A emergência de um novo olhar para a literatura afro brasileira

É sabido que a Literatura, em especial a brasileira, adentra redes e paredes da grande maioria das escolas, se não, de todas no Brasil. A forma como é ou não apresentada ao corpo discente torna-se um reflexo das educadoras (es) enquanto leitoras (es), isto é, imagina-se que o hábito de ler seja uma prática cotidiana na vida de todas (os), haja vista a aquisição do conhecimento constituir-se como um devir.

Por  Rosângela Apª Cardoso, do A Tribuna  MT

Dessa forma, adentrar as páginas dos escritos literários ainda é a melhor forma de estar em vários mundos encantados, em vários lugares, com as mais diferentes pessoas e vivenciar muitas experiências, quiçá ter a oportunidade de se apaixonar e viver os mais diversos amores, literariamente entrecortados pela ficção.

Torna-se necessária e urgente a inserção de mais práticas de leituras deleites nas escolas, sobretudo que aconteçam em locais adequados e especialmente preparados para os alunos, as bibliotecas e/ou salas de aulas devem propiciar um ambiente acolhedor e facilitador dessa busca e encontro com o prazer literário.

Espera-se que estes momentos sejam prazerosos e não se atribuam às práticas de leituras um caráter puramente superficial, mas que possam proporcionar às alunas (os) aprimorar o gosto e apreciar esta “viagem” ao mundo dos prazeres e êxtases literárias. Como ressaltado acima, é inegável a importância da literatura como alargador de horizontes, não que ela deva cumprir nenhuma função pois não tem essa obrigação, mas apenas contribuir para que não se permaneça na condição de alienado e alheio à desconstrução de estereótipos e paradigmas.

É nesta linha de pensamento que se propõe este artigo, a pensar qual a literatura que está sendo inserida nas escolas e a forma como está sendo apresentada ao corpo discente. A questão que se apresenta parte do pressuposto de que a literatura, sobretudo a brasileira, de certa forma, contribui para a disseminação das desigualdades em relação aos gêneros. Conforme pesquisas recentes, constatou-se que a literatura brasileira, em sua grande parte é, essencialmente, escrita por homens e propagadora do sexismo vigente. (DALCASTAGNÉ, 2010)

Neste sentido, buscou-se visualizar a condição relegada à mulher nesta escrita androcentrica e, não por acaso, verificou-se que a mulher ocupa posições secundárias, estereotipadas e hegemônicas, isto é, nos escritos de autoria masculina a mulher permanece um ser subordinado aos ideais do patriarcado.

Esta violência de gênero é mais forte quando se trata das mulheres não-brancas e (vale ressaltar que em relação às mulheres negras a discriminação é partícipe da escrita de ambos os lados) a elas são relegadas funções estereotipadas, estigmatizadas e preconceituosas.

Na maioria das vezes, ocupam postos de empregadas, prostitutas, dançarinas e afins, enquanto que protagonismos, maternidades, casamentos e outros são requisitos alcançados apenas pelas brancas, quase sempre oriundas da elite. A literatura de autoria feminina da forma que se apresenta ainda esconde valores hierárquicos, isto é, segue relegando à mulher negra a condição de serva e/ou ama seca, aquela que serve apenas para os afazeres das sinhás brancas e para os prazeres dos patriarcas.

Por conta disso, este artigo toma para si a liberdade de dar voz à Literatura afro-brasileira como forma de desconstruir esta suposta invisibilidade a que são forçosamente relegadas as autoras negras em suas tessituras.

Não é segredo que a chance de se encontrar obras literárias de mulheres negras nas prateleiras de bibliotecas e livrarias é bem menor do que aquela proveniente da cultura branca e burguesa, sem falar nas dificuldades que elas enfrentam para conseguir publicar seus escritos.

Muito dificilmente se ensina esta literatura nas escolas e, sem a pretensão de apresentar aqui os porquês desse tipo de comportamento, este artigo busca apenas suscitar possíveis reflexões e questionamentos.

A escrita feminina, além de dar voz e vez às mulheres, categorias emudecidas por tanto tempo, excluídas do espaço público, nada restava a não ser sujeitarem-se aos maridos, procriação dos filhos e os afazeres domésticos, proporciona-lhes a oportunidade de exercerem a própria autonomia.

A possibilidade de tornarem-se agentes, de saírem da condição de passividade absoluta caminhou ao encontro dos anseios das mulheres, bem como outras categorias inseridas no chamado “minorias” (entenda-se, nesse caso, negros, gays, lésbicas e afins).

Por todo um histórico de luta em favor dos direitos das mulheres, não é possível que haja invisibilidade em relação à autoria feminina, sobretudo, se tratando escrita afro. Um bom exemplo dessa literatura afro-brasileira, dentre tantos outros, são os escritos literários de Conceição Evaristo, uma autoria-vivência que promulga a voz e a liberdade de toda uma raça-nação estigmatizada, esta autora que poucas escolas trazem suas obras em seus respectivos acervos, consequentemente, privando-se e a seu corpo discente de manter contato com esta escrita que sangra aos olhos e coração de quem lê e ouve. Por uma autoria afro e reveladora, este artigo ecoa seu grito pela inserção de Conceição Evaristo por entre os muros das escolas.

(*) Rosângela Apª Cardoso da Cruz é mestranda em Educação – PPGEdu – UFMT Rondonópolis – MT

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