A educação antirracista não pode mais esperar

Quando as leis vigentes serão de fato implementadas nas escolas brasileiras?

Estudantes da escola municipal Ruben Bento Alves, de Caxias do Sul (RS), onde são realizadas atividades escolares que envolvem temas de relações étnico-raciais - Carlos Macedo - 6.out.2022/Folhapress - Folhapress

Comemoram-se neste ano duas décadas e os 15 anos das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que estabelecem, respectivamente, a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo escolar. Porém, infelizmente, os maiores motivos de celebração ainda estão no papel. O marco legal é fundamental para a construção de um ecossistema de educação antirracista, mas a pergunta que fica é: quando as leis serão de fato implementadas nas escolas brasileiras?

Acompanhamos na imprensa, nos últimos meses, casos de violências simbólicas e físicas nas escolas, e pouco se discutiu o racismo como estopim de algumas situações. A violência é reportada sem uma análise da complexidade socioestrutural que a cerca, e estudantes e professores negros, quilombolas indígenas seguem expostos em um espaço que deveria ser essencialmente de segurança.

pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das secretarias municipais no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, realizada pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana, revelou que, de 1.187 secretarias municipais de Educação, apenas 5% possuem uma área especializada para abordar conteúdos educacionais de relações étnico-raciais; apenas 8% têm um orçamento dedicado à implementação da legislação; e 74% não possuem profissionais para pôr em prática o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira.

A análise geral que podemos aferir dos dados é que não há investimento financeiro e profissionais capacitados e com autonomia suficientes para a construção de um ambiente escolar democrático —ou seja, inclusivo e seguro para todos. Não há, portanto, uma institucionalização da questão étnico-racial na estrutura das secretarias de Educação.

Nesse contexto, é preciso enfatizar que a educação antirracista precisa ser também anticapacitista, ou seja, superar a crença equivocada de que algumas pessoas são mais capazes do que outras para aprender. No Brasil, cito o trabalho do movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI) na promoção de espaços de neurodiversidade, com qualidade de vida e que inclua a deficiência na diversidade da nossa sociedade.

Para a construção de metodologias e ferramentas que consolidem esse ambiente escolar realmente transformador, ActionAid, Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), Geledés – Instituto da Mulher Negra, Makira-E’ta e UNEafro Brasil se uniram em 2021 no Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista).

Premiada no Desafio de Equidade Racial 2030 da Fundação W.K. Kellogg, a iniciativa é resultado do acúmulo das experiências dessas instituições na construção de uma educação com equidade, que pressupõe o compromisso com processos justos que respeitem e valorizem a diversidade de nossa população.

Vinte anos não são 20 dias. Já passou da hora de o Brasil implementar de fato o que foi brilhantemente desenhado pelos movimentos negros. Os episódios de violência recentes só corroboram que letramento racial nas escolas é urgente e que a educação antirracista não é mais negociável. Um país que se diz democrático só poderá receber esse título quando resgatar, valorizar e ensinar a cultura e história de todo o seu povo.

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