A educação de meninas negras em tempos de pandemia: o aprofundamento das desigualdades

FONTEPor Geledés Instituto da Mulher Negra

Tem se tornado cada vez mais comum ouvir que a pandemia da COVID-19 escancarou as desigualdades já existentes no Brasil. Quando falamos de educação, as narrativas de profissionais da área reforçam que não é possível avaliar o impacto do ensino virtual/remoto porque as/os estudantes sequer acessaram os ambientes virtuais disponibilizados pelas secretarias de educação. A falta de acesso à internet e aos equipamentos tecnológicos conformam a realidade da maior parte das/os estudantes brasileiras/os. Mas há quem acesse e tenha seus direitos de aprendizagem garantidos no limite do que a Educação à Distância permite. Quem são as pessoas que acessam ou não as ferramentas do ensino remoto? Quem ainda mantém ou não vínculo com a escola e a formação acadêmica? Dados da PNAD-COVID, realizada ainda neste ano de 2020, revelam que em setembro 6,4 milhões de estudantes (13,9% do total) não tiveram acesso às atividades escolares. O mesmo levantamento demonstra que estudantes negros e indígenas sem atividade escolar é o triplo de estudantes brancos: 4,3 milhões de crianças e adolescentes negros e indígenas da rede pública e 1,5 milhão de pessoas brancas destes segmentos. Se por um lado as desigualdades educacionais provocadas pela pandemia afetam todos os grupos, por outro ela aumenta ainda mais os abismos existentes entre pessoas não-brancas e brancas no Brasil.

Diante desta realidade, Geledés – Instituto da Mulher Negra iniciou a pesquisa “O direito à educação de crianças e adolescentes em tempos de pandemia” no município de São Paulo, com recorte de raça/cor e gênero. Se as pessoas não-brancas são as mais afetadas pelo aprofundamento das desigualdades, como estaria então a realidade das meninas negras já tão vulnerabilizadas no contexto pré-pandemia? Existem diferenças se desagregarmos os dados por raça/cor e gênero? Este estudo, cujo coleta se deu entre setembro de novembro de 2020, revela que sim.

Apresentamos aqui o primeiro informe parcial da pesquisa, que tem como foco a realidade das meninas negras no acesso à educação e aos direitos de aprendizagem durante o período de isolamento social. Os dados representam o universo de 105 famílias das 5 regiões da cidade de São Paulo, compostas por 372 pessoas no total e majoritariamente situadas nas periferias da cidade; 149 profissionais da educação que atuam em 116 escolas públicas municipais, estaduais e federal das 5 regiões e que ofertam educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, nas modalidades regular, educação de jovens e adultos, ensino técnico, educação escolar indígena e educação escolar de pessoas surdas; 13 organizações da sociedade civil que atuam nas 5 regiões em defesa dos direitos das crianças e adolescentes e da educação de qualidade.

Para alcançar este grupo de respondentes, percorremos diferentes caminhos. No caso das famílias, além de divulgar em grupos que atuam na educação para as relações étnico-raciais, como de professoras/es e movimentos sociais, contamos com a ajuda de 3 pesquisadoras que atuam na educação escolar e não escolar nas zonas oeste, norte e sul. A partir das redes estabelecidas pelas escolas ou organizações da sociedade civil que integram, elas chegaram às famílias periféricas para a aplicação do questionário. Conforme a Tabela 1, dentre as 105 famílias temos 5,71% da região central, 19,05% da zona leste, 34,29% da zona norte, 19,05% da zona oeste e 21,90% da zona sul.

Estas famílias representam o total de 372 pessoas, sendo a maior parte composta por 4 pessoas (37,14%), seguido pelos grupos de 3 pessoas (24,76%)  e de 2 pessoas (22,86%). Deste total, 185    pessoas  integrantes das famílias têm até 18 anos (49,7%) e são estudantes da educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

Ao considerar o perfil étnico-racial das famílias, a Tabela 2 aponta que 69,52% são negras, 10,48% brancas e 20% interraciais. Em relação à identidade de gênero, 74,29% são compostas por homens e mulheres, 23,81% por apenas mulheres e 1,9% por apenas homens[1].

A partir desse universo pesquisado, trazemos dados das famílias sobre o acesso à educação em tempos de pandemia para as crianças e adolescentes que as compõem, com recorte de raça/cor e identidade de gênero – é neste campo que fica evidente as desigualdades educacionais. Para tentar compreender os dados, analisamos a percepção de docentes e organizações da sociedade civil sobre as diferenças existentes entre meninos e meninas, negras e brancas, com perguntas específicas sobre meninas negras, no que tange o período de isolamento social e a adoção do ensino remoto/virtual.

O questionário de profissionais da educação alcançou 154 docentes de 122 escolas diferentes. Como o universo da pesquisa é apenas escolas públicas da cidade de São Paulo, excluímos da análise as respostas de outros municípios (5) e de um colégio particular. Neste sentido, ficamos com 149 respostas que contemplam o universo de 116 escolas identificadas – o número de escolas representadas é maior, já que 19 pessoas optaram por não informar o nome das instituições em que atuam. Para alcançar estes docentes, trabalhamos com a metodologia “bola de neve”, para a qual contamos com “sementes” iniciais de difusão da pesquisa: neste caso, acionamos os grupos de WhatsApp “Professoras Negras” do município de São Paulo, “GTP ERER nas Quebradas” (Grupo de Trabalho e Pesquisa – Educação para as relações étnico-raciais nas quebradas) e o “FEDER” (Fórum de Educação e Diversidade Étnico-racial de São Paulo), além das redes sociais de Geledés. Tendo estes grupos de comunicação como “sementes”, a pesquisa passou a ser difundida nas diferentes regiões de São Paulo e alcançou novos adeptos, os chamados “frutos”. O preenchimento do questionário foi realizado pelas/os próprias/os profissionais da educação.

As respostas contemplam profissionais da educação das diferentes áreas de conhecimento: biológicas, exatas, humanas e tecnológicas. As/os docentes atuam em escolas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio regulares, assim como no Ensino Médio-técnico (3 escolas, sendo uma federal e 2 estaduais), Educação de Jovens e Adultos (2 escolas), Educação Escolar Indígena (1 escola) e Educação Escolar de Surdos (1 escola). A Tabela 4 demonstra que a maior parte está inserida no Ensino Fundamental e no Ensino Médio – é importante observar que os percentuais ultrapassam 100% porque algumas pessoas atuam em mais de um nível e/ou modalidade.

As mulheres são a maioria de docentes respondentes (77,85%), sendo que quase metade do total são mulheres negras (44,97%) – seguidas de mulheres brancas (32,21%), homens negros (14,09%) e homens brancos (7,38%). A população negra tem 59,06% de participação na pesquisa com profissionais da educação, não houve nenhuma resposta de educadores/as indígenas, a população branca corresponde a 36,6% do total e amarela 1,34%.

Houve também uma distribuição equânime entre profissionais da educação que lecionam nas diferentes regiões da cidade: 8,72% no centro, 22,15% na leste, 21,48% na norte, 22,82% na oeste e 26,17% na sul. O centro tem o percentual mais baixo porque tem um número menor de escolas, bem como de concentração demográfica. Agora nas regiões da cidade podemos observar uma similaridade entre os percentuais representados.

Para a coleta de informações junto às organizações da sociedade civil, a mobilização ocorreu por meio das redes de articulação em que Geledés está inserido. As instituições receberam mensagens de divulgação e convites para participar voluntariamente do estudo. O questionário foi preenchido pelas próprias organizações e, no período de coleta, alcançou 15 respostas de grupos comprometidos com os direitos de crianças e adolescentes e com o acesso à educação. Destes, retiramos 2 instituições que se apresentaram como escolas e não como sociedade civil. Neste sentido, foram analisadas as respostas de 13 grupos, estes atuantes em todas as regiões da cidade – conforme Tabela 7, onde os percentuais ultrapassam 100% porque há organizações que incidem sobre diferentes territórios.

Um dado relevante é que mais da metade das organizações têm mais de 10 anos (61,54%) – algumas ultrapassam 30 anos. São instituições do movimento negro, igreja católica, casa de acolhimento, grupos culturais, grupos assistenciais, fórum educacional, movimento de saúde, coletivo territorial, ONGs, fundações e associações.

A forma de relação das organizações com a sociedade, como apresenta a Tabela 9, envolve acolhimento, orientações, atendimento, atividades comunitárias, formação, articulação coletiva, incidência política, mediação institucional e diagnóstico territorial. Em tempos de pandemia, como apontam, também sofrem dificuldades para manutenção e continuidade de suas ações, mas têm realizado lives, encontros virtuais, atendimentos específicos e visitas para manter o vínculo comunitário.

Indicadores de desigualdades

Os indicadores de desigualdades de raça e gênero foram coletados a partir da pesquisa realizada com as famílias. Neste instrumento, a/o responsável apresentou cada uma das pessoas que compõem a residência, considerando idade, gênero, raça/cor, escolaridade, formas de acesso ao ensino remoto/virtual, formas de acesso aos materiais didáticos, rotina em período de isolamento social, estrutura residencial e principais dificuldades para o execução das atividades escolares. A partir da análise de cada uma das pessoas, identificamos desigualdades de acesso aos instrumentos de aprendizagem, às condições para cumprimento das medidas sanitárias, à possibilidade de ficar em isolamento social, à segurança alimentar e nutricional e apoio/suporte no desenvolvimento da rotina acadêmica.

Abaixo escolhemos indicadores sobre o acesso ao ensino remoto/virtual e a rotina acadêmica das/os 185 estudantes abrangidas/os nesta pesquisa. A primeira questão apresentada pela Tabela 10 refere-se ao material didático a ser utilizado durante a pandemia, e as respostas revelam que 74,5% tiveram acesso e 24,8% não tiveram acesso. Além disso, ao desagregar por gênero e raça, percebe-se uma grande desigualdade: enquanto que 60,98% do total das meninas negras tiveram acesso ao material didático pedagógico, esse indicador é de 81,94% para meninos negros, 93,75% para meninas brancas e 100% para os meninos brancos. Se juntarmos este dado com os indicadores da Tabela 11 sobre a realização das atividades escolares remotas/virtuais, percebe-se que as meninas negras são as mais afetadas pela violação dos direitos às aprendizagens no período de isolamento social.

A Tabela 11 apresenta os percentuais de pessoas em idade escolar das famílias que têm realizado ou não as atividades à distância na educação básica. Se 70,65% do total estão realizando as tarefas escolares, esse indicador cai para 58,54% entre as meninas negras e está acima da média para meninos negros (76,39%), meninas brancas (87,5%) e meninos brancos (92,86%). Ou seja, os dados sobre o direito à educação em período de isolamento social refletem a pirâmide econômica brasileira, em que as mulheres negras estão na base, seguidas de homens negros, mulheres brancas e homens brancos. Mas o que justificaria essas diferenças, já que estamos falando de educação pública? As narrativas de profissionais da educação sobre a participação de estudantes e suas justificativas ajudam a encontrar razões que explicam as profundas desigualdades enfrentadas por meninas e negras/os.

As famílias foram convidadas a responder com que frequência cada uma das pessoas estudantes realizam as atividades escolares. Os indicadores de 2 vezes por semana ou 5 vezes ou mais por semana são os maiores entre meninas negras (17,07% e 14,63%) e meninos negros (34,72% e 19,44%). Para meninas brancas há uma divisão equânime entre os grupos de frequência (18,75% para 1 vez por semana; 12,5% para 2 vezes por semana; 18,75% para 3 vezes por semana; 18,75% para 4 vezes por semana; e 18,75% para 5 vezes ou mais por semana). Os meninos brancos têm o maior percentual em relação ao seu total entre os grupos na faixa de menor frequência (uma vez por semana), sendo 28,57%, mas também têm maior concentração de seu grupo na faixa de maior frequência (5 vezes ou mais por semana), onde estão 42,86% deles.

Na Tabela 13 apresentamos um ranking dos principais motivos apontados pelas famílias para a não realização das atividades escolares remotas/virtuais. Esse dado demonstra que é expressivo o número de estudantes que, mesmo após  6 meses de fechamento das escolas, ainda não tinham acessado os materiais didáticos/pedagógicos. Quase metade dos que não realizam as atividades (44,4%), não fazem porque não têm material. Em seguida, os principais problemas são acesso a equipamentos tecnológicos e à internet. Outros elementos referem-se à adaptação e à organização da nova rotina de atividades/acompanhamento, bem como problemas psicossociais.

Ao questionar as famílias sobre a existência de tempo e espaço adequados para estudos, 35,7% apontam que as crianças e adolescentes não têm horário reservado para as atividades escolares e 38,46% que não têm espaço apropriado para estudar (com cadeira, mesa, iluminação, por exemplo).

As crianças e adolescentes em idade escolar, que nas unidades educacionais contavam com o apoio da equipe pedagógica, nem sempre têm suporte das pessoas adultas da família para acompanhar as atividades remotas/virtuais. Do total, 47,18% têm apoio, 34,36% têm apoio às vezes e 18,46% não têm nenhum apoio. A  Tabela 16, em que encontramos um ranking das formas de acompanhamento apresentadas e dos motivos de não participação das adultas, traz pistas sobre as principais dificuldades enfrentadas pelas famílias.

Os dados abaixo revelam que as principais queixas das famílias para não acompanhar as atividades escolares de crianças e adolescentes são 1) tempo; 2) concomitância das atividades escolares com o horário de trabalho das pessoas responsáveis;  3) despreparo em relação aos conteúdos e 4) falta de equipamentos. Além disso, a junção de outros elementos demonstra inabilidade com atividades pedagógicas, dificuldades com os conteúdos, dificuldades com as ferramentas tecnológicas, sobrecarga e problemas emocionais. Já as crianças e adolescentes que contam com o acompanhamento das/os responsáveis, a maioria têm essa presença durante a realização das atividades e nos momentos de dúvidas e dificuldades específicas, assim como suporte para pesquisa, diálogo com a escola e rotina estabelecida.

Se considerarmos que o tempo e a concomitância da rotina escolar com o horário de trabalho das pessoas responsáveis são os principais fatores que justificam a inexistência de apoio às crianças e aos adolescentes nas atividades escolares remotas/virtuais, a Tabela 17 aponta algumas pistas sobre a realidade das famílias negras. Aproximadamente 28% das pessoas responsáveis pelas famílias estão trabalhando presencialmente desde o início da pandemia, mas ao desagregarmos por raça/cor esse indicador é de 33,72% para as famílias negras e de apenas 8% das famílias brancas. Entre as pessoas que estão em trabalho remoto (30,58%) ou já estiveram trabalhando nessa condição (17,36%), temos o estatística de 48%, enquanto que para as/os responsáveis das famílias negras é de 39% e das famílias brancas de 84%. Ou seja, as crianças de famílias brancas tiveram maior presença de adultos durante o período de isolamento social. Além disso, quando falamos dos fatores estruturais que permitem acesso aos equipamentos e à internet, a taxa de desemprego de pessoas responsáveis pelas famílias negras é de 9,30%, enquanto que para as famílias brancas é de 4%.

A pesquisa revela pontos importantes sobre o aprofundamento das desigualdades de gênero e raça na educação básica, em tempos de pandemia. A base de dados respondida pelas/os docentes traz outras informações que ajudam a compreender qualitativamente a existência dessas diferenças e os fatores que incidem sobre elas. A Tabela 18 traz as percepções de professoras/es sobre a participação de estudantes, considerando as articulações entre raça e gênero. Do total de respondentes, 55,03% consideram que há diferenças na participação de meninas e meninos nas atividades escolares e 55,70% consideram que há diferenças na participação de crianças negras e brancas.

As/os profissionais da educação foram convidados a responder o porquê da existência dessas diferenças, e as observações a partir do contato e diálogo à distância com estudantes espelham os seguintes comentários:

 

“Percebo que as meninas se justificam mais por estarem se dividindo em tarefas domésticas do que os meninos.”
“Os meninos se sentem mais confiantes para participar das atividades, abrir o microfone para falar com os professores e a turma, enquanto que as meninas o fazem raramente, se manifestando mais pelo chat das aulas”.
“As meninas são mais responsáveis.”
“As meninas são mais empenhadas.”
“Os meninos são mais desinteressados.”
“Os meninos acessam mais, pois as meninas parecem mais desmotivadas”.
“As mulheres relatam mais dificuldades em decorrência das demandas domésticas com a casa e dos cuidados com os filhos.”
“As meninas participam mais. Mas, ao mesmo tempo, são as que mais trabalham em casa.”
“A maioria dos alunos da minha escola são pretos/pardos e essa maioria não tem acessado a Plataforma de estudos e nem recebeu o caderno de atividades em casa.”
“Em geral os alunos negros apresentam grande dificuldade de entrega das atividades.”
“A porcentagem das crianças que não estão participando é de maioria negra.”
“As crianças brancas têm mais acesso aos equipamentos.”
“Na região em que atuo, a grande maioria é de crianças negras. Mas observo em algumas falas de colegas professores ainda um racismo ao compreender a ausência de alunos brancos e criticarem a mesma ou menor ausência de alunos negros.”
“Crianças brancas participam mais e seus pais acompanham as atividades.”
“As crianças negras têm menos acesso aos equipamentos tecnológicos.”
“As crianças negras têm mais dificuldade no aprendizado devido às condições socioeconômicas.”
“Não fiz um levantamento específico, mas no geral os estudantes negros (homens e mulheres) têm interagido menos, muitos inclusive não participaram de nenhuma atividade, mas seria necessário um levantamento mais específico.”
“A maior parte dos alunos que têm acesso à internet e às aulas online são os alunos brancos.”
“Os que nunca acessaram nenhuma atividade são negros. Menor participação de negras.”
“Infelizmente o cenário que encontramos é de um número muito reduzido de crianças negras que conseguiram continuar acompanhando suas atividades escolares. Muitas delas são de famílias oriundas das classes mais baixas e necessitadas e que sofrem e se tornam vítimas da violência social, seja ela pela desigualdade seja ela familiar.”

 

As frases acima, retiradas das perguntas abertas direcionadas aos profissionais da educação, revelam que as diferenças identificadas entre meninos e meninas estão divididas entre 1) estereótipos de gênero (“as meninas são mais dedicadas”) e 2) relações de gênero que, por exemplo, ocupam mais as meninas com tarefas domésticas (“Percebo que as meninas se justificam mais por estarem se dividindo em tarefas domésticas do que os meninos.”) e naturalizam o espaço público de fala e participação como prioritariamente masculino (“Os meninos se sentem mais confiantes para participar das atividades, abrir o microfone para falar com os professores e a turma, enquanto que as meninas o fazem raramente, se manifestando mais pelo chat das aulas”).

As diferenças entre estudantes negros e não negros estão associadas ao acesso de intrumentos de ensino à distância (condições materiais) e ao acompanhamento familiar – que refletem a estrutura e as históricas desigualdades raciais existentes no Brasil, como trabalho e renda, anos de estudos etc. Ou seja, os argumentos estão pautados nas desigualdades existentes entre negros e brancos (“As crianças negras têm menos acesso aos equipamentos tecnológicos.”  e “Crianças brancas participam mais e seus pais acompanham as atividades”).

Em relação às crianças negras, profissionais de educação consideram que os problemas que mais os afetarão são: 1) reprovação; 2) evasão escolar; 3) aumento da violência; 4) regressão dos indicadores educacionais; e 5) agravamento da saúde física e mental. No entanto, quando nos referimos às meninas, os 5 maiores problemas apontados são: 1) aumento da violência; 2) aumento da violação de direitos e violências sofridas; 3) evasão escolar; 4) aumento das desigualdades sociais; e 5) agravamento da saúde física e mental.

Ao abordar a realidade específica das meninas negras, 73,83% das/os professoras/es consideram que elas serão afetadas de forma diferente pelas consequências da pandemia. Os motivos, como podemos imaginar, se relacionam com o efeito que as opressões de gênero e raça têm sobre as suas vidas, mantendo-as há séculos na base da pirâmide social brasileira

Veja os argumentos compilados até aqui:

 

“As meninas negras acessam bem menos o Google sala de aula, das 3 denúncias sobre abuso 2 são de meninas negras.”
Foram fadadas a cuidar da casa e dos irmãos, o que as conduz ao processo de aceitação de profissões desfavorecidas, uma vez que o acesso à escolarização torna-se cada vez mais distante de sua realidade.”
“Elas tendem a realizar mais atividades domésticas e são mais restritas à cultura escolar.”
“As meninas negras devem estar tendo uma cobrança em relação à demanda doméstica maior que os outros grupos.”
“Espero que não, mas posso dizer que elas estão mais vulneráveis neste momento, nas minhas aulas apenas uma aluna negra faz acesso.”
“Acredito que tenha diferenças sim, pode aumentar a evasão escolar, tendo em vista que no ensino presencial quando o estudante evadido é uma menina, na maioria das vezes ela é negra. O ensino remoto mal planejado, pode afastar as meninas devido a necessidade de alguém que faça os serviços domésticos, erroneamente vistos como apenas feminino. Sendo as famílias negras as mais afetadas pela desigualdade social.”
“Sim, sobretudo no âmbito do trabalho para complementar a renda de casa.”
“Acredito que no caso das meninas negras as duas questões se aplicam. O julgamento docente de falta de esforço por parte dos alunos negros e a sobrecarga com reflexos na saúde física e mental dessas meninas.”
“O acesso é menor e a sofrem mais abusos.”
“As comunidades negras estão mais segregadas em regiões periféricas, o que dificulta ainda mais as condições ao ensino à distância, deixando as crianças e adolescentes mais expostos e principalmente as meninas negras.”
“É difícil separar mulheres e homens negros na intensidade que a situação atual impõe para eles. No território da escola vejo que enquanto os homens estão mais suscetíveis à violência, especialmente policial, as mulheres negras estão mais sobrecarregadas física e psicologicamente. Entretanto, talvez o diferencial esteja na questão do isolamento físico, homens negros continuam saindo e circulando pelo bairro (bares, pipas, futebol etc.) e as mulheres menos (algumas igrejas, que é um dos principais locais frequentado por elas permanece fechadas, bem como os espaços de acolhimento, inclusive nas UBS do bairro que desenvolve ações e atividades para mulheres e outros espaços sociais)”
“Talvez. Mas o que tem percebido é o aumento de crianças (meninos e meninas negros/negras) pedindo contribuição nos semáforos das ruas da Cidade.”
“Um dos aspectos que temos dialogado em um dos coletivos da escola (Projeto Negritude) é sobre a relação das meninas negras com as questões de abrir câmeras para fazer suas falas. Muitas vezes não abrem, falam que estão com problemas na câmera, que estão no CPU e não tem câmera, enfim, pode ser verdade, mas…”

 

Conclusões preliminares

 

Conforme informamos no início do texto, há estudantes que não possuem acesso à educação remota e estão com seus direitos de aprendizagem violados durante a pandemia. Os dados demonstram que as crianças e jovens negras e negros, em particular as meninas negras, não acessam as ferramentas do ensino remoto, não mantem vínculos com a escola e estão com sua formação acadêmica comprometida.

Os dados apresentados, ainda em caráter preliminar, auxiliam as reflexões sobre os impactos da pandemia nos direitos educativos de estudantes negras e negros e, do ponto de vista prático, apontam para a urgência na tomada de decisões e implementação de ações que garantam o direito à educação e a um percurso formativo de qualidade para todas as pessoas.

Estão colocados novos desafios para a equidade na educação e para a elaboração de soluções que dizem respeito à política educacional. Para além destes aspectos, ao considerar que o racismo perpassa todas as esferas da vida na nossa sociedade, este se coloca de forma particular para a comunidade escolar já que a escola tem se apresentado como um espaço de afirmação das hierarquias raciais e de reprodução de concepções e práticas racistas.

No final do mês de janeiro de 2021 apresentaremos o relatório completo deste estudo. Acompanhe as informações pelo Portal Geledés (www.geledes.org.br).

 

Sobre a pesquisa:

Coordenação: Suelaine Carneiro

Realização: Jaqueline Santos

Pesquisadoras: Bernadete Alves, Maria Falcão e Sirlene Santos

Contamos ainda com a colaboração de inúmeras pessoas e organizações da sociedade civil na divulgação da pesquisa e no preenchimento dos questionários.

 

 

 

[1] As classificações de raça/cor e identidade de gênero correspondem à autodeclaração das pessoas responsáveis pelas famílias e que responderam ao questionário.

 

Dos integrantes¿

 

185 pessoas das 372 pessoas das 105 famílias são crianças e adolescente em idade escolar.

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