”A desigualdade é sempre uma escolha política”

Novo relatório revela que o 1% mais rico obteve 38% da nova riqueza global gerada desde 1995. A metade inferior ficou com apenas 2%

FONTECarta Maior, por Jake Johnson
Créditos da foto: Aviva, um iate de luxo pertencente ao bilionário, proprietário do time inglês Tottenham, Joe Lewis, é fotografado ancorado perto do Butler's Wharf, em 3 de julho de 2018 em Londres, Inglaterra. O navio multimilionário de 322 pés foi construído para Lewis em 2007 pelo construtor alemão Abeking & Rasmussen. (Foto: Jack Taylor / Getty Images)

Nas quase três décadas desde 1995, os membros do 1% global capturaram 38% de toda a nova riqueza, enquanto a metade mais pobre da humanidade se beneficiou de apenas 2%, uma descoberta que destaca o abismo cada vez maior entre os muito ricos e todos outro.

Isso está de acordo com a última edição do Relatório de Desigualdade Mundial, um resumo exaustivo dos dados de renda e riqueza mundiais que mostra que as desigualdades na riqueza e na renda são “quase tão grandes hoje quanto no auge do imperialismo ocidental no início do século 20”.

“De fato, a parcela da renda atualmente capturada pela metade mais pobre da população mundial é cerca de metade do que era em 1820, antes da grande divergência entre os países ocidentais e suas colônias”, observa o relatório. “Em outras palavras, ainda há um longo caminho a percorrer para desfazer as desigualdades econômicas globais herdadas da organização muito desigual da produção mundial entre meados do século XIX e meados do século XX”.

Os autores do novo relatório, divulgado na íntegra na terça-feira (7), esforçam-se para enfatizar que as desigualdades contemporâneas de riqueza e renda não são inevitáveis, mas sim a consequência de decisões deliberadas de formuladores de políticas em países individuais e no cenário global.

“A crise de Covid exacerbou as desigualdades entre os muito ricos e o resto da população”, disse Lucas Chancel, codiretor do World Inequality Lab [Laboratório Mundial de Desigualdade] e principal autor do novo relatório. “Contudo, nos países ricos, a intervenção governamental evitou um aumento maciço da pobreza – não foi o que aconteceu nos países pobres. Isso mostra a importância dos estados sociais na luta contra a pobreza”.

“Se há uma lição a ser aprendida com a investigação global realizada neste relatório”, acrescentou, “é que a desigualdade é sempre uma escolha política”.

A nova análise mostra que 2020 – um ano de deslocamento econômico induzido por uma pandemia que empurrou dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo para a pobreza extrema – marcou “o maior aumento já registrado na parcela da riqueza global disponível dos bilionários”.

“Nos EUA, o retorno da maior desigualdade de riqueza foi particularmente dramático, com a participação de 1% no topo alcançando perto de 35% em 2020, aproximando-se do nível da Idade de Ouro”, afirma o relatório, que conta com colaboração dos proeminentes economistas Thomas Piketty e Gabriel Zucman. “Na Europa, a maior desigualdade de riqueza também aumentou desde 1980, embora significativamente menos do que nos Estados Unidos”

Atualmente, os 10% mais ricos da população mundial abocanham mais da metade de toda a rendaglobal, descobriram os pesquisadores. Enquanto isso, bilhões de pessoas na metade mais pobre da população global detêm apenas 8% da renda mundial.

“As desigualdades de riqueza global são ainda mais pronunciadas do que as desigualdades de renda”, conclui o relatório. “A metade mais pobre da população global mal possui qualquer riqueza, possuindo apenas 2% do total. Em contraste, os 10% mais ricos da população global possuem 76% de toda a riqueza.”

Mantendo seu argumento de que o avanço da desigualdade de renda e riqueza é uma escolha, os autores do relatório recomendam que os líderes mundiais busquem várias soluções políticas para a crise de desigualdade global, que tem implicações econômicas, políticas e ecológicas de longo alcance.

Com um “imposto progressivo modesto sobre a riqueza detida pelos multimilionários globais”, o relatório argumenta, “1,6% da renda global poderia ser gerada e reinvestida em educação, saúde e transição ecológica.”

Se implementado nos Estados Unidos, esse imposto ajudaria a reverter a tendência de décadas de queda do imposto de renda pago pelos indivíduos mais ricos. O relatório observa que “hoje, as alíquotas efetivas de impostos da classe trabalhadora, da classe média e do 1% do topo estão muito próximas”.

O relatório também sugere que impostos corporativos progressivos e a repressão do governo à “evasão fiscal generalizada” pelos super-ricos podem ajudar a reduzir as enormes desigualdades de riqueza.

De forma mais ampla, os autores argumentam que, para “pôr fim aos grandes desequilíbrios nos fluxos de capital e renda entre o Norte Global e o Sul Global, é necessário reavaliar os princípios básicos da globalização”.

“Não é absurdo supor que cada país do mundo deva ter direitos iguais ao desenvolvimento, no sentido de que cada ser humano deve ter acesso igual à educação básica e aos serviços de saúde para começar”, afirma o relatório. “A questão de como financiar esses serviços básicos é inteiramente política, dependendo, portanto, do conjunto de regras e instituições estabelecidas pelas sociedades em todo o mundo.”

O Resumo Executivo do Relatório Mundial sobre as Desigualdades para 2022 foi traduzido por Outras Palavras.

*Publicado em Common Dreams | Tradução por César Locatelli

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