Comemoram-se neste ano duas décadas e os 15 anos das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que estabelecem, respectivamente, a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo escolar. Porém, infelizmente, os maiores motivos de celebração ainda estão no papel. O marco legal é fundamental para a construção de um ecossistema de educação antirracista, mas a pergunta que fica é: quando as leis serão de fato implementadas nas escolas brasileiras?
Acompanhamos na imprensa, nos últimos meses, casos de violências simbólicas e físicas nas escolas, e pouco se discutiu o racismo como estopim de algumas situações. A violência é reportada sem uma análise da complexidade socioestrutural que a cerca, e estudantes e professores negros, quilombolas e indígenas seguem expostos em um espaço que deveria ser essencialmente de segurança.
A pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das secretarias municipais no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, realizada pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana, revelou que, de 1.187 secretarias municipais de Educação, apenas 5% possuem uma área especializada para abordar conteúdos educacionais de relações étnico-raciais; apenas 8% têm um orçamento dedicado à implementação da legislação; e 74% não possuem profissionais para pôr em prática o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira.
A análise geral que podemos aferir dos dados é que não há investimento financeiro e profissionais capacitados e com autonomia suficientes para a construção de um ambiente escolar democrático —ou seja, inclusivo e seguro para todos. Não há, portanto, uma institucionalização da questão étnico-racial na estrutura das secretarias de Educação.
Nesse contexto, é preciso enfatizar que a educação antirracista precisa ser também anticapacitista, ou seja, superar a crença equivocada de que algumas pessoas são mais capazes do que outras para aprender. No Brasil, cito o trabalho do movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI) na promoção de espaços de neurodiversidade, com qualidade de vida e que inclua a deficiência na diversidade da nossa sociedade.
Para a construção de metodologias e ferramentas que consolidem esse ambiente escolar realmente transformador, ActionAid, Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), Geledés – Instituto da Mulher Negra, Makira-E’ta e UNEafro Brasil se uniram em 2021 no Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista).
Premiada no Desafio de Equidade Racial 2030 da Fundação W.K. Kellogg, a iniciativa é resultado do acúmulo das experiências dessas instituições na construção de uma educação com equidade, que pressupõe o compromisso com processos justos que respeitem e valorizem a diversidade de nossa população.
Vinte anos não são 20 dias. Já passou da hora de o Brasil implementar de fato o que foi brilhantemente desenhado pelos movimentos negros. Os episódios de violência recentes só corroboram que letramento racial nas escolas é urgente e que a educação antirracista não é mais negociável. Um país que se diz democrático só poderá receber esse título quando resgatar, valorizar e ensinar a cultura e história de todo o seu povo.