avião. “Fui atacado verbal e financeiramente”, contou a Tik Root. Até que aconteceu o que muitos pretendiam: voltou ao anonimato. A própria mulher, que conheceu na década de 1990, contou ao jornalista não saber quem ele era. Por isso, quando sentiu que estava a ficar apaixonada foi pesquisá-lo no google. Só muitos anos depois, o nome de Smith volta a surgir. Foi em 2005 que o Estado de San José – onde Smith tinha nascido em 1944, no seio de uma família com 12 filhos, sendo ele o sétimo e o que aprendeu a correr quando colhia algodão – lhe ergueu uma estátua e lhe atribuiu o doutoramento honoris causa.

Smith ao lado de Kaepernick no momento em que o conheceu, há um ano© Facebook de Glenn Kaino

Após o gesto que marcou o dia 16 de outubro de 1968, ao receber o ouro pelo primeiro lugar na prova de velocidade de 200 metros, em que bateu também o recorde mundial, Smith passou a ser identificado como um defensor do Black Power. Uma designação que o irrita, conta Tik Root, porque o seu gesto era sobre direitos humanos.Eu nunca me concentrei apenas nos negros”, disse ao jornalista da The Atlantic. “Eu não queria que a minha participação fosse sobre apenas um tipo de pessoa“. Nestes 50 anos, após o gesto que identifica como “um gesto silencioso”, Smith acredita que houve progressos nos direitos humanos, sobretudo em algum tipo de igualdade – “os americanos elegeram um presidente negro”, argumentou – mas muito precisa ainda de ser corrigido. Smtih não tem dúvidas que os afro-americanos ainda são submetidos a tratamentos desumanos nos EUA.

Anima-o o ativismo de pessoas como Colin Kaepernick que conheceu há um ano. “Nós representámos a mesma coisa”, disse ao jornalista. Colin foi para o desemprego após o seu gesto e só este ano se voltou a ver o seu rosto. Tornou-se numa das caras da Nike na campanha de 2018, aparecendo numa foto a preto e branco com a frase “Believe in something, even if it means sacrificing everything”. Ou seja, “Acredita em alguma coisa, mesmo que isso signifique sacrificar tudo.”.

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