A democracia corroída por dentro

Origem do juiz de garantias está em acordos internacionais dos quais o país é signatário desde os anos 1990

FONTEFolha de São Paulo, por Ana Cristina Rosa
A jornalista Ana Cristina Rosa é Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública) - Foto: Keiny Andrade/Folhapress

Está evidente que a democracia é um regime político que pode ser corroído por dentro.

A celeridade no avanço da chamada minirreforma eleitoral é um exemplo. Numa tacada, fragiliza o poder de fiscalização e controle da Justiça Eleitoral sobre os gastos de dinheiro público pelos partidos políticos, além de flexibilizar as regras criadas para ampliar a diversidade de candidaturas de mulheres e de negros nos pleitos nacionais. Mas não o único.

Difícil pensar em democracia num cenário em que a maioria da população se encontra alijada do exercício pleno da cidadania por uma “questão de cor”. Ou quando a presença de uma pessoa negra em espaço de poder causa estranhamento e é motivo de debate sobre merecimento em pleno 2023. Ou onde o risco de um negro ser assassinado é três vezes maior e um jovem preto ou pardo é morto a cada 23 minutos.

Nesse contexto, o jurista Hédio Silva Júnior crê que a figura do juiz de garantias, aprovado recentemente pelo STF, possa significar “um freio na carnificina da juventude negra”.

É que a polícia será obrigada a enviar ao Judiciário o auto de resistência (registro sobre mortes em decorrência de atividade policial sob a alegação de legítima defesa). Além disso, terá de acionar um perito obrigatoriamente —o que já deveria ser óbvio.

Para ter noção da importância da preservação da cena de um crime, não é preciso ser especialista em coisa alguma. Basta bom senso ou apenas ter assistido a um episódio qualquer de série criminal para saber que o morto tem muito a dizer. Ao alterar a posição de um cadáver, se está interferindo na investigação…

A origem do juiz de garantias está em acordos internacionais dos quais o país é signatário desde os anos 1990. Mas pode-se dizer que a revelação das supostas ilegalidades cometidas pela força-tarefa da operação Lava Jato foi a gota d’água. Afinal, um sistema acusatório só será democrático na medida em que o acusador não tiver interesse na causa.

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