Em entrevista exclusiva ao Ká entre Nós, Edilson Marques da Silva Miranda, professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP), autor de livros sobre a construção da identidade negra, fala da participação da mídia e da literatura na formação da autoimagem do povo negro. Destaca também o preconceito velado na sociedade brasileira.
Ká entre Nós: Por que ainda hoje, século 21, setores da sociedade brasileira permanecem (ainda que menos) classificando homens e mulheres negras como cidadãos de 2°categoria, ligados à pobreza e marginalidade? O senhor observa isso? Qual a origem dessa percepҫão?
Edilsom Marques: Sim. Infelizmente, esta continua sendo uma realidade em nosso meio. A população negra continua sendo vista como inferior. Varias literaturas ao longo do tempo tem reforçado esta ideia, de que os homens e mulheres negros são inferiores dentro da sociedade. A escravidão das pessoas oriundas do continente africano se deu com base na argumentação desta inferioridade. Mesmo após a abolição da escravatura no Brasil, ocorrida a pouco mais de 100 anos, não houve a desmistificação desta ideia. No processo de construção do Brasil, a presença africana foi fundamental, mas esta contribuição tem sido negada sistematicamente. A ideia que fica patente em nossa sociedade, é que as pessoas negras tem o seu lugar previamente delimitado dentro da sociedade, sempre aliado a pobreza, marginalidade e a ignorância.
Ká entre Nós: O senhor considera que a mídia seja também responsável pela manutenção dessa percepҫão? De que modo?
O pai era o ator Antonio Pitanga, a mãe a atriz Zezé Motta e uns dos filhos era o falecido ator Norton Nascimento. Quase 10 anos depois, em 2004, a novela “Da Cor do Pecado”, escrita por João Emanuel Carneiro, traz como protagonista uma atriz negra, Tais Araujo. Ela desempenha um clássico papel, onde a mulher negra sedutora desestabiliza as relações e o casamento do casal branco. As telenovelas, ultimamente, tem se preocupado em fazer o chamado “merchandising social”, onde defendem uma bandeira social. Se empenham em mostrar o problemas e enfatizar as soluções. Já foi enfocado a questão da violência contra mulher, alcoolismo, doação de medula óssea, deficiências físicas e visuais, pedofilia, cleptomania, homossexualismo, gravidez psicológica, analfabetismo entre outros. Infelizmente, ainda não entrou na lista de prioridades da teledramaturgia brasileira o tema do racismo, mostrando o problema e dando ênfase nas soluções.
Ká entre Nós: Como em sua avaliação, a mídia afeta a imagem do afrodescendente no Brasil, e sua auto estima?
Edilsom Marques: A mídia cria uma imagem de normalidade do país, dando uma idéia de quem é o brasileiro comum. Conforme o estereótipo reforçado pela mídia brasileira, os afro descendentes não fazem parte do perfil do brasileiro comum. É muito comum, uma criança negra se sentir um alienígena, porque ela não se vê representada em nenhum espaço na sociedade.
Nos livros didáticos tem total ausência de pessoas negras, e quando aparece, está ligada a escravidão e situações subalternas. Nas telenovelas ainda há pouca presença de personagens negros. É muito importante para os mais jovens se espelharem nas figuras de destaque dentro de uma sociedade, para que possam traçar seus objetivos e sentirem segurança nos espaços sociais que podem e devem ocupar. Ainda constitui-se a população negra no Brasil, cada vez mais ampliar os espaços de atuações. Mesmo o país, tendo uma população de mais de 50% de negros e pardos, ainda parece que a população negra é uma “estranha no ninho”, como se fosse uma legião de estrangeiros sem direito de gozar de plena cidadania dentro do seu próprio país. Mas, por outro lado, a história é dinâmica, e a cada dia novos desafios são enfrentados e superados. Ainda temos um longo caminho a ser percorrido, na reconstrução de uma auto imagem, cada vez mais positiva, dos afro descendentes no Brasil.
Fonte: Ká entre nós