A galera da van

Viajar ao Nordeste para falar mal de nordestino é uma das contradições mais feias que já vi

FONTEFolha de São Paulo, por Semayat Oliveira
A jornalista Semayat Oliveira - Foto: Nathalie Bohm/Divulgação

Para aproveitar o feriado de 1° de Maio, viajei da capital paulista para Aracaju, a capital sergipana. E não fui a única. Trombar conterrâneos seria tão fácil quanto encontrar as melhores combinações para carne de sol. Dito e feito. Separei um dia para cair na estrada rumo a Canindé de São Francisco, no extremo noroeste do estado. Era sertão, sol e quatro horas até o cânion do Xingó.

Pela janela, tentei diferenciar o mandacaru do xique-xique e do facheiro. Falhei o mesmo tanto de vezes que me perguntei por que demorei tanto para ir até lá.

Dentro da van o clima era diferente. Ouvindo a conversa entre três turistas, por querer e sem saída, foi batata: eram de São Paulo.

Um deles lembrou as eleições e dizia que, sim, era bolsonarista. Até aí, sem problema algum. Democracia. Mas a coisa descambou e foi de “a culpa é do Nordeste” para baixo. Bem baixo. Deu pra sentir a raiva traduzida em frases que ultrapassaram o limite da liberdade de expressão. Virou discriminação, xenofobia, violência. Todo o contexto me incomodou profundamente —tanto que virou texto—, mas iniciar uma discussão não me pareceu a decisão mais acertada ou segura.

Voltei na terça (2) e, fala aí, que semana! No mesmo dia, a votação do PL das Fake News foi adiada. Deputados contrários ao projeto, muitos bolsonaristas, alegam censura. Palavra com significado bem diferente de regulação, convenhamos. Me lembrei do tom da conversa contada aqui e pensei: teria sido mais escrachada na internet? Provável.

Na manhã seguinte (3), testemunhamos a operação da Polícia Federal contra Jair Bolsonaro e pessoas próximas por um esquema de falsificação de dados em certificados de vacinação. Você e a galera da van devem ter lido sobre, não serei repetitiva. Então, embora a OMS na sexta (5) tenha decretado o fim da emergência da Covid-19 —Viva! Bivalente, aí vou eu!—, falta resolver um bocado de coisa no Brasil.

Moral da história: esta semana vai ferver feito o sertão, e viajar pro Nordeste pra falar mal de nordestino é uma das contradições mais feias que já vi.

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