‘A Covid é só mais uma das pandemias que enfrentamos’, diz líder de Paraisópolis que trabalhou ao lado do Pastor do Funk

FONTEPor Gabriela Caseff, da Folha de S. Paula
Banco de Imagens Pixabay

As vielas de Paraisópolis são testemunhas das mais diversas histórias.

Na Três Corações, Igor Alexsander fazia atendimentos a jovens e intermediava conflitos durante a noite do baile funk. Na viela Conceição, Renata Alves produziu comerciais e novelas que circularam o país tendo a favela como cenário.

A relação de Igor e Renata com as ruas e a comunidade de Paraisópolis foi fundamental para mitigar os efeitos da pandemia na segunda maior favela de São Paulo.

Igor, 26, nasceu na Paraíba. Teve uma infância curta. Aos 11, conheceu as drogas e o crime organizado. O pai, taxista, passava a madrugada trabalhando. Aos 16, saiu de casa e deixou Campina Grande. Morou na rua, passou fome e conflitos pessoais, até que a missão de uma igreja evangélica o levou a Paraisópolis, em 2017.

Igor Alexsandre, o Pastor do Funk, coordenou as casas de acolhimento em Paraisópolis (Foto: Arquivo Pessoal)

Em uma noite, Igor conheceu o Baile da Dz7. “Passou um filme em minha cabeça porque encontrei muitos jovens com conflitos emocionais. Pessoas que iam ao baile para esquecer da vida”, diz.

Numa das portinhas da viela Três Corações, abriu um projeto social com o objetivo de intermediar situações que nasciam no baile. Colocou a placa ‘banheiro gratuito’ para chamar o público. “Da porta até o banheiro, eu fazia o contato”.

A abordagem se tornou constante e evoluiu para atendimentos psicológicos e primeiros socorros, realizados por uma equipe de nove pessoas. “Na madrugada do baile, o celular não para. Tem muita overdose e as ambulâncias não sobem a comunidade”, conta.

Eram de 200 a 300 atendimentos por noite. “Descia a favela até a Ama (Assistência Médica Ambulatorial) com as pessoas nos braços.” Nasceu assim o personagem Pastor do Funk, que em breve estaria à frente da comissão que busca justiça pelos adolescentes mortos naquela mesma viela. Ele também é coordenador do G10 das Favelas.

Renata Alves, 40, nasceu em Paraisópolis. Filha de uma cozinheira e de um açougueiro, morou em barraco de madeira com os três irmãos. Conta que nunca passou fome.

Os pais incentivavam a menina a estudar. Quando o asfalto chegou em sua rua, vibrou com as demais crianças por não precisar mais da sacola amarrada ao pé para chegar com sapato limpo na escola.

Um dos irmãos teve doença renal, precisava de atendimento constante, e Renata aprendeu na marra os caminhos do sistema público de saúde. Passou madrugadas em filas para passar com especialistas.

Em 2010, envolveu-se com a produção de um comercial. “Precisavam de alguém que conhecesse a favela e que entendesse as necessidades do morador”, conta. Não parou mais.

Quando uma marca levou 80 figurantes para filmar em Paraisópolis, Renata entendeu que precisava reinventar o modelo de negócio. “Eu pensei: temos pessoas aqui, não precisa vir de fora”. Criou uma produtora de locação e figuração que movimenta a economia local. Ela também faz parte da diretoria da Associação de Moradores.

Em março de 2020, às vésperas da chegada do vírus, o líder comunitário Gilson Rodrigues convidou Igor e Renata para integrar a iniciativa Comitê das Favelas – Presidente de Rua, criada para mitigar os efeitos da pandemia, um dos 30 destaques do Empreendedor Social do Ano em Resposta à Covid-19.

A Igor coube a organização das casas de acolhimento, que isolavam pessoas com sintomas leves da doença. Mais de 500 pessoas passaram pelos leitos montados dentro de duas escolas em Paraisópolis.“

Cuidei desde a reforma das escolas até a decisão de quantos metros uma cama ficaria da outra”, conta. O Hospital Albert Einstein, vizinho da comunidade, assessorou a iniciativa.

Renata coordenou as ambulâncias particulares, que realizavam remoções para unidades de saúde. Ela fazia a ponte entre moradores e profissionais de saúde. “Por fazer produção há anos, conheço todas as entradas, saídas e vielas de Paraisópolis”.

Até dezembro, contabilizou 10.500 atendimentos, que passaram por casos graves de Covid-19, insuficiências respiratórias e crises de ansiedade. “A Covid é só mais uma das pandemias que enfrentamos”, diz Renata, enquanto atende mais um chamado.

Renata Alves, coordenadora das ambulâncias, fazia a ponte entre moradores e profissionais da saúde em Paraisopólis (Foto: Arquivo Pessoal)

Ela lembra o áudio que recebeu de um morador se desculpando por ligar à noite pedindo a ambulância. “Ele tinha chamado o Samu há oito horas e não veio.” Segundo ela, na época de chuvas, sem saneamento básico, os moradores lidam com dengue, H1N1, leptospirose, entre outras doenças.

Para Igor, o problema se soma à falta de políticas públicas em lazer e cultura dentro da favela. “São 100 mil pessoas invisibilizadas.”

Apesar disso, ser considerado um dos empreendedores sociais do ano lhe deu motivos para seguir atuando por Paraisópolis, ao lado de outros jovens líderes. “Antes eu era um sonhador, hoje me considero um realizador de sonhos”, diz.

-+=
Sair da versão mobile