O fato de o Hamas ter cometido crimes brutais —o sequestro de civis israelenses, ainda em curso, é um deles— não exime Israel de prevenir genocídio, tampouco autoriza o país a punir coletivamente Gaza. Dezesseis mil mulheres e crianças foram mortas em Gaza; 1,9 dos 2,3 milhões de habitantes deslocado; a cada 10 minutos, uma criança é morta.
Se Israel quisesse de fato que o Hamas fosse punido (como deveria sê-lo), aceitaria a jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI) e com ele cooperaria —a única corte internacional hoje que poderia punir indivíduos, inclusive do Hamas. O fato de Israel não o fazer revela a hipocrisia que desdenha de qualquer supervisão internacional, enquanto reclama que ninguém pune o Hamas.
A África do Sul não é uma novata irresponsável, embora os racistas de plantão queiram nos fazer crer que é. O país tem a melhor Constituição do mundo e um corpo de juristas de fazer inveja a qualquer um. As 84 páginas da petição sul-africana mostram que não se trata de amadorismo nem antissemitismo, que sempre deve ser combatido. A África do Sul começa se solidarizando com as vítimas israelenses do dia 7 de outubro, como deveria.
O país sabe que genocídio não é um exercício teórico: é política de morte e um crime. E tem razão em questionar por que Israel falha em prevenir genocídio e por que não pune quem os incita. Se a parte mais difícil de provar genocídio é demonstrar a sua intenção de destruir um grupo, a África do Sul lista falas e atos de autoridades israelenses que a mostram. Ou Israel mentiu ou falou a verdade: nas duas hipóteses deveria ser responsabilizado.
Perguntar se Israel está fazendo tudo ao seu alcance para prevenir que se mate ou deixe morrer palestinos não deveria ofendê-lo. O ato sul-africano é corajoso porque faz uso do sistema internacional construído para calar os países colonizados. A solução estrutural recai em dois Estados iguais em direito e dignidade. Como ninguém, a África do Sul sabe ver um apartheid quando há um.